O Verão Perigoso – A História de Ignazio Giunti
• Por Alfa RomeoAlberto Maurício Caló nós conta um pouco sobre Ignazio Giunti, mais um piloto italiano que marcaram os anos áureos do automobilismo.
Ernest Hemingway em seu último livro narrou uma dramática temporada de touradas no tórrido verão espanhol de 1959 em que os toureiros Dominguin e Ordoñez disputavam a glória nas arenas de touros. Hemingway adequadamente dá ao texto o título de “O verão perigoso…- The Dangerous Summer”.
Na Europa, entre o final dos anos 60 e início dos 70, havia um outro esporte de corridas que matava impiedosamente seus maiores campeões.
Mas não eram corridas de touros, eram corridas de automóveis.
Nos hemisférios norte e sul, o verão era a temporada de corridas.
Os carros de motor traseiro (central) tinha ficado muito pequenos, muito leves, muito potentes, muito frágeis e muito inflamáveis.
Entre 67 e 71 uma inacreditável serie de tragédias levou vários pilotos de F-1, entre os quais Bandini, Scarfiotti, Schlesser, Clark, Spence, Bianchi, Mitter, Courage, Rindt, Rodriguez e Siffert, só para citar os principais.
Também havia um jovem nobre italiano muito ligado a Alfa Romeo que havia feito uma carreira meteórica originada ao volante das Alfas GTA nos campeonatos de montanha.
Uma ascensão incontestável que o levaria ao cabo de dois anos aos protótipos e à F-1 e que dava à Itália a esperança de ver o legítimo sucessor de Bandini, Musso, Castellotti, Ascari…
Até que chegou o momento da volta da Argentina aos Campeonato Mundial de Marcas (esporte/protótipos) da Federação Internacional do Automobilismo – FIA.
Janeiro de 1971 – Um tórrido verão em Buenos Aires com a nata do automobilismo mundial.
Um verão perigoso…
Ignazio Giunti nascido em Roma em 30/8/41, era o último de quatro filhos do Barão Pietro Giunti e da Baronesa Maria Gabriella Giunti.
Quando jovem, seu passatempo favorito era roubar a Alfa 1.900 ou o Studebaker do chofer da família para alguns passeios velozes. Depois suas aventuras se transferiram para uma moto Gilera e veio uma Giulietta Ti azul com a qual passou a chamar atenção nas subidas de montanha e no circuito romano de Vallelunga (o autódromo nas cercanias de Roma).
As provas de montanha eram curtas, normalmente cerca de 10 a no máximo 20 kms e revelavam bons talentos de forma econômica. Os pilotos não precisavam montar equipes e enfrentar gastos com as provas em circuito muito mais longas e desgastantes em termos de carros/equipamentos/pneus etc. Sem falar que nos anos sessenta os pilotos de carros de turismo levavam os carros rodando para essas provas.
Recrutado por Giuseppe Luraghi, Presidente da Alfa Romeo, Giunti foi apresentado à Autodelta.
A grande missão de Giunti não eram as provas de autódromo e sim vencer o prestigioso Campeonato Europeu de montanha na categoria turismo.
Esse campeonato de montranha era levado muito a sério nos anos sessenta.
Os italianos adoravam a modalidade e tinham seu campeonato local. Entravam concorrentes com pequenas Fiats 500 e um número da porta e entravam equipes oficiais com protótipos especialmente construídos para esse fim. E essas equipes se chamavam Alfa Romeo, Porsche, Ferrari, Abarth, BMW, etc.
Para apimentar o evento normalmente essas disputas admitiam carros de fórmula (formula 3, 2 ou fórmulas força livre) para participar “hors-concours”.
Grã-Bretanha, França, Itália, Bélgica, Alemanha, etc. tinham populares e animados campeonatos nacionais de subida de montanha.
Os pilotos de protótipos no prestigiado Campeonato Europeu de Montanha eram pilotos do mundial de marcas e às vezes pilotos de F-1.
Em 67 Giunti arrasou e ganhou o campeonato europeu na categoria turismo em uma GTA da Autodelta.
No Europeu de montanha de 1967, seguidas vezes os tempos de Giunti na categoria Turismo bateram os tempos na categoria Grã-Turismo, normalmente disputadas por Porsches 911 S e Ferraris 275 GTB com cilindradas bem superiores à GTA de Giunti.
Venceu seis de oito etapas arrebatando o Grupo 2 (carros de turismo), batendo constantemente os tempos da categoria superior (Grã Turismo – grupo 3).
Após um segundo lugar em Montseny (Espanha) em um terceiro em Rossfeld (Alemanha), ele passa a dominar com autoridade a categoria.
