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Tazio Nuvolari (ou A História de um Campeão)

• Por Alfa Romeo
Tazio Nuvolari (ou A História de um Campeão)

dez 5, 2018 | Arquivo, Crônica, História

Nota: Este artigo foi publicado originalmente em Boletim do Alfa Romeo Clube do Brasil  e parcialmente reproduzido na Carta Mensal do MG Club do Brasil (Safety&Fast News) de Jan/Fev de 1989. Posteriormente foi publicado em versão bilíngue (português/italiano) na revista “Affari” da Câmara Italo-Brasileira de Comércio e Indústria, nº 95 de setembro de 2.002 A presente versão conserva o texto original com novas fotos comentadas.

Meus amigos, vamos falar de um verdadeiro campeão. Não de um campeão, mas de um campeão com “C” maiúsculo.

Ele guiou mais e melhor do que ninguém os carros Alfa Romeo.

Nasceu em Mântua, Itália, no dia 16 de novembro de 1892. Pilotou motocicletas e carros. Não foi um gênio precoce, teve muitos acidentes e também a sorte não lhe sorriu com freqüência.

Porém nunca houve um piloto com tanto arrojo, entusiasmo, coragem, garra e ao mesmo tempo tanta sensibilidade para com a máquina. Era tão impaciente, tão irrequieto, que era visto batendo com uma das mãos na carroceria do monoposto ao mesmo tempo que com outra controlava o volante nas derrapagens em alta velocidade.

Ele fazia o impossível. Diziam que ele tinha um pacto com o diabo. Mas o fato é que aqueles que já o viram correr guardam a certeza de que ele foi melhor que todos.

As opiniões são unânimes e partem do Comendador Enzo Ferrari, passam pelo maior jornalista do automobilismo britânico, W. F. Bradley e terminam por meu pai e meus tios que, ainda garotos na Itália, puderam vê-lo em ação.

Sempre envolvido com as motos, mas já com experiência em carros menos potentes como Bianchi e Ansaldo, ele foi convidado, em meados da década de vinte, a fazer um teste na Alfa Romeo para pilotar ao lado dos grandes volantes italianos da época como Antonio Ascari, Giuseppe Campari, Gastone Brilli Peri e o próprio Enzo Ferrari. Ele bateu o carro e não foi aceito. O excesso de arrojo o prejudicou, como o prejudicaria tantas vezes. Mas isto nunca foi problema para o “Mantuano Voador” cujo gosto pelo esporte era tão grande que certa ocasião fugiu do hospital com a perna quebrada para poder participar de uma corrida. Este era apenas um traço de sua rica personalidade.

Apesar de pilotar esporadicamente para a Alfa Romeo, com o incentivo do próprio senador Nicola Romeo (que deu seu sobrenome à marca), Nuvolari só foi efetivado na equipe oficial em 1930, já com 37 anos de idade e daí até o começo da 2ª Grande Guerra o mundo foi brindado com suas atuações memoráveis. Na época Enzo Ferrari ainda não era construtor, mas sim diretor esportivo da Alfa Romeo e as Alfas eram inscritas pela Scuderia Ferrari. Os carros eram sempre vermelhos com o tradicional emblema da Scuderia Ferrari.

A “Mille Miglia” era a mais famosa prova de estrada italiana. Os pilotos largavam de Bréscia entre meia noite e o início da manhã e faziam um percurso por todas as principais cidades italianas de norte a sul (até Roma), retornando ao mesmo ponto em um total de cerca de 1609 Km de estrada que deveriam ser percorridos no menor tempo possível. Era uma prova para carros esporte.

Na edição de 1930, Nuvolari estava ao volante do legendário Alfa Romeo 6C – 1750 SS e disputava com seu companheiro de equipe e arqui-rival Achille Varzi, outro grande piloto italiano que dispunha do mesmo carro.

A largada era individual e Varzi partiu de Bréscia com 4 minutos de antecedência sobre Nuvolari. Apesar de favoritos, os Alfas não lideraram as primeiras etapas, mas logo Varzi atacou e superou o Maserati de Arcangeli e tomou a ponta sempre acompanhado por Nuvolari.

