Hermano da Silva Ramos
• Por Alfa Romeo Clube do BrasilUm pioneiro brasileiro em Paris
HERMANO DA SILVA RAMOS
Um pioneiro brasileiro em Paris
Por Alberto Maurício Caló
O RIO DE JANEIRO, UM MG E O COMEÇO DE UMA PAIXÃO PELA VELOCIDADE
Hermano João Da Silva Ramos ou simplesmente “Nano” nasceu em Paris, filho de pai brasileiro e mãe francesa em 7/12/25 e tinha dupla nacionalidade..
Depois da primeira infância na região do país basco francês, próximo a Biarritz, Nano é educado no tradicional Lycée Janson de Sailly em Paris. Nano começou sua juventude na França ocupada e se alistou no exército francês. Em 1945, dispensado do Exército, sofreu a perda inesperada de seu pai e se mudou para o Brasil, terra de sua mãe.
Nano foi residir no Rio de Janeiro a capital do Brasil, ainda no final da era dourada dos cassinos com seus shows de estrelas internacionais. Uma cidade cosmopolita, dinâmica com uma elite refinada, o corpo diplomático, enfim, com todos os atributos da chamada “Cidade Maravilhosa”.
Foto: O tradicional Lycée Janson de Sailly em Paris foi onde Nano estudou em Paris (foto Wikipedia).
Nano logo se enturmou com os rapazes de sua idade não só porque falava português fluentemente, mas porque também seus novos amigos falavam francês como era hábito entre a elite brasileira da época.
Um de seus amigos era Carlos de Oliveira Rocha Guinle, dito “Carlinhos” Guinle da lendária família empresarial brasileira de origens também francesas.
Carlinhos era filho de Carlos Guinle - Presidente do Automóvel Club do Brasil e filho de Eduardo Guinle.
Eduardo Guinle e Candido Gaffrée eram empresários franceses que no Rio se dedicaram ao comercio e importação, mas que no final do segundo império ganharam a concessão para explorar e ampliar o porto de Santos no momento em que São Paulo assumia a liderança na produção do café e o Brasil se colocava como maior exportador mundial do produto.
“Estes “homens novos” não dispunham de riqueza e famílias tradicionais, nem contatos, posições políticas ou atividades urbanas. Eles “entraram”, no entanto, por motivos bastante tradicionais – dinheiro novo ganho no final do império e início da república. Talvez os mais famosos entre esses novos ricos fossem os Guinle, famosos pelo charme pessoal e pelo estilo de vida cultivado à custa de uma fabulosa fortuna, produto das circunstâncias específicas da época...”
“Não se pode ficar muito tempo no Rio sem ouvir o nome Guinle que avulta com igual importância nos círculos industriais, financeiros, comerciais e sociais. Imensamente ricos e empreendedores......”
Jeffrey D. Needell 1993 no livro Belle Èpoque Tropical
A segunda geração dos Guinle aliou sua extraordinária fortuna ao empreendedorismo, à caridade, à doação e ao mecenato. Beneficiaram-se as artes, as letras, as ciências e o esporte e as marcas dessa atuação estão até hoje principalmente na cidade do Rio de Janeiro que era a principal praça de seus empreendimentos e na Cidade de Santos (onde tinha sua principal operação a Cia. Docas de Santos).
Foto: Carlos Guinle é visto aqui em sua mansão de Botafogo posando com seu Chrysler Imperial 80. Entre seus belos automóveis teria havido também um Rolls Royce Phantom I.
Nesse contexto, dentre os irmãos Guinle quem nos interessa é especialmente a figura de Carlos Guinle que era o mais entusiasmado pelo automobilismo e coordenava a organização do Circuito da Gávea desde a primeira edição em 1933. Carlos Guinle e sua esposa Gilda conseguiram com extraordinária desenvoltura colocar o Brasil no panorama da elite mundial. Partindo de sua magnífica mansão em estilo neoclássico da praia de Botafogo e depois no sensacional apartamento na Rua Tucuman, Carlos e Gilda conseguiram fazer passar por seus salões todas as figuras mais significativas do “grand monde” que visitaram o Brasil entre a década de 1920 até o final da década de 60.
Foto: bem relacionados com o poder, os irmãos Guinle eram presença marcante nos eventos sociais e esportivos. Na foto Carlos Guinle à esquerda de gravata borboleta, sempre munido de seu habitual charme e bons modos, entretém seus interlocutores entre os quais o Presidente Getúlio Vargas (de terno branco e gravata clara)
Sobre Carlos Guinle, o Jornal “O Imparcial” de junho de 1937 publicou “Doutor Carlos Guinle: Há 18 anos o Sr. Carlos Guinle vem prestando ao Automóvel Club os mais desinteressados serviços. É obra sua, exclusivamente sua, a realização dos torneios que essa sociedade vem realizando. Comparece às reuniões, discute “casos”, opina e é acatado. Presidente de honra do A.C.B. na Europa onde seguirá dentro em breve, não será por certo esquecido, porque é, quando mais não seja, um entusiasta do automobilismo....”
Os Guinle não mediram esforços para acrescentar prestígio e glamour social ao Rio. Já em 1931 receberam em visitas dois jovens ingleses, o Príncipe Edward, então Príncipe de Gales (futuro Rei Eduardo VIII) com seu irmão o Príncipe Albert, então Duke de York (futuro Rei George VI, pai da Rainha Elizabeth II) Ainda em novembro de 1936 Carlos e Gilda Guinle receberiam o Presidente Franklin Roosevelt em sua casa conforme relata Clóvis Bulção em seu famoso livro “Os Guinle, história de uma dinastia”.
Os filhos de Carlos Guinle foram Jorginho (1916-2004) e Carlinhos (1918-1955) e ambos viriam a ser duas das figuras mais queridas e conhecidas da alta sociedade brasileira e se tornaram “lendas” ao seu próprio modo.
Quando Nano já estava instalado no Rio por volta de 1946/47 adquiriu um MG. A marca britânica era famosa por seus pequenos carros esportivos que fizeram um enorme sucesso nas provas inglesas e européias nos anos 30. Durante a Guerra os pequenos e rápidos MGs eram os carros favoritos dos pilotos da heróica Royal Air Force (RAF).
Não se pode dizer que Nano fosse um “iniciante” no assunto. Nano já tinha aprendido com seu falecido pai a apreciar carros “puro-sangue”. A família já tinha tido dois Bugattis em suas garagens na França.