Em Mont Ventoux (França) vence a categoria e bate o melhor tempo da Grã Turismo de um Porsche 911 S e ainda teria o quinto tempo na Categoria Sport (Grupo 4) depois de três protótipos Porsche Carrera 6 e uma Ferrari GTO.
Na Trento-Bondone (Itália) acontece o mesmo. Ele baixa impiedosamente o tempo da Grã-Turismo (Porsche 911 S de Anton Fischhaber que seria o campeão do grupo 3) e chega perto do sétimo tempo da Categoria Sport (cujos 6 primeiros tinham sido protótipos Porsche Carrera 6).
O mesmo acontece na Cesana-Sestriére (Italia) e na Freiburg-Schauinsland (Alemanha) sendo que nesta última teria tempo para ser o quinto na Categoria Sport.
Vence a prestigiosa subida de montanha de Ollon-Villars (Suíça) na categoria e bate novamente o tempo dos grã-turismo repetindo o feito na subida de Gaisberg (Austria), última etapa do campeonato.
Foi o suficiente para que em 1968 Giunti fosse “promovido” para pilotar também os protótipos P33/2 e em 1969 os P-33/3.
As duas temporadas foram irregulares para a Alfa que iniciou com a P 33/2 (dois litros) e ao longo de 1969 aumentou a cilindrada de seus V-8 para 2,5 e depois para 3 litros.
Em 68 Giunti fez dupla, na maioria das vezes, com outro jovem promissor italiano, Giovanni (“Nanni”) Galli.
Na primeira prova oficial do campeonato mundial a Alfa levou força total com 4 carros para as 24hs de Daytona e saiu de lá com o 5º, 6º e 7º lugares, sendo que Giunti /Galli não puderam se apresentar devido a um acidente nos treinos.
Giunti não foi chamado para a prova de Brands Hatch e a Alfa se ausentou dos 1000Kms de Monza sendo representada pela equipe particular belga VDS do Conde Van der Straten.
Na Targa Florio, com a ausência dos Ferrari “oficiais”, as esperanças italianas ficaram com os 6 protótipos Alfa.
Quatro inscritos pela Autodelta, sendo um deles com o novo motor de 2,5 L para o “herói local” o piloto siciliano Nino Vaccarella e o alemão Udo Schutz, como a dupla “de ponta” da Alfa.
Dois protótipos 33/2 foram inscritos pela equipe VDS.
Mas a Porsche se apresentou com uma esquadra imponente capitaneada pelos 907, 2,2 litros de Elford/Maglioli, Siffert /Stommelen e Scarfiotti/Mitter e vários 910 de 2 litros oficiais e particulares.
No começo da prova com largada individual contra o cronometro, as Porsches 907 saem na frente, mas Siffert abandona e Elford se atrasa com um pneu furado.
A Alfa de Vaccarella fica em segundo atrás da Porsche de Scarfiotti/Mitter com Giunti/Galli em terceiro (Giunti pilotando).
Os Porsches voltam à frente com Mitter.
Schutz tem um acidente com a Alfa 2,5 e, em seguida, com o abandono de Mitter e do Porsche 910 de Rudi lins (Lins/Steinemann) é a Alfa de Galli quem toma a ponta.
Menos rápido que Giunti, Galli cede a ponta para o outro Alfa33/2 de Bianchi/Casoni (Mário Casoni ao volante).
Mas ambos são literalmente “atropelados” pelo 907 do ingles Vic Elford, particularmente inspirado naquele dia e bem secundado por seu colega italiano, o experiente e veterano Umberto Maglioli (vencedor da Targa em 53 e 56).
Giunti retoma o volante e, graças a seu talento, recupera o segundo posto e ali termina com a Alfa melhor colocada.
Nos 1000kms de Nurburgring as esperanças de vitória absoluta eram muito menores.
A Porsche em peso com os 907 2,2 litros e os novos 908/1 de 3 litros, vários Ford GT 40 e o novo Ford P68 – Cosworth eram os favoritos.
A Autodelta inscrita para efeitos de marketing local como “Alfa Deutschland” leva duas P33- 2.5 L.
Mas quem brilha é a 33/2 de Giunti / Galli que logo se mostra a mais rápida e chega mesmo a aparecer no 4 lugar absoluto, terminando em um ótimo 5º lugar absoluto e primeiro protótipo até 2 litros, derrotando nessa categoria os vários Porsches 910 presentes.
A próxima prova (sempre lembrando que a Alfa não participou de todas as etapas) seria a lendária “24hs de Le Mans”.