Varzi liderou os trechos de San Quirino – Roma, Roma – Terni e Spoleto – Perugia. As estradas eram ruins o que fazia com que nos anos trinta as etapas finais fossem disputadas durante a noite.

Já próximos do fim, na etapa Feltre – Bassano, Varzi seguia em primeiro e toda vez que Nuvolari se aproximava, Varzi percebia os faróis do carro rival e então aumentava o ritmo e mantinha a liderança. Nuvolari então, enlouquecido, apagou os faróis e se lançou em vôo cego pelas tortuosas estradas de montanha, ultrapassou de surpresa Varzi e ganhou a corrida!

Em 1933 a corrida de Mônaco foi o primeiro Grande Prêmio em que os carros alinharam conforme os tempos obtidos pelos pilotos nos treinos. Até então as posições de largada eram determinadas pela importância da equipe e a reputação do piloto.

Nuvolari estava com o Alfa Romeo vermelho “8C 2600” da Scuderia Ferrari e Varzi com seu Bugatti tipo 51 azul. O duelo se repetiu quilômetro por quilômetro, metro por metro e centímetro por centímetro.

Em todas e cada uma das voltas o Alfa e o Bugatti correram juntos liderando a prova.

Nuvolari conseguia se manter à frente nas últimas voltas, mas, faltando apenas três, Varzi, passando a curva do Gasômetro, emparelha com Nuvolari. Os carros passam pelo trecho onde hoje é dada a largada e vão para a parte alta de Monte Carlo em direção ao Cassino. Na subida Varzi força a 3ª marcha do Bugatti e passa por Nuvolari. Na volta seguinte, a penúltima Nuvolari volta a atacar. Quando os carros saem do túnel e descem pela avenida à beira-mar, onde está hoje a piscina pública de Mônaco, Nuvolari emparelha. O motor do Alfa grita cada vez mais alto e Nuvolari vai passar Varzi novamente. Mas, de repente, se rompe alguma coisa e o Alfa pega fogo! Nuvolari ignora o fogo, os avisos de todos e, alucinado, com seu Alfa em chamas continua a perseguir o Bugatti de Varzi pelas ruas de Mônaco. Mas o motor estoura e o grande campeão humildemente ainda empurra seu carro em direção aos boxes.

Mas o ano de 1933 ainda lhe daria várias satisfações. A famosa marca inglesa de carros esporte MG estava no seu auge. Foi nesse ano que ele conduziu um MG para o que os especialistas consideram a mais importante vitória da marca britânica. A corrida em questão, era o célebre RAC (Royal Automobile Club) “Tourist Trophy”, prova para carros de esporte disputada no sistema de handicap em que os carros de menor cilindrada tinham vantagem de tempo.

O fato é que Nuvolari não conhecia o circuito de rua nos arredores de Belfast (Irlanda), não conhecia o carro, o MG K3 Magnette dotado de um estranho câmbio pré-seletor e para completar seu co-piloto era um inglês que não falava italiano. Nuvolari também não falava inglês. Mas nada disso foi problema para o “Mantuano Voador”. A corrida se resumiu em um frenético duelo entre Nuvolari com seu MG K3 Magnette e o brilhante piloto irlandês H. C. “Hammy” Hamilton com seu MG J4 Midget. Durante a prova, não contente em superar o recorde da pista, Nuvolari o baixou mais seis vezes.

Mesmo assim, o MG Magnette de Nuvolari, por ter maior cilindrada, ainda tinha um handicap a superar em relação ao MG Midget de Hamilton, pois o regulamento favorecia os carros com motor menor. A diferença é que, astuto, Nuvolari mandara instalar um tanque suplementar de combustível em seu MG. A duas voltas do fim, Hamilton tinha alguns segundos de vantagem sobre Nuvolari, mas teve que fazer um reabastecimento. Nuvolari partiu para o “tudo ou nada” na última volta. Era um circuito de rua e Nuvolari fez as curvas invadindo as calçadas, liquidou o “handicap” e venceu a prova com quarenta segundos de vantagem sobre Hamilton!