Nano recordou:
- O Carlinhos Guinle, filho do presidente do Automóvel Clube do Brasil, importou 40 carros desta marca na época e todos os rapazes do Rio compraram um. Fizemos corridas na Boa Vista e até mesmo no Flamengo”, relembra.
Foto: O Automóvel Club no Brasil na sua tradicional sede na Rua do Passeio (centro do Rio de Janeiro). A entidade nasceu como um clube de elite para os proprietários de automóvel. Como em outros dos seus imóveis, Carlos Guinle providenciou os serviços do arquiteto francês Joseph Gire para reforma interna e elementos decorativos externos em estilo neoclássico (ou “beaux-arts”) escola arquitetônica francesa na qual Gire fora formado e segundo a qual projetou várias de suas obras neoclássicas como os Hotéis Glória e Copacabana Palace.
Foto: Carlinhos Guinle aqui visto entre seu parceiro musical Dorival Caymmi (à esquerda de camisa aberta) e Fernando Lobo. Falecido prematuramente em 1955 Carlinhos deixou composições clássicas como “Sábado em Copacabana“.
Eventualmente Nano teria participado com o MG TC do I Prêmio Crônica Esportiva Carioca. O Prêmio Crônica Esportiva era realizado no Circuito da Quinta da Boa Vista nos arredores do Palácio Imperial de São Cristóvão (hoje Museu Nacional). Embora algumas fontes dêem a data dessa corrida como 10/3/48 acreditamos que essa prova tenha feito parte do programa do 3º Circuito da Quinta da Boa Vista em dezembro de 1947, que segundo Paulo Scali em seu livro “Circuitos de Rua” teriam sido realizadas quatro provas preliminares duas para carros e duas para motos. As de carros seriam uma para carros de turismo de 1200 a 2500 cc, onde se encaixariam os MG como o TC de Nano com motor de 1250cc. A prova principal do evento era uma corrida para carros Grand Prix. Nano teria obtido o 3º lugar na prova para sua categoria, mas não podemos descartar que Nano tivesse feito outras provas, também em circuitos urbanos no Rio.
Em 12/12/48 Nano participou do Circuito da Praça Paris onde chegou em quarto lugar em prova vencida pelo célebre Chico Landi;
Paulo Scali em seu livro “Circuitos de Rua” descreve que no dia da prova o presidente Dutra foi almoçar com sua comitiva em Petrópolis. Saindo do Palácio do Catete em direção ao centro o grupo se deparou com as ruas interditadas e o chefe do cerimonial pediu que a corrida fosse suspensa até que a comitiva passasse. O grid foi composto por onze concorrentes com carros de até 2 litros, entre os quais Chico Landi, Gilberto Machado, Carlos Guinle Filho, Nano, Mário Pólo e Gino Bianco. Após a partida Gilberto Machado tomou a ponta, mas na terceira volta foi ultrapassado por Chico Landi (MG TC) que a manteria até o final das 25 voltas previstas. Gilberto Machado (Citroen) manteve o segundo posto, trazendo em terceiro e quarto Carlos Guinle Filho e Nano (ambos em MG TC).
Foto: Circuito da Praça Paris – Rio de Janeiro 12/12/1948- Nessa prova vencida por Chico Landi (MG TC, foto da bandeirada final) estava Nano também em um MG TC que terminaria em 4º lugar e se se recordou que a prova chegou a ser interrompida para trânsito da comitiva presidencial do Presidente Dutra (foto site Histórias que vivemos).
Fotos: Acima e abaixo: O primeiro Circuito de Botafogo em 1956. Acima o MG TC de Aylton Varanda. Abaixo o grid de largada com MGs TC e TD. Esses carros viraram febre entre os jovens esportistas. Em 1947/48 Nano foi um dos estreantes desses carros nas provas cariocas (Fotos Livro Paulo Scali Circuitos de Rua/ Site Nobres do Grid).
Foto: os MGs continuaram a ser usados em provas brasileiras por muito tempo. Um MG TD nº 41 de “Bengala” no Circuito do Castelo no Centro do Rio 1954. A categoria de carros esporte até 1,5 litros foi vencida Délio Antunes em outro MG TD.
PARIS e UM ASTON MARTIN
Voltando regularmente à Europa para férias e sem se livrar do “vírus” das corridas, Nano foi assistir as 24 horas de Le Mans onde ficou impressionado com a performance dos novos Aston Martins DB2.
O controle da Aston Martin tinha sido adquirido por David Brown alguns anos antes. Em seguida a marca incorporou a Lagonda que produzia avançados motores de seis cilindros e duplo comando de válvulas projetados por W.O Bentley e William Watson.
Embora com cilindrada relativamente baixa (inicialmente com o motor Lagonda 2,6 litros de pois aumentado para 2,9 litros) os DB2 vinham se provando com muito sucesso em Le Mans e provas internacionais vencendo regularmente na categoria até 3 litros.
Foto: 24 hs de Le Mans 1951.(23 a 24/6/51): Os Aston Martin DB 2 terminaram em 3º, 5º e 7º na classificação geral, superados apenas por carros de cilindrada superior, sendo 1º, 2º e 3º na categoria esporte até 3 litros. O carro de Reg Parnell/ David Hampshire terminou em 7º (foto site hiroboy)
Perspicaz, Nano viu que o mundo estava mudando. Enquanto várias marcas do continente europeu, principalmente as francesas, ainda se apoiavam em tecnologias e designs do pré-guerra, Nano viu que vinha vindo toda uma nova geração de carros esportivos menores, mais leves e mais potentes que, entre o final dos anos 40 e início dos 50, iriam determinar o padrão do moderno carro esporte europeu.
Logo Nano foi apresentado ao patrão da Aston Martin, David Brown e se tornou amigo dos pilotos como Reg Parnell, Lance Macklin e do futuro astro da F-1 Peter Collins que ainda dava seus primeiros passos na marca britânica.
Seguindo o padrão da época, um piloto devia antes se provar como amador para depois aspirar a um lugar semi-profissional ou profissional em uma equipe estabelecida
Voltando à França em definitivo Nano adquiriu em 1953 um Aston Martin DB2/4 MK I importado por Marcel Blondeau da famosa “Garage Majestic Automobile” localizada no número 43 da Rue Bayen em Paris.