Outra magnifíca atuação de Giunti com Galli. Nessa memorável apresentação Giunti e Galli vão permanecer muito tempo em 2º lugar na geral disputando acirradamente a posição com a Matra de Pescarolo/Servoz Gavin. A pequena Alfa e a Matra só estavam atrás do futuro vencedor o intocável Ford GT 40 – 5 litros de Bianchi/Rodriguez.
Uma demorada parada de box de mais de 20 minutos na fase final da prova “rebaixa” a Alfa do 2º para um ainda excelente 4º na geral, 2º no índice de performance e 1º lugar entre os protótipos até 2 litros.
Para terminar o ano, uma série de provas extra-campeonato.
Giunti se mostra mais uma vez invencível na “sua” pista romana de Vallelunga vencendo o GP Republica, disputado em duas baterias com uma oposição menos relevante, mas mesmo assim derrotando Peter Schetty (Abarth 2.000 oficial) e Rico Steinemann (Porsche 910).
Em seguida ele obtém um segundo lugar na subida de montanha Coppa Silla perdendo para Schetty com Abarth mas na frente de Arturo Merzario (ambos com protótipos Abarth 2.000 da equipe oficial de fábrica).
Em Mugello, novamente em dupla com um Galli, eles chegam a estar em segundo atrás apenas da Porsche de Siffert, mas acabam abandonando.
A Alfa vence com Bianchi / Vaccarella ajudados por Galli no ultimo turno de pilotagem.
Como se vê Giunti esteve sempre consistente e rápido, usualmente na Alfa melhor colocada em quase todos os eventos que participou.
Em 69, com as novas 33/2.5 litros, 33/3 litros a Alfa tem uma temporada para ser esquecida. Não comparecendo em Daytona, vão colher três abandonos com os três protótipos 33/3 inscritos em Sebring. O primeiro a abandonar é Galli, o parceiro de Giunti.
Os testes de Le Mans em abril são marcados pela tragédia com a perda de Lucien Bianchi (vencedor da prova em 68) com a única 33/3 inscrita pela Autodelta.
Desnorteada, a Autodelta não aparece em Brands Hatch nem em Monza, deixando as equipes particulares representarem a marca.
Na Targa Florio as esperanças renascem, com uma 33-2.5 litros para Andrea de Adamich/ Nino Vaccarella e uma “antiga” 2 litros para Giunti / Galli. Mas lá estavam vinte e cinco Porsches dos quais seis 908 oficiais de 3 litros.
Giunti como sempre se destaca ficando em 6º nos estágios iniciais atrás de quatro Porsches e da potente Lola- Chevrolet T70 5 litros de Bonnier/Muller. Mas Giunti e Galli acabam abandonando a prova após um incidente com a Porsche de Elford.
Sem aparecer nos 1000kms de Spa onde a equipe belga VDS obtém um bom 6º lugar na geral, a Autodelta vai reaparecer nos 1.000 Kms de Nurburgring com as “antigas” 33/2litros.
Giunti/Galli fazem o melhor tempo das Alfas na frente da P33- 2.5 litros da equipe VDS, mas na prova logo abandonam com problemas no motor.
Nas 24hs de Le Mans a VDS representa a Alfa sem sucesso e finalmente, nos 1.000kms da Austria, a Autodelta alinha novamente três P 33/3.
Melhor tempo das Alfas e um surpreendente 5º posto no grid de largada, Giunti /Galli se colocam até mesmo na frente de um dos novos Porsches 917 oficiais.
Guiando agressivamente a dupla italiana é de longe a melhor Alfa presente até que um superaquecimento de motor os coloca fora da prova.
Embora não tenha sido um período muito feliz para a Alfa, Giunti vai fechando o ano com “chave de ouro” vencendo, contra todas as expectativas, a famosa Ronde Cevennole (França) com P-33/2.
Em toda sua história, de 1959 a 1979, foi o único piloto estrangeiro (não francês) a vencer esse famoso Rally de Velocidade francês.
Sua vitória honrou a tradição da Alfa que ali tinha obtido vários sucessos com o francês Jean Rolland (vide artigo – O Fiel Francês e a Alfa Romeo).
No final do ano Giunti obtém ainda um 6º lugar em uma prova extra campeonato em Hockenheim/Alemanha após vários problemas.
Um abandono em Mugello ( Itália) em dupla com Galli que acidentou o carro e, por fim, um ótimo 2º lugar na prova extra campeonato de Imola com a 33/3 atrás apenas do Mirage Ford Cosworth de Jacky Ickx, finalizam a aparição de Giunti na Autodelta.