Mas, a partir de 1934 começou a mudar o panorama das corridas européias. Alfa Romeo, Bugatti e Maserati que até então reinavam absolutas nas corridas de “Grand Prix”, passaram a sofrer oposição dos magníficos bólidos prateados alemães da Mercedes Benz e Auto Union. Enquanto os italianos Alfa, Maserati e o francês Bugatti eram carros construídos à moda antiga, os alemães já tinham carros com suspensão independente, chassis rebaixado, motores mais potentes e carrocerias aerodinâmicas.

Antes mesmo do fim de 1934 as equipes italianas já tinham muito pouco a fazer contra os alemães. Em 1935 a situação que era ruim ficou pior.

Para o Grande Prêmio da Alemanha daquele ano 150.000 espectadores compareceram ao velho circuito de Nurburgring, tido e havido como a pista mais seletiva do mundo. Queriam ver a vitória de um piloto alemão em um carro alemão.

Auto Union e Mercedes Benz estavam com suas equipes completas. A primeira contava como Hans Von Stuck e Bernd Rosemeyer. A segunda contava, dentre seus ases, com Rudolf Caracciola, o maior piloto alemão de todos os tempos antes de Michael Schumacher.

Nuvolari alinhou com seu Alfa Romeo.

A duas voltas do final Manfred Von Brauchitsch, com Mercedes liderava com 35 segundos de vantagem sobre Nuvolari que fazia o impossível para se manter em segundo. Ao entrar na última das longas voltas de Nurburgring, Von Brauchitsch quis parar para trocar um pneu, mas o chefe da Mercedes, o legendário Alfred Neubauer, o proibiu porque isto significaria perder a corrida. Informado pelo box, Nuvolari apertou ainda mais o ritmo e ultrapassou o Mercedes que na tentativa de se manter à frente sacrificou ainda mais o pneu, que estourou antes da chagada. O resultado final: 1º Nuvolari, Alfa Romeo; 2º Von Stuck, Auto Union; 3º Caracciola, Mercedes Benz; 4º Rosemeyer, Auto Union; 5º Von Brauchitsch, Mercedes Benz.

Mas estes resultados não tornariam a se repetir. A Alfa Romeo era a grande paixão de Nuvolari, e ele era também muito patriota. Sempre levava um disco como o hino italiano, para que ele pudesse ser tocado após suas vitórias se a orquestra de plantão não conhecesse a música.

No entanto ele foi obrigado a se render à superioridade dos carros alemães e passou para a Auto Union. O resultado foi sensacional, ele ganhou várias provas, inclusive o GP da Itália de 1938 e muitos entusiastas ingleses guardam até hoje na memória seu “show” no circuito inglês de Donington Park vencendo com o Auto Union. Foi a segunda vez em que os carros alemães foram disputar uma prova na Inglaterra, após várias negociações pois os países já tinham um relacionamento político muito dificil e entrariam em guerra pouco depois. No entanto, os esportistas ingleses ficaram muito impressionados com os carros alemães que dominaram os treinos e a corrida com facilidade. A vitória de Nuvolari com o Auto Union causou tal efeito, que mais de cinquenta anos depois, quando Donington voltou a sediar um grande prêmio de F-1 e o grande Ayrton Senna venceu de maneira espetacular sob a chuva, um jornalista inglês resumiu os fatos escrevendo: “ Donington não via uma corrida assim desde que Nuvolari correu aqui em 1938…”.

O pós-guerra encontrou um Nuvolari com mais de 50 anos de idade, mas com o mesmo entusiasmo e “grinta” de sempre. Em 1947 ele colaborava com uma nova marca italiana, a Cisitalia. Nesse ano ele participou da Mille Miglia com o pequeno Cisitalia de 1100 cc. Os carros Cisitalia, embora novos, disputavam uma categoria inferior e não podiam se equiparar aos carros Alfa Romeo e Maserati de até 3.000cc que disputavam a categoria principal. Mas, para surpresa de todos, com pequeno Cisitalia de 1.100cc Nuvolari deu uma aula de pilotagem mantendo-se na liderança à frente de carros muito mais potentes. Nas etapas finais ele conseguia liderar, mantendo à distância a poderosa Alfa Romeo 2.900 da dupla Romano – Biondetti. No entanto uma chuva torrencial afetou o sistema elétrico do Cisitalia que teve que parar por mais de vinte minutos, cedendo a liderança à Alfa Romeo.  Nuvolari obteve o 2º lugar na classificação absoluta e uma “vitória moral”.