Ao frequentar a importadora francesa da marca conheceu Michel Poberevsky (mais conhecido nas pistas com o pseudônimo Mike Sparken) que também tinha comprado um carro do mesmo modelo e com as mesmas “más” intenções, ou seja, usar imediatamente o carro em rallies e corridas. Pelos números de chassis presumimos que a compra de Mike Sparken tenha sido um pouco anterior, pois o carro de Sparken era um DB 2 e o de Nano um DB2/4 MK I
Logo se tornaram amigos e “cúmplices” nas corridas. Entre 16 e 17/5/53 uma das excursões vitoriosas de Nano com o Aston Martin foi o Rally de Sablé-Solesmes na região oeste da França entre Sablé sur Sarthe e Solesmes promovido não por acaso pelo mesmo Automobile Club de L`Ouest que promove as 24 horas de Le Mans. Uma das etapas do rally era uma prova de quatro voltas no circuito das 24hs de Le Mans (Circuito de La Sarthe) Com mais de 200 participantes entres os quais vários Jaguars, mas também Talbots, Delahayes, Porsches etc, o único Aston presente era o de Nano que venceu tanto na sua categoria como na Classificação Geral.
No ano seguinte ao da vitória de Nano (1953) o anuncio do rally de 1954 apresenta carros coloridos conforme a nacionalidade: vermelhos italianos, azuis franceses e verdes ingleses tendo ao fundo a Catedral de Le Mans).
De 5/9 a 13/9 de 1953 Nano já estava em seu primeiro “Tour de France” compartilhando o Aston Martin de Mike Sparken, mas um quebra dos amortecedores os deixou fora da prova vencida por Pierre Dumay e Antoine Caussé com Ferrari 166 MM
Foto: (Bonhams) Tour de France (setembro de 1953). Nano e Mike Sparken compartilham o Aston Martin DB2 1952 deste último. O chassi é o LML/50/155
De 2/11 a 5/11 de 1953 Nano participou do 7º Rallye du Maroc onde problemas de motor o deixaram fora da disputa.
Foto: na largada do Rallye Internacional de Marrocos Nano é visto com seu belo Aston Martin DB2/4 MK I. A cor seria azul claro metálico e o chassis seria o LML 693 (foto: Automobile Historique).
Em 4/4/54 com o Aston Martin Nano venceu a Coupes de Vitesse em Linas-Montlhéry, em 16 voltas superando o Aston Martin de Sandt, o Jaguar de Michel Parsy, o Porsche 356 de Olivier e a Delahaye de Henri Auriac. Nano também assinalou a melhor volta da prova com 2`43”3.
Em 25/4/54 sempre com o Aston Martin, ficou em segundo lugar na Coupes de Paris novamente no circuito parisiense de Linas-Montlhéry superado apenas pelo mais potente e mais leve Jaguar C type de Duncan Hamilton, mas deixando para trás o Gordini monoposto de Jean Thépenier e a Ferrari de Rodansky em uma prova de 16 voltas ou pouco mais de 100Kms.
Mas a paixão de Nano pelos Aston Martins tinha nascido em Le Mans e era lá que Nano queria levar seu carro para correr.
Em 1954, com o Aston DB 2/4 em dupla com Jean Paul Colas, Nano estréia nas 24 hs de Le Mans (12 -13/6/54) mas uma falha na transmissão (ou falha no eixo traseiro/suspensão traseira?) os obriga a abandonar após 14 hs de prova quando disputavam a liderança da categoria até 3 litros. Foi o segundo brasileiro a correr em Le Mans após Bernardo Souza Dantas em 1935.
No Tour de France de 1954 em setembro de 1954 Nano novamente participou desta vez com seu próprio Aston Martin DB 2 com Jean Da Silva Ramos mas não terminou a prova vencida pelo Gordini T15 S de Jacky Pollet/Gouthier.
UM BAR EM PARIS
O franco americano Harry Lawrence O`Reilly Schell ou simplesmente Harry Schell para os amigos era nascido em Paris filho de pais americanos.
Os pais de Harry, Laury e Lucy Schell, foram ambos fanáticos por automobilismo e parceiros em rallies. O casal financiava uma equipe chamada Ecurie Bleue que competiu ao longo dos anos em grandes prêmios, provas de carros esporte e até em Indianapolis.
Com a morte de Laury em um acidente, Lucy continuou mantendo a equipe e não foi surpresa que o filho Harry se tornasse um piloto
Harry Schell perfazendo o tipo de “um americano em Paris”, playboy, com uma personalidade “flamboyant”, logo agregou toda a comunidade automobilística francesa em um bar do qual era sócio. Esse bar apropriamente denominado “L`Action Automobile” ficava no número 65 da Avenue D`Iéna, portanto, muito próximo ao Arco do Triunfo e da Avenue du Champ D`Elysees de onde seus clientes mais animados saiam e voltavam para disputar “rachas” em altas horas da noite.
Além de Schell, foi lá que Nano conheceu e se tornou amigo de todos os grandes pilotos franceses da época e de frequentadores ocasionais que vinham do outro lado do Canal da Mancha como Lance Macklin e Peter Collins.
Entre outros Nano também fez amizade com Edmund Gurner Nelson ou simplesmente “Ed” ou “Eddie” Nelson, técnico de bosbleigh e avido praticante de boxe, surf, ski e melhor amigo e parceiro de aventuras de um nobre espanhol com um nome longo e um bom lugar na linha de sucessão do trono da Espanha.
Seu nome e títulos?
Alfonso Antonio Vicente Eduardo Blas Angel Francisco de Borja Cabeza de Vaca y Leighton Carvajal y Ayre, 13 º Conde de La Mejorada, Conde de Pernía, 5º Marques de Moratalla, 11º Marquês de Portago, Duque de Alagón e Grande de España, mais conhecido como Alfonso de Portago ou simplesmente “Fon” para os íntimos
Portago aparecia no bar saído de seu ultra-chic endereço na Avenue Foch, 40, em Paris
Um dia Nano sugeriu que Ed Nelson fosse com Portago para assistir um Rally do qual ele competiria, o Rally Sablé-Solesmes. Como já relatamos acima, Nano venceu a prova em seu Aston Martin e De Portago descobriu o automobilismo o qual rapidamente adicionou à longa lista de esportes perigosos que já praticava.
Depois de um aperitivo no bar essa turma entre os quais Nano e de Portago eram vistos nos restaurantes e nos night-clubs parisienses como o famoso” L`Elephant Blanc” na Rue Vavin, 24, frequentado pela alta sociedade francesa, artistas de hollywood e o “jet-set” internacional.