O bom desempenho com os protótipos Alfa e a busca por um novo grande nome italiano, levaram a Ferrari a convidar Giunti para a temporada de 1970 com um irrecusável “pacote” para todas as provas do mundial de marcas e algumas extra-campeonato e ainda a promessa de um terceiro carro de F-1 em algumas etapas européias do mundial.
Com uma providencial injeção de capital da FIAT em 1969, não só a Ferrari ia estrear o 512 S na categoria de 5 litros no Mundial de Marcas como também ia estrear seu motor boxer de 12 cilindros na F-1.
Havia real expectativa de que a Ferrari pudesse ser uma forte protagonista efetiva ou até mesmo ganhar os campeonatos, coisa que se confirmou na F-1 com Jacky Ickx (vice campeão) mas não se confirmou nos protótipos.
Nos protótipos a Ferrari tinha grandes expectativas com os 512 S nascido para combater os Porsches 917. Esses protótipos com motores de 5 litros tinham relação peso-potência próxima à de um F-1 e devido à sua carenagem podiam igualar ou bater o tempo de um F-1 em circuitos muito rápidos.
Portanto, a Ferrari precisava de nomes de primeiríssima linha para pilotá-los.
Nos protótipos as duplas de 1970 da Ferrari contemplavam:
• Jacky Ickx o jovem belga, primeiro piloto na equipe de F-1 na temporada de 1970, vencedor das 24hs de Le Mans em 1969;
• John Surtees, o ex-lider da Scuderia na F-1 de 63 a 66 e, então, o último campeão mundial de F-1 pela Ferrari em 64;
• Chris Amon, o talentoso (mas azarado) ex-lider da Scuderia na F-1 de 67 a 69, vencedor das 24 hs de Le Mans em 1966;
• Nino Vaccarella, o professor siciliano que dominava a Targa Florio como ninguém e era um competente piloto de endurance, vencedor das 24 hs de Le Mans em 1964
• Mário Andretti, italiano naturalizado norte-americano, que era o grande talento do automobilismo americano, vencedor das 500 milhas de Indianapolis em 1969;
• Peter Schetty, o suíço que vinha de ser campeão europeu invicto de subida de montanha em 1969, com o protótipo Ferrari 212 E- Montagna Sport.
Somando forças nessa constelação, as jovens esperanças do automobilismo italiano eram Giunti e Merzario.
Ocasionalmente a Scuderia juntaria outros nomes entre os quais o suíço Gianclaudio “Clay” Regazzoni, segundo piloto na equipe de F-1 em 1970; Derek Bell que também pilotou para a Ferrari na F-2 e se firmou como um dos grandes pilotos de endurance a partir de então e o espetacular piloto sueco Ronnie Peterson, que seria uma das grandes estrelas da F-1 nos anos 70.
Para fazer um resumo, a atuação de Giunti foi um grande sucesso dentro da temporada decepcionante das 512S.
Giunti estava nos carros vencedores e muitas vezes no Ferrari melhor colocado, o que mostrou que era rápido e consistente.
Giunti foi normalmente emparelhado com Vaccarella formando uma dupla 100% italiana em uma tradicional mistura de juventude e experiência.
Certo é que a primeira corrida da dupla, as 24hs de Daytona, terminou em acidente após apenas 89 voltas (suspensão quebrada ou pneu estourado – ou um em consequência do outro).
A corrida seguinte marcou a primeira e única vitória das 512 S em provas oficiais do Campeonato, mas não sem drama.
Aquelas foram as famosas 12 hs que viram todos os favoritos de Porsche 917 quebrarem e quase todas as Ferraris 512 também.
Perto do final , para a surpresa geral, estava um protótipo 3 litros que todos estavam acompanhando por motivos midiáticos. Era o Porsche 908/2 da dupla Steve Mcqueen/Peter Revson.
Sim, o maior astro de hollywood, em dupla com um talentoso piloto americano que por sua vez vinha a ser um dos herdeiros da marca de cosméticos Revlon.
Mcqueen que era um piloto amador há tempos e um fanático por carros, estava pronto para rodar um filme sobre as 24 hs de Le Mans fazendo cenas com ele mesmo pilotando.
Para tanto sua produtora, a Solar Productions comprou um Porsche 908/2 com o qual Mcqueen fez duas provas menores de campeonato americano com sucesso.
Para sua primeira prova internacional Mcqueen convidou Peter Revson.
Peter Revson era um dos grandes talentos do automobilismo americano e sua capacidade foi mundialmente reconhecida quando pouco depois se juntou a equipe Mclaren na F-1 obtendo vitórias e boas colocações principalmente na temporada de 1973. Infelizmente um acidente levou o campeão americano poucos anos depois.