No ano seguinte, 1948, Enzo Ferrari estava construindo os primeiros carros com seu próprio nome. Após várias negociações se conseguiu a cessão de um dos carros Ferrari para Nuvolari. Muitos já o consideravam em fim de carreira.

Nuvolari se inscreveu para a “Mille Miglia”. Sua última “Mille Miglia”. Seus torcedores estavam em delírio. Mas poderia o velho campeão agüentar quase 10 horas ao volante, parando só para reabastecer e trocar pneus?

Não só pôde como liderou quase até o final. No último posto por que passou em Vila Ospizio tinha quase trinta minutos de vantagem sobre o 2º colocado. Todavia, pouco depois, a suspensão do Ferrari se quebrou e Nuvolari se viu constrangido a abandonar a prova.

A partir disso correu pouco. Nuvolari era um fumante inveterado e sua doença respiratória se agravava dia a dia.

Suas aparições eram raras. Em 1948/49 a Jaguar tinha lançado o seu magnífico carro esporte XK 120 e convidou Nuvolari para testá-lo. Em 1950 ele foi recebido pessoalmente pelo Presidente da Jaguar, o lendário Sir Willian Lyons, que providenciou que o carro testado fosse pintado de vermelho, cor italiana nas pistas, em homenagem a Nuvolari.

Naquela época a sua fama era tão grande que ele era praticamente uma “lenda viva”. A própria imprensa inglesa que era muito bairrista só se referia a ele com o máximo respeito, chamando-o de “the great italian ace” ou simplesmente “The Maestro”.

A morte o levou em 1953. Nas ruas de Mântua seu caixão foi carregado em cima de um carro de corridas. O Rei da Itália mandou um telegrama de seu exílio em Portugal.

Em 1954 os organizadores da “Mille Miglia” mudaram o percurso para que ele, em homenagem a Nuvolari, passasse por Mântua. O trecho foi cronometrado em separado e foi chamado “GP Tazio Nuvolari”. Venceu Alberto Ascari que também venceria a corrida.

Hoje a memória do grande piloto continua mais viva do que nunca na Itália. Existem museus, arquivos, estátuas e monumentos dedicados a Nuvolari. E a maior glória que um piloto pode ter é ser comparado a Nuvolari, como foi o caso, entre outros, do arrojado Gilles Villeneuve.

Em 1989 um repórter da revista inglesa “Thoroughbred and Classic car” voltou a Mântua para pesquisar a vida pessoal de Nuvolari. Encontrou na lista telefônica o nome e telefone do grande piloto que é mantido como homenagem da cidade.

Nuvolari era casado e teve dois filhos que faleceram ainda muito jovens.

Querendo testar a popularidade do campeão nos dias de hoje o repórter perguntou ingenuamente a um menino na rua: “Existe um tal Nuvolari de que todos falam, quem foi ele exatamente?” O menino respondeu sem perder tempo: “ele foi nada mais que o maior piloto que o mundo já viu. Ele foi o campeão dos campeões…!”

Nuvolari venceu mais de 60 Grandes Prêmios dos quais cerca de um terço eram provas de primeiro nível.

Seria mesmo difícil tentar comparar Nuvolari aos pilotos de hoje, porque na sua época o campeonato de F-1 nem existia. Seria grotesco reduzir aos números frios de uma estatística a carreira de emoções que teve Nuvolari. Mesmo porque é impossível chegar-se a uma conclusão definitiva sobre este ou aquele piloto.

Em todo o caso, parece que de uma coisa todos estão bem certos: ninguém dirigiu como ele!

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