Os contatos sociais com esse pessoal e resultados expressivos chamavam a atenção e no caso era natural que Nano viesse a ser sondado por uma equipe de ponta francesa e assim foi.
É necessário observar que as grandes marcas do esporte automobilístico francês estavam em seu ocaso. Nomes como Bugatti, Delage, Delahaye, Hotchkiss, Salmson e outros estavam lutando com enormes dificuldades financeiras e literalmente se equilibrando à beira do abismo.
O nome forte dos carros de competição franceses do pós guerra, Talbot-Lago também começava a esmorecer com a mudança do regulamento da F-1 no final da temporada de 1951
O nome que parecia ainda capaz de levar as esperanças francesas nas pistas era Gordini. Amedee Gordini se especializava nas baixas cilindradas, mas evoluiu para os carros de F-2 e depois para F-1
O COMEÇO NA EQUIPE GORDINI
Amedee Gordini, nascido na Itália (Amedeo Gordini) se mudou para Paris logo após a primeira guerra mundial e se naturalizou francês. Sua habilidade em mecânica o levou a abrir uma oficina em Paris que também era uma representação dos carros FIAT.
Gordini começou a correr com os Fiats que ele mesmo preparava com tal habilidade que ficou conhecido pelo apelido de “le sorcier” ou o “o mago” ...da mecânica, bem entendido.
Foto: Emblema da Gordini e Amedée trabalhando um de seus motores (foto site retroauto)
Quando a Simca passou a montar carros Fiat sob licença logo houve uma associação para fazer os Simca-Gordini de competição. No pós guerra Gordini seguiu com carros esporte e monopostos apenas com sua marca Gordini e logo tinha em torno de si os melhores pilotos franceses como, inicialmente, o grande astro francês do pré-guerra, Jean Pierre Wimille e depois a nova geração de Jean Behra, Robert Manzon e Maurice Trintignant, além de alguns futuros grandes astros como Juan Manuel Fangio.
Foto: Carrera Panamericana (México) 1953 Um dos maiores ases franceses dos anos 50, Jean Behra, aguarda a largada ao lado de seu Gordni T24 S. Todos os melhores pilotos franceses da época guiaram para a Gordini. (foto site mecanicus)
Gordini também frequentava o bar “L`Action Automobile” onde divertia seus companheiros de copo, entre os quais vários talentos emergentes do automobilismo francês
Era quase que natural que Nano viesse a ser convidado por Gordini para sua equipe.
E assim foi. Gordini chamou Nano e Jacques Victor Marie-Joseph Pollet ou simplesmente Jacky Pollet, para um teste no circuito de Linas- Montlhery nos arredores de Paris e ambos foram incorporados à equipe
Com sua experiência em carros-esporte Nano passou a pilotar os Gordinis da categoria esporte a partir do final de 1954 onde estava bem à vontade
Em 10/10/54 Nano já estava presente com um Gordini Sport nas Coupes du Salon em Montlhery. Com um Gordini T15 S de dois litros Nano larga de um bom 6º lugar mas abandona após 20 das 24 voltas previstas. A prova foi vencida por Jean Behra Gordini T23 S de 3 litros que superou a Ferrari 375 MM de Masten Gregory, o Jaguar C Type de Duncan Hamilton, a Ferrari 375 de François Picard e o Talbot T 26 GS de Pierre Levegh. Na categoria de Nano (sport até 2 litros) venceu o Maserati A6 CGS de Benoit Musy (6º na geral) e na categoria até 1,5 litros venceu Stirling Moss com Connaught ALSR (10º lugar na geral).
De 17 a 20/1/55 Nano e Jean da Silva Ramos participaram do famoso Rally de Monte Carlo com o Aston Martin que recebeu o numero 383 e partiu de Lisboa e terminou em 46º na classificação geral do Rallye vencido pelo Sunbeam dos noruegueses Per Malling e Gunnar Fadum.
Em seguida Nano seguiu o cronograma da Gordini pelas então colônias francesas no Norte da África. Em 27/2/55 Nano estava no Marrocos com a Gordini para o GP de Agadir. Nano disputou a categoria esporte acima de 2 litros com um Gordini T15S com motor de 2,5 litros terminando em um bom 5º lugar superado apenas por carros mais potentes entre os quais a Ferrari 750 Monza de Mike Sparken, os Gordinis T24 S 3 litros de Franco Bordoni e Andre Guelfi e a Ferrari 750 Monza de François Picard.
Em 13/3/55 Nano já estava no Senegal para o GP de Dakar disputado na categoria esporte com um Gordini T15S com motor de 2,5 litros terminando em um bom 6º lugar superado apenas por carros mais potentes entre os quais as Ferraris 750 Monza de Piero Carini (vencedor) e Louis Rosier, o Jaguar D Type de Duncan Hamilton, o Gordini T24 S 3 litros de Franco Bordoni e a Ferrari 750 Monza de Jacques Swaters. Nano chegou na frente das Ferraris 750 Monza de Jean Lucas e Paul Maret, do Maserati A6GCS de Luigi Musso e do Jaguar C -Type de Dan Margulies/Graham Hill.
De volta à Paris a equipe vai participar das Coupes de Vitesse em Linas- Montlhery onde Nano vence com o Gordini T15 S com o motor de 2,5 litros na frente do Gordini T15S 2.0 de Charles Rinen (Henri de Clarens) e de uma oposição de Jaguares XK 120, Porsches 550, etc
Em 17/4/55 é a vez das Coupes de Paris, também em Montlhery reunindo carros esporte e monopostos de diversas categorias. Com o mesmo Gordini esporte, o T15S 2.5 Nano fica em oitavo lugar diante de uma oposição bem mais relevante em que Andre Guelfi venceu com o Gordini T16 S (monoposto) deixando o D Type de Duncan Hamilton em segundo lugar seguido das Ferrari 750 Monza de François Picard, da Ferrari 375 monoposto de De Portago e da Ferrari 750 Monza de Piotti
Foto: Coupes de Paris 17/4/55 (Circuito de Montlehry nos arredores de Paris). Animada palestra entre os pilotos. À esquerda Nano de capacete vermelho. Ao centro De Portago com jaqueta preta e quase de costas James Duncan Hamilton. Apesar de Duncan Hamilton já ter vencido Le Mans com Jaguar, no ano seguinte,1956, ele curiosamente partilhou uma Ferrari com De Portago nas 24 hs de Le Mans.(foto site bandeira quadriculada)
No entanto, Nano reteve seu Aston Martin DB 2 com o qual foi liberado para participar e vencer uma corrida de carros esporte em Marselha, a Coupe Rene Larroque, em 24/4/55, quando deixou em segundo lugar o Salmson de René Cotton.