Em Sebring, Mcqueen estava com um pé machucado devido a um acidente de moto e não pode guiar muito naquele fim de semana. Revson colocou o carro bem no grid e fez a “parte do leão” na pilotagem, sendo rápido e regular o tempo todo com o 908 spider que não teve maiores problemas.
No final de dez das doze horas, a Ferrari 512 S de Andretti / Merzario que liderava com folga, parou, dando a liderança ao Porsche 917 de Rodriguez, que também parou logo em seguida, deixando, para surpresa geral, o Porsche 908 de Revson/Mcqueen aparecer na liderança, com cerca de uma volta de vantagem sobre a 512 S de Vaccarella/Giunti, que por sua vez só tinha por perto a Alfa 33/3 de Gregory /Hezemans.
O chefe da Ferrari, Engenheiro Mauro Forghieri, percebendo um Vaccarella cansado e a chance de alcançarem o 908, fez então algo que era comum na época e não representava uma grande ofensa: colocou Andretti no carro para o turno final.
A Ferrari podia virar cerca de 6 a 7 segundos por volta mais rápido que a Porsche se ambas estivessem sendo tocadas “no limite”.
Andretti, particularmente inspirado, alcançou a Porsche e pôs a Ferrari na liderança, mas pouco minutos antes do final teve que parar para um reabastecimento “expresso”. Ao sair do box, a Porsche acabara de passar. Andretti foi buscar novamente a Porsche de Revson, e a ultrapassou faltando apenas duas voltas do final, para ganhar com cerca de 20 segundos de vantagem, após 12 horas de prova.
Bem Giunti, Vaccarella e Andretti venceram e a imprensa americana delirou com o inesperado duelo com a Porsche do astro de Hollywood.
A prova seguinte em Brands Hatch/Inglaterra viu mais um fracasso da Ferrari. Giunti não estava inscrito em nenhum dos dois Ferraris presentes. Naquele dia chuvoso o mundo viu Pedro Rodriguez dar um show na chuva com sua Porsche 917 em atuação inesquecível.
Na prova em casa, os 1000km de Monza, Giunti fazia dupla com Vaccarella e poderiam ter vencido. Mais uma vez pilotaram com rapidez e regularidade. Uma trapalhada nos boxes prejudicou toda a estratégia da Ferrari. A exemplo do que havia ocorrido em Sebring, no ultimo turno Forghieri colocou Chris Amon no carro, mas, mesmo assim, a Ferrari teve que se contentar com um segundo lugar.
Uma vez mais, Giunti estava no Ferrari mais bem colocado.
Na prova seguinte, a Targa Florio, a Ferrari sabia que a 512 S era totalmente inadequado para o lendário e tortuoso circuito de estrada. Mesmo assim Vaccarella (o herói local siciliano) e Giunti saíram de lá com um honroso 3º lugar, atrás de dois ágeis Porsches 908/3 feitos “sob medida” para a prova siciliana.
Os 1.000 Kms de Spa-Francorchamps na Bélgica viram a mais bonita batalha direta entre os 917 e os 512.
A equipe vedete da Ferrari era Jacky Ickx (o primeiro piloto da F-1 naquele ano) e John Surtees (o ex campeão de 64 pela Ferrari). Surtees tinha saído brigado da Ferrari em 66, mas era um ídolo na Itália chamado de “Il grande John Surtees”. Em 1970, quando Surtees já tinha sua própria equipe de F1, foi chamado de volta para algumas provas de protótipos causando “frisson” na torcida italiana.
No início os Porsches Gulf com Rodriguez e Siffert lutaram entre si e com a Ferrari com Ickx.
Se iniciou uma batalha feroz e fora de controle.
Siffert e Rodriguez colegas de equipe se engalfinharam em uma disputa fratricida e o belga Jacky Ickx, o herói local belga, se intercalou entre eles disputando os 1000kms como se fosse uma prova de dez voltas.
Esse duelo inicial em SPA foi a mais bela disputa da fase áurea das provas de protótipos (1970-1971).
O mundo nunca mais verá provas de protótipos como aquelas. Primeiro pela qualidade dos oponentes Porsche x Ferrari o chamado “Duelo de Titãs”, segundo porque os pilotos desses carros eram em sua maioria pilotos de F-1 e terceiro porque esses carros tinham uma relação peso/potência próxima de um F-1 e eram mais carenados o que fazia com que em pistas muito rápidas eles conseguissem igualar ou baixar os tempos da F-1.