Em seguida levou o Aston Martin para participar das Mille Miglia na Itália, de 1955 (31/4 a 1/5/55). A histórica Mille Miglia vencida por Stirling Moss/Denis Jenkinson no lendário Mercedes Benz 300 SLR. Nano secundado por Jean Claude Vidilles chegou em um ótimo 16º lugar na geral e 5º na categoria GT sendo que os três primeiros na categoria GT foram Mercedes 300 SL com apoio de fábrica. Presentes estavam os Aston DB2/4 inscritos pela fábrica sendo o nº 418 do jornalista/piloto Paul Frère em dupla com o fotógrafo Louis Klemantaski e o nº 436 de do jornalista/piloto Tommy Wisdom com Peter Bolton. Ambas as duplas não terminaram com problemas de embreagem
Foto: Mille Miglia 1955: O Aston Martin de Nano e Jean Claude Vidilles recebeu o nº 441 significando que largou às 4:41 da manhã para a difícil e perigosa prova italiana ( foto site bandeira quadriculada)
Apesar do bom resultado Nano não gostou da experiência e achou a prova perigosíssima devido à inevitável presença do público na beira da pista. Ano após ano os acidentes se repetiam até que a prova foi proibida após a tragédia da edição de 1957
Em 15/5/55 Nano e Jacky Polet compartilham o Gordini T15 S 2.0 nas 14 Hs de Paris, a “Bol D`Or” em Monthlehry. Após liderar a competição por mais de 6 horas e Nano assinalar a melhor volta da prova, a dupla enfrenta problemas mecânicos e cai para o 4º lugar na geral e 2º na categoria até 2 litros. A prova foi vencida pelos Porsches 550 de Veuillet/Olivier e Jeser/Bousquet deixando em terceiro o Maserati A6GCS de Guyot/Parsy
Em 29/5/55 Nano foi fazer uma corrida na Itália, o GP Supercortemaggiore em Monza em que pela primeira vez pilotou um Ferrari, no caso uma 750 Monza (chassis 0440 M) em dupla com Jean Lucas. Era uma corrida de 1.000Kms que reuniu a “nata“ dos pilotos europeus e internacionais e foi marcada por uma monumental disputa “Ferrari x Maserati”.
A prova também foi marcada pelo luto, pois poucos dias antes morrera Alberto Ascari também ao volante de uma Ferrari 750 Monza em um teste particular. Em uma prova ultra competitiva a Ferrari de Nano/Lucas partiu de um bom 7º lugar no grid, mas não terminou. A prova foi vencida pela Maserati 300 S de Behra/Musso que deixou em segundo a Ferrari 750 Monza de Hawthorn/Maglioli seguida pela Maserati 300S de Mieres/Perdisa e a Ferrari 750 Monza do nosso Chico Landi em dupla com Franco Cornacchia.
Foto: O GP Supercortemaggiore em Monza (29/5/55) foi marcado por um monumental duelo entre as Ferraris 750 Monza e as Maseratis 300 S. Nano em dupla com Jean Lucas largou em 7º e seria o carro nº 52 na terceira fila no canto superior esquerdo. A nº 20, na segunda fila, no canto direito em 6º no grid era a de Chico Landi e Franco Cornacchia. Os três primeiros chegariam na mesma ordem da largada. A Maserati nº 68 de Behra/Musso a Ferrari nº 16 de Hawthorn/Maglioli e a Maserati nº 70 de Mieres/Perdisa. (foto Wikipedia)
Sobre a Gordini, o que Nano foi descobrir com o tempo é que a Gordini, a respeito das demais marcas francesas de carros esportivos e de competição, lidava com enormes dificuldades financeiras, Restrições orçamentárias para praticamente tudo limitavam o desenvolvimento dos carros e Gordini era um “equilibrista” no sentido que sempre estava financeiramente na “corda bamba”. Na organização interna a palavra “improvisação” era a ordem do dia.
Mas o nome Gordini era popular e parecia congregar as esperanças francesas nas pistas, além do que o ambiente interno da equipe era bom e Gordini e seus pilotos eram todos amigos entre si, mantendo um clima amistoso e divertido
Nano voltou a Le Mans em 1955 já então pela equipe oficial da Gordini que trazia um modelo T 24 S (Manzon/Bayol) para a categoria de 3 litros e um T15 S (Nano/Jacky Pollet) para a categoria de 2 litros.
As 24Hs de Le Mans de 1955 (11 a12/6/55) se anunciavam sensacionais pois se aguardava um monumental duelo de Mercedes Benz, Jaguar e Ferrari na Categoria principal (até 5 litros) e ótimos duelos nas categorias inferiores com Maserati, Aston Martin, Cunningham, Gordini, Porsche, Cooper, Triumph, Austin Healey, Frazer Nash, Lotus, Osca e outros em uma disputa entusiasmante.
Gordini T15 S disputou Le Mans em 1955 na categoria até 2 litros
O Gordini T 24 S disputou Le Mans em 1955 na categoria até 3 litros
Foto: Largada de Le Mans (11/6/55). A sempre tumultuada largada estilo Le Mans com os pilotos correndo para apanhar seus carros dispostos em formação “espinha de peixe” do outro lado da pista. Nano parece bem à vontade e ainda aproveita para ajustar o retrovisor de seu Gordini T 15S azul claro nº 30 enquanto enfrenta um trânsito à frente vendo-se o Aston Martin DB3S verde metálico de Tony Brooks nº 25, o Cunningham C6 R branco com faixas azuis nº 22 de Briggs Cunningham, o Austin Healey verde escuro nº 26 de Lance Macklin e mais adiante, à direita, as Mercedes Benz prateadas de Fangio, Pierre Levegh e Karl Kling largando atrasadas
Nessa prova em que as perspectivas eram de uma disputa acirrada em todas as categorias, sobreveio a maior tragédia do automobilismo mundial com mais de 80 mortos e cerca de 100 feridos.
Após uma eletrizante batalha pelo primeiro lugar envolvendo Hawthorn (Jaguar D Type) Fangio (Mercedes Benz 300 SLR) e Castellotti (Ferrari 121 LM) chega o momento da primeira parada de box. Hawthorn ao passar pela reta manobra seu Jaguar à direita para entrar no box e freia violentamente. Lance Macklin vinha logo atrás com seu Austin Healey e acabava de ser ultrapassado por Hawthorn, se surpreende com a freada violenta e rápida do Jaguar que tinha freios à disco bem superiores que a maioria dos concorrentes. Macklin se desvia para a esquerda tentando evitar a traseira do Jaguar, momento em que seu Austin Healey é colhido pelo Mercedes Benz de Pierre Levegh que vinha à toda velocidade pela faixa mais à esquerda da pista ultrapassando os carros menos potentes. A Mercedes acerta o Austin Healey e decola para cima das tribunas mal protegidas da reta dos boxes matando Levegh e cerca de 80 espectadores.
Nano, que passou na reta dos boxes poucos segundos depois, relatou mais ou menos nessas palavras “...parecia o fim do mundo. Minha mulher estava lá, nos boxes e ficou tão impressionada que nunca mais quis assistir uma corrida ao vivo..”
ESTREIA NA F-1
Em junho de 1955 logo após a trágica corrida de Le Mans, Nano relatou que recebeu um telefonema de Gordini avisando que no dia seguinte partiria para o circuito de Zandvoort para participar do GP da Holanda levando os pilotos Robert Manzon e Jacky Pollet e que se Nano quisesse vir haveria um terceiro carro para ele pilotar, uma vez que Elie Bayol não poderia participar.
Nano nunca tinha estado no Circuito de Zandvoort e, pior, nunca tinha guiado um monoposto de F-1 até aquela ocasião. Descobriu um carro muito mais leve e rápido tanto para acelerar como para frear e muito mais “arisco” de estabilidade. Fazendo seu aprendizado do carro e da pista durante os próprios treinos da prova, Nano larga em 14º entre 16 participantes atrás de seus colegas de equipe Manzon em 11º e Pollet em 12º.
Nano foi assim o terceiro brasileiro a participar de uma prova oficial de F-1 (o primeiro fora Chico Landi em 1951 e o segundo Gino Bianco em 1952). Após uma forte chuva no final da prova, Nano termina em 8º, Pollet em 10º. Manzon já tinha parado no início da prova.
Foto: GP da Holanda no Circuito de Zandvoort (19/6/55). Fangio (Mercedes Benz W196 nº8) e Moss (Mercedes Benz W 196 nº 10) dão uma volta em Nano (Gordini 16 nº 22) queporém terminou em um bom 8º lugar precedido apenas de carros muito mais capazes como as Mercedes de Fangio e Moss as Maseratis 250 F de Musso e Mieres, a Ferrari 555 de Castelotti a Maserati 250 F de Jean Behra, e a Ferrari 555 de Mike Hawthorn, precisamente quase todos os grandes protagonistas do campeonato de 1955. (Foto:reprodução)
Ainda em 1955 Nano participou das outras duas provas restantes do campeonato de F-1, Grã Bretanha (Aintree) e Itália (Monza).
Em Aintree (16/7/55) Nano larga de 14º lugar sendo que de seus colegas na Gordini Robert Manzon largou de 11º e Mike Sparken de 23º entre vinte e cinco participantes.
Após 24 voltas Nano se retira sem pressão de óleo, Manzon não dá mais que quatro voltas e Mike Sparken é mais feliz levando seu Gordini ao 7º lugar, porém com nove voltas de atraso em uma prova que apenas nove terminaram. A equipe Mercedes Benz levou os quatro primeiros lugares com Stirling Moss vencendo a prova
No GP da Itália em Monza (11/9/55) a Gordini apresenta o no T32 de F1. Enquanto os Gordinis 16 eram monopostos de corpo fino e um 6 cilindros de 2,5 litros, os tipos 32 vinham com o novo 8 cilindros de 2,5 litros e uma carroceria larga e envolvente que parecia a nova moda da F-1 após os mercedes W196 com sua carroceria envolvente “streamlined” e os Lancias D 50 com suas laterais largas.
Embora de desenho robusto os tipos 32 tinham freios a disco, eram bonitos, impressionantes e se propunham a acabar com o reinado dos italianos, alemães e ingleses na F-1.
Não foi exatamente o que aconteceu.
Embora o novo 8 cilindros em linha se mostrasse mais potente o T 32 era um carro pesado, com uma relação peso/potência desfavorável e tinha uma tendencia crônica ao superaquecimento.
Nano larga de 18º lugar. Seu colega de equipe Jacky Pollet largou do 19º e Jean Lucas com o novo Gordini T 32, largou do 22º e último lugar no grid.
Foto: GP da Itália, Monza (11/9/55) Da esquerda para direita Amedée Gordini de terno e gravata, Jean Lucas, Nano (ambos com os “body belts” que os pilotos usavam na época), o mecânico Libert e Jacky Pollet de camisa escura. O cockpit e bico do carro que aparece é do novo Gordini T32.
A corrida não é melhor. Jacky Pollet pula para 11º após uma ótima largada, mas Jean Lucas, o único a usar o novo T32 se retira após sete voltas. Nano alcança e passa Pollet e os dois correm “em formação” por algumas voltas sempre entre os quinze primeiros. Mas Nano abandona após 23 voltas e Jacky Pollet após 26 voltas das 50 previstas para o GP italiano.
No inverno europeu entre 1955 e 1956 os pilotos franceses ficaram em polvorosa e a imprensa em ebulição. Foi anunciada a volta da Bugatti à F-1 e alguns dos melhores pilotos franceses foram chamados para testar o novo e impressionante Bugatti, com motor central-traseiro, projeto do lendário Gioachino Colombo.
Maurice Trintignant seria o piloto oficial, mas Jean Bugatti convidou para testar o carro - em sinal de grande deferência - os veteranos Louis Rosier, Phillipe Etancelin e a jovem estrela do automobilismo Nano da Silva Ramos.
Foto: O Bugatti Tipo 251 era um impressionante projeto do célebre Gioacchino Colombo com motor transversal-traseiro de oito cilindros. Maurice Trintignant visto ao volante seria o piloto oficial. O “canto do cisne” da Bugatti em Grand Prix duraria apenas uma corrida, o GP da França de 1956.