Bem diante dessa suntuosa batalha campal restou a Giunti / Vaccarella um honroso 4º lugar atrás da Porsche Gulf de Siffert/Redman, da Ferrari de Ickx/Surtees e da Porsche Salzburg de Elford /Ahrens.
Em Nurburgring, Giunti, desta vez em dupla com Merzario, não foi além da segunda volta.
Le Mans foi mais uma prova a ser esquecida pela Ferrari. O carro de Giunti / Vaccarella foi escolhido para ser o “coelho” e puxar o ritmo inicial dando combate aos Porsches 917 de cauda longa, favoritos da prova. O resultado é que o motor aguentou apenas 7 voltas.
Em Watkins Glen, Giunti, desta vez emparelhado com Andretti (o herói local), se destacaram como dupla da Ferrari mais rápida. Mas, após vários problemas, tiveram que se contentar com um 3º lugar atrás dos dois Porsches da equipe Gulf.
Já em Zetweg, nos 1000kms da Austria, Ickx/Giunti estreavam o novo 512 M e lideraram com folga desde o inicio da prova, não tomando conhecimento dos Porsches 917. Uma banal pane de alternador os tirou de uma vitória bem encaminhada após pouco mais de 53 voltas.
Mas a temporada se resolveu bem. Embora fosse uma prova extra-campeonato, as 9hs de Kyalami (Africa do Sul) eram um evento importante atraindo parte das principais equipes.
Giunti e Ickx impuseram sua Ferrari 512 M vencendo com autoridade sobre os 917 presentes inclusive o Porsche de Siffert/Ahrens inscrito pela Martini Racing.
Nos protótipos Giunti tinha sido brilhante. Nas poucas vitórias da Ferrari, Giunti estava no carro vencedor. Na maioria das outras ocasiões, quando não quebrou, estava no Ferrari mais bem colocado.
Na F-1 Giunti, teve um terceiro Ferrari inscrito por quatro vezes.
Terminou sua primeira prova com um magnifico 4º lugar no GP da Bélgica em Spa, embora suas atuações posteriores (França, Austria e Itália) não tenham sido tão destacadas. Na Austria um 7º lugar foi razoável e a Scuderia fez a dobradinha com Ickx e Regazzoni.
Nada mau para um piloto que pouco mais de dois anos antes era apenas um especialista em provas de montanha com sua valente Alfinha GTA 1.600.
No GP da Itália, Giunti largou em quinto (Ickx na pole e Regazzoni em terceiro) o que mostra que estava se aclimatando na F-1. Regazzoni venceria e Giunti se retiraria com problemas na injeção de combustível.
A prova foi porem marcada pela tragédia da morte de Jochen Rindt nos treinos a partir de uma incrível obra do destino que surgiu com um acidente entre Giunti e Fittipaldi por culpa (plenamente assumida) do brasileiro.
Como dito, Giunti e Merzario eram as grandes esperanças italianas, mas na F-1 quem mais se destacou dos novos recrutas foi o suíço Clay Regazzoni com uma marcante vitória no GP da Itália.
Para 71 a Ferrari manteve Ickx e Regazzoni contratados para a toda a temporada de F-1 com Giunti para um eventual terceiro carro em algumas etapas européias (na época não havia limite de carros por equipe).
Giunti estava evidentemente prestigiado e não só tinha contrato para toda temporada de protótipos como também foi convocado para desenvolver o novo protótipo Ferrari.
A FIA estava assustada com a velocidade dos protótipos de 5 litros. Os Porsches de cauda longa estavam chegando no final da longa reta de Le Mans a quase de 400 Kms/h. Vou repetir, a quase 400 Kms/h.
Então, no final de 1970, se anunciou a proibição dos protótipos de 5 litros para 1972, ficando a cilindrada limitada a 3 litros (a mesma da F-1) o que fez com que a Ferrari mudasse sua estratégia para 1971.
O modelo 512, 5 litros, ganhou uma atualização, a 512 M no final de 70 e a Ferrari parou de usar o modelo na Scuderia, deixando para seus clientes a opção de dar um “upgrade” nos 512 S de 1970 com as inovações da 512 M para 1971.
A Scuderia, com vistas ao compeonato de 72, investiu em um novo protótipo de 3 litros que herdava sua motorização e características diretamente do Ferrari F-1 (com o mesmo motor 12 cilindros boxer projetado por Mauro Forghieri que tinha tido uma boa temporada em 1970).
O novo protótipo era praticamente um Formula 1 biposto e carenado. O próprio Comendador Ferrari jocosamente sugeriu que era um “F-1 tamanho família”.