Nano em pouco tempo percebeu que o Bugatti padecia dos mesmos problemas de seu Gordini T 32. Muito peso, pouca potência e uma estabilidade deficiente. Mas honrado pelo convite Nano se propôs leva um Gordini Sport para um treino comparativo com o Bugatti e relatar com detalhes as deficiências que encontrara. A Bugatti agradeceu, mas tacitamente declinou da proposta.
Nano se manteve na Gordini para 1956 com a perspectiva de passar a pilotar o novo Gordini 32 de 8 cilindros.
Nano participaria com a Gordini de quatro GPs da temporada: Mônaco, França, Grã Bretanha e Itália. Mas grande parte da agenda seriam as provas de carros esporte.
Para começar em 26/2/56 Nano estava novamente no GP de Agadir no Marrocos onde com o Gordini T 15 S conseguiu mais um belo 5º lugar superado apenas por carros mais potentes como a Ferrari 857 S de Trintignant e as Ferraris 750 Monza de Harry Schell, François Picard e Jean Lucas. Nano chegou na frente de alguns Mercedes 300SL e Aston Martins DB3S.
Em 11/3/56 Nano foi para as 2hs de Dakar no Senegal, onde desta vez não terminou a prova em seu Gordini T 15 S. Trintignant com a mesma Ferrari 857 S venceu deixando Harry Schell com Ferrari 750 Monza em segundo e Jean Behra com Maserati 300 S em terceiro.
Em 8/4/56 Nano com o Gordini T24 S (3 litros) reencontrou a vitória nas Coupes de Vitesse em Montlehry deixando o Gordini T 15 S (2 litros) de Andre Guelfi em segundo, o Porsche de Robert Dutoit em terceiro e a Maserati de Georges Guyot em quarto.
Em 15/4/56 Nano e Manzon foram para o GP de Siracusa disputado no regulamento da F-1 com os Gordinis 16. Mas essa prova extra-oficial era muito tradicional entre as equipes italianas. Então a Ferrari mandou a equipe completa com Fangio, Castellotti, Musso e Collins nos Lancia-Ferrari D 50 enquanto a Maserati mandou para pilotar seus 250 F Jean Behra, Luigi Villoresi mais Luigi Piotti. Guerino Guerini e Horace Gould estavam com suas Maseratis particulares.
Entre dezesseis participantes Manzon largou em 7º e Nano em 12º. Manzon chegou em 6º, mas quatro voltas atrás. Nano se retirou por problemas mecânicos após 42 das 80 voltas previstas. Fangio, Musso e Collins fizeram o podium para a Scuderia Ferrari nesta ordem.
Em 22/4/56 uma nova vitória do GP Circuit de Vitesse de Tours onde no Gordini T 15 S Nano superou o Porsche 550 de Claude Storez, a Ferrari 500 Mondial de Jean Guichet e os Jaguares XK 140 de Monoyeur e Tessier,
Na semana seguinte, em 29/4/56 Nano participou do Prix de Paris em Montlehry. Aparentemente foi uma prova livre para carros esporte de diversas cilindradas e monopostos. O vencedor foi o Jaguar D Type de Duncan Hamilton seguido pela Maserati 250 F-1 de Luigi Piotti e do Gordini T24 S de André Guelfi . Nano terminou em 9º lugar uma volta atrás com o monoposto Gordini T16.
O poster do lendário pintor e ilustrador francês Geo Ham (Georges Hamel) para o Prix de Paris de 1956
Em 5/5/56 Nano estava da Inglaterra para o BRDC (British Racing Drivers Club) International Trophy em Silverstone. Era uma prova extra campeonato de F-1.No forte campo de concorrentes estavam as Lancia Ferrari D 50 de Fangio e Collins, as Vanwall de Stirling Moss e Harry Schell, o BRM P 25 de Mike Hawthon, vários Maseratis 250 F privados inclusive com Roy Salvadori, Louis Rosier e Jack Brabham e uma forte presença da equipe Connaught entre carros de fábrica e privados, com os Connaught tipo B com motor Alta para Parnell, Oliver, Titterington, Scott-Brown e Piero Scotti e os Connaught Tipo A com motor Lea Francis para Gibson, Holt e Young. A equipe Gordini levou um T32 para Andre Pilette e um T 16 para Nano. Mais uma vez no rápido circuito de Silverstone Nano tinha pouco a fazer com o Gordini T 16, mas graças à uma corrida constante com boa administração do equipamento e também graças à quebra dos favoritos, Nano colheu um bom 5º lugar na prova vencida por Moss (Vanwall) que deixou em 2º e 3º os Connaught Alta de Scott Brow e Titterington e o Cooper Bristol de Bob Gerard. Só o vencedor completou as 60 voltas previstas para a prova. Nano completou 56 até a bandeirada.
Em 13/5/56 ainda no modelo velho, o Gordini 16, Nano fez um brilhante GP de Mônaco.
Nano e Robert Manzon estavam ainda nos mais antigos Gordinis 16 de seis cilindros enquanto Elie Bayol e Andre Pilette partilhavam o novo Gordini 32 de oito cilindros, grande esperança da equipe para a temporada de 1956.
Foto: GP de Mõnaco 13/5/56. A Gordini levou um Tipo 32 para o GP de Monaco de 1956 (nº 4 compartilhado André Pilette -aqui visto ao volante – e Elie Bayol) (foto Carcatalog)
Partindo do 14º lugar do grid entre 16 participantes, Nano progrediu para 11º logo após a largada. Com o acidente de Schell (Vanwall) e Musso (Ferrari) subiu para 9º e foi levando com muita “finesse” o fraco Gordini 16. Com o abandono de Castellotti ( Ferrari) subiu mais uma posição. Nano percebeu que o 6 cilindros Gordini estava com vibrações anormais ao chegar ao limite máximo de giros e se limitou a levar o motor até um patamar de 200 RPM abaixo desse limite. Mesmo assim seus adversários também enfrentavam perda de rendimento e na 67ª das 100 voltas Nano ultrapassou Cesare Perdisa (Maserati) para depois superar seu colega de equipe Elie Bayol no novo Gordini 32 também em dificuldades. Aí foi a vez de seu colega Robert Manzin com Gordini 16 abandonar a prova. Assim Nano conseguiu um ótimo quinto lugar na prova vencida pelo Maserati 250 F de Stirling Moss seguido da Lancia Ferrari partilhada por Fangio e Peter Collins, da Maserati 250 F de Jean Behra e da Lancia Ferrari partilhada por Fangio e Castellotti.