Bem nascido, leve, pequeno, potente e com uma carenagem ao mesmo tempo “minimalista” e atrativa o novo 312 PB (PB para “protótipo boxer”) estava destinado ao sucesso e com seu motor 3 litros originário da F-1 poderia dar muito trabalho aos protótipos de 5 litros nas pistas mais “travadas”.
Testes bem sucedidos e malas prontas, a Ferrari despachou sua mais jovem dupla italiana – Giunti e Merzario – para os 1000Kms de Buenos Aires em janeiro de 1971.
Os argentinos sob a orientação de seu lendário pentacampeão de F-1, Juan Manuel Fangio, queriam voltar ao mapa do automobilismo mundial e tornar a receber as provas da FIA de Protótipos e F-1 validas pelo campeonato mundial.
Para tanto, em meados dos anos 60, reformaram seu autódromo e cuidadosamente fizeram eventos para teste.
Torneios internacionais de F-3, depois de F-2 e depois uma prova extra-oficial de protótipos em 1970. A primeira prova oficial pelo Campeonato Mundial de Marcas seria em janeiro de 1971.
Fangio fez uso de seu grande prestígio internacional não só para assegurar a presença de todas as grandes equipes, como também para obtenção dos patrocínios locais (principalmente da estatal argentina de petróleo YPF) e ajudou o Automóvel Club Argentino com vistas à uma perfeita organização.
Prova de campeonato, a Porsche foi representada por suas duas equipes”oficiais”, a Gulf (campeã de 70) e a Martini, além de várias equipes particulares com seus 917 e 908 (Escuderia Nacional, Zitro, Auto Usdau, etc). A Ferrari, inscrita oficialmente com 312 PB, incentivou todas as suas equipes-clientes. Lá estavam a espanhola Escuderia Montjuic, a americana NART – North American Racing Team, a suíça Fillipinetti e a belga Ecurie Francorchamps.
Da França uma veloz Matra-Simca oficial para Betoise/Jabouille, carregando o mesmo V-12 -3 litros Matra da F-1, tido e havido como o motor com o rugido mais impressionante daqueles tempos. A Matra tinha vencido no ano anterior quando os 1.000kms de Buenos Aires ainda eram uma prova extra-oficial e chegou aos “pampas” muito prestigiada.
A Alfa Romeo compareceu em peso inscrevendo três novos protótipos T33/3.
Várias equipes independentes europeias vieram com Lolas T-210 e Chevrons para a categoria de protótipos até 2 litros.
Da Argentina muito se esperava do protótipo Berta com motor Cosworth, obra prima de Oreste Berta, o “mago de Alta Gracia”. Para pilotá-lo, o maior ídolo local, Luiz di Palma e o jovem Carlos Marincovich.
O protótipo Berta LR tinha causado uma ótima (embora fugaz) impressão na prova extra-oficial de 1970.
A torcida argentina foi ao delírio, ainda mais porque vários pilotos argentinos estavam alocados para compor a dupla com equipes estrangeiras.
Carlos Reutemann estava alocado no Porsche 917 da Escuderia Nacional, Nestor Garcia da Veiga na 512 S do NART, Carlos Pairetti na Ferrari 512 S da Escuderia Montjuic e Angel Monguzzi no Porsche 917 da Auto Usdau.
Del Rio, Cupeiro, Ruesch, Copello, Pino, Ternengo e Estefano entre outros pilotos locais estavam compondo duplas em diversas equipes estrangeiras em Porsches 908 e Lolas.
O protótipo Berta foi retirado após os treinos para decepção da torcida argentina e Luis Di Palma realocado na Ferrari 512S do NART para compor um turno de pilotagem com Sam Posey e Nestor Garcia da Veiga.
Do Brasil, nossa grande esperança, Emerson Fittipaldi, estava em um dos novos Alfa Romeo T33/3 em dupla com Toine Hezemans.
Emerson era o “astro especialmente convidado” da Autodelta, mas um acidente no treino causou a retirada do carro e Emerson foi realocado no Porsche 917 da espanhola Escuderia Nacional ocupar o lugar de Alex Soler Roig e fazer dupla com o ídolo argentino Carlos Reutemann.
Mas a “tropa de choque” favorita à vitória, eram os 917 das equipes Gulf e Martini.
Se esperava apenas uma eventual oposição vinda do novo Ferrari 312 PB com Giunti/Merzario e do Ferrari 512 M da Fillipinetti com sua dupla de ponta Parkes/Bonnier.
O clima era de emoção, tanto que vários compatriotas se deslocaram a Buenos Aires para assistir. Era a mais importante corrida da América Latina desde os GPs de F-1 de 1960 na mesma Buenos Aires.
O circuito de Buenos Aires era muito rápido o que não favorecia o 312 PB de 3 litros contra os Porsches 917 e as Ferrari 512 de 5 Litros, mas Giunti surpreendeu e colocou o Ferrari na primeira fila entre os Porsches 917 / Gulf de Rodriguez em primeiro e Siffert em terceiro, deixando o 917 da Martini em quarto com Elford.
Isso mostrou ao mundo, em definitivo, que Giunti tinha ascendido à categoria dos pilotos de F-1. Que era rápido e talentoso para se colocar entre dois pilotos de f-1 com carros mais potentes.
Dada a largada, Giunti salta na frente, colocando o pequeno Ferrari na liderança.
Rodriguez e Siffert (Gulf) e Vic Elford (Martini) com seus 917 vão buscar o Ferrari.
Não era fácil. Os pilotos de ponta da Gulf- Porsche, Rodriguez e Siffert eram extremamente competitivos e depois da morte de Siffert em 1971, durante muito tempo a F-1 distribuia o premio “rouge et blanc” (cores da suíça de Jo Siffert) ao piloto mais combativo da prova.
Vic Elford, o inglês da Martini, “Vic the quick”, originariamente um piloto de rallies, era um dos mais rápidos e ecléticos pilotos daqueles tempos e a equipe Martini acertou em cheio escolhendo os pneus Firestone “Indy” para prova o que fez com que Vic Elford marcasse depois a melhor volta, baixando, inclusive, o tempo da pole de Rodriguez.
O primeiro pelotão se definiu assim e Giunti em quarto lugar após algumas voltas, se manteve próximo das Porsches sabendo que teria paradas menos frequentes do que os protótipos de 5 litros e isso o faria virtual vencedor na categoria 3 litros com aspirações de pódium ou até mesmo de uma vitória na classificação geral.
No segundo pelotão, mais distante, vinham a Ferrari 512 M de Parkes, a Matra-Simca de Beltoise, os novos Alfas com Pescarolo e Stommelen e a Porsche 917 “espanhola” com Emerson Fittipaldi.
Giunti ficou por perto e assim que os Porsches de 5 litros pararam para reabastecer ele se reinstalou confortavelmente na liderança mostrando que com paradas menos frequentes e mantendo o ritmo dos Porsches, sua Ferrari era uma séria candidata à vitória.
Aí veio o imponderável.
Mal orientado por seu box o ás francês da F-1, Jean Pierre Beltoise, viu a gasolina de seu belo protótipo Matra Simca (V-12- 3 litros) acabar bem próximo ao box.
O francês também ele um combativo piloto, ex-campeão de motociclismo, resolveu saltar e empurrar seu carro até o box, cruzando a pista da esquerda para direita.
Ele não podia ter auxilio externo sob pena de desclassificação.
Giunti, na liderança, vinha tentando colocar mais uma volta na Ferrari de Michael Parkes que já fizera sua primeira parada e saira do box bem à frente de Giunti.
Mas o Ferrari 512M de Parkes era muito maior e encobria em parte a visão de Giunti no pequeno Ferrari 312 PB.
Giunti já tinha visto o Matra sendo empurrado duas voltas antes, mas o fato é que o carro se deslocava à medida que Beltoise o empurrava de um lado a outro.
Entrando na reta, na 38ª volta, na altura do box, Parkes, surpreso ao se defrontar com Beltoise no meio da pista tirou a Ferrari 512 pela esquerda do Matra Simca.
Giunti que vinha quase no vácuo da 512 e talvez interpretando que Parkes estaria lhe dando passagem, defletiu imediatamente para a direita e atingiu em cheio a traseira esquerda do protótipo francês.
A Ferrari se envolveu em chamas e Giunti teve traumas e queimaduras gravíssimas e já não havia salvação quando foi retirado dos escombros (embora oficialmente tenha sido declarada “morte na ambulância” e depois “morte no hospital”).
A prova prosseguiu embora o acidente tenha sido em plena reta dos boxes na frente do público, das equipes e amplamente filmado para a TV.
A consternação e desespero nos boxes da Ferrari e da Alfa Romeo (a lembrar que Giunti era uma “cria” da Alfa) se transformou em revolta e ameaça de agressão ao box francês da Matra Simca que foi rapidamente fechado.
Beltoise foi suspenso por alguns meses pela FIA.
A Porsche venceu com a equipe Gulf (Siffert/Bell em 1º e Rodriguez/Oliver em 2º).
E a lembrança do jovem italiano liderando com sua Ferrari nunca mais saiu da memória dos que estiveram em Buenos Aires naquele verão de 1971…