Foto: no box Nano ouve as instruções de Amedèe Gordini ( de gavata e cronômetro na mão).
Para a prova seguinte Nano e seu colega Robert Manzon já estavam com os novos Gordinis 32.
Em 10/6/56 Nano voltou aos carros esporte nos 1.000kms de Paris em Montlehry no Gordini T15 S de 2 litros que compartilhou com Elie Bayol. Desta vez o abandono foi por acidente na prova vencida por Behra/Rosier (Maserati 300S) que deixaram atras de si as Ferraris 750 Monza de Schell/Lucas, Picard/Trintignant e Pilette/Milhoux e a 857 S de Phil Hill/De Portago.
Em 24/6/56 Nano foi para O GP Supercortemaggiore em 1.000kms no Circuito de Monza com o Gordini T15 S de 2 litros que partilhou com Robert Manzon. Voltaram com um ótimo 5º lugar superados apenas por carros mais modernos como a Ferrari 500 TR de Collins/Hawthorn, a Maserati 200 S de Moss/Perdisa as Ferraris 500 TR de Fangio/Castellotti, Gendenbien/De Portago e a Osca MT 4 de Villoresi/Maglioli.
No GP da França em 1/7/56 no ultra rápido circuito de Reims-Gueux na região de Champagne. Como sempre a prova foi precedida pelas 12 hs de Reims em 30/6/56. Mais um bom resultado com o Gordini T15 S de 2 litros. O 6º lugar de Nano em dupla com Elie Bayol foi o resultado possível diante dos Jaguar D Type vencedores de Hamilton/Bueb, Hawthorn/Frere, Titteringtn/Fairman e Flockhart/Sanderson e da Ferrari 500TR mais moderna de François Picard/Robert Manzon
Já no GP de F-1, Nano provou sua teoria sobre o Bugatti que havia testado no início do ano e para regozijo de Amedee Gordini o Gordini T32 de Nano se mostrou mais veloz que o Bugatti em todos os aspectos. Com seu Gordini T 32 Nano largou em 14º lugar com 2`35”9 deixando seu companheiro Manzon em 15º com 2`36 enquanto o pobre Trintignant com o novo Bugatti largou em 18º com 2`41”9.
Foto: Nano no GP da França em Reims com o Gordini nº 32 (foto site Bandeira quadriculada)
Nano terminou em 8º, com Manzon em 9º enquanto Trintignant se retirou após 18 voltas.
A realidade, porém, é que embora o Gordini tenha sido mais rápido que o Bugatti, ambos os carros franceses andavam bem atrás das Ferrari, Vanwall e Maserati que dominaram aquele campeonato.
A prova seguinte foi em Rouen-Les-Essarts para o GP de Rouen em 8/7/56 disputado na categoria de carros esporte. No tradicional circuito francês a prova atraiu a elite dos carros e pilotos do campeonato de carros esporte que já estavam na França e tinham disputado as provas em Reims na semana anterior. Menos exigente, a prova foi de pouco mais de 300kms e marcou a vitória de Eugenio Castellotti com Ferrari 860 Monza pouco segundos à frente do Aston Martin DB3S de Stirling Moss, da Maserati 300 S de Jean Behra, dos Aston Martins DB3S de Tony Brooks e Roy Salvadori, da Ferrari 857 S de Phil Hill e do Jaguar D Type de Desmond Titterington. Nano com o Gordini T15S de 2,5 litros teve que abandonar com problemas no câmbio após 31 das 50 voltas ficando oficialmente classificado em 16º lugar.
No GP da Grã Bretanha no Circuito de Silverstone, em 14/7/56, Nano sai da última fila em 26º lugar entre 28 participantes e começa a escalar o pelotão mas uma quebra de um eixo o põe fora da corrida.
Foto: ouvindo o “briefing” do diretor de prova antes do GP da Grã Bretanha em Silverstone 14/7/56 estão Bruce Halford (embaixo à esquerda de capacete escuro com faixa clara) e logo acima da esquerda para direita Archie Scott-Brown de capacete branco com viseira,, Nano de capacete escuro, Mike Hawthorn de jaqueta verde escura com sua gravaa borboleta de bolinhas mal aparente, Harry Schell de capacete branco com o escudo, Robert Manzon de sweater escuro e braços cruzados e José Froilan Gonzales de capacete claro olhando para baixo. (foto arquivo Gerard Crombac). Nano com Gordini abandonou após 71 voltas. Seu colega de equipe Robert Manzon foi o 9º colocado mas 7 voltas atrás do vencedor (Fangio com Ferrari).
Foto: no paddock do circuito de Silverstone nas vésperas do GP da Grã Bretanha de 1956 são vistos os belos Gordinis T 32 Grand Prix sendo em primeiro plano o nº 15 de Robert Manzon tendo a seu lado o nº 14 de Nano com o caminhão da equipe ao fundo (foto: reprodução).
Foto: antes de se retirar do GP da Grã Bretanha de 1956, Nano disputou posições intermediarias sendo visto aqui duelando com o Maserati 250 F do espanhol Francisco “Paco” Godia que terminou em oitavo (foto Automobile Historique)
Em 28 e 29/7/56 teve lugar a tradicional 24 hs de Le Mans e a Gordini levou dois T15 S com o motor de 2,5 litros. Nano e André Guelfi com o carro nº 16 se retiraram após 12hs com problemas na embreagem enquanto Robert Manzon e Jean Guichet com o carro nº 15 se retiraram após 8hs com problemas de motor (falta de pressão de óleo). Ainda pela Gordini, o modelo com motor 1,5 de Andre Milhoux/ Charles Rinen nº 29 também não terminou. A prova foi vencida pelo Jaguar D Type particular da Ecurie Ecosse com Flockhart/Sanderson que deixaram em segundo o Aston Martin DB3 S oficial de Moss/Collins e em terceiro a Ferrari 625 LM de Gendenbien/Trintignant da Scuderia Ferrari.
Foto: O Gordini nº 16 de Nano e Andre Guelfi (visto ao volante) não terminou as 24 hs de Le Mans de 1956 (foto Classic Car Catalogue).
Infelizmente Nano não foi para o GP de Pescara em 18/8/56 disputado no regulamento da categoria esporte de 1, 5 e 2 litros, que foi a última grande vitória da Gordini. No extenso circuito montanhoso italiano (cerca de 25, 5 Kms), seu colega Robert Manzon no Gordini T15 S de 2 litros, superou na última curva da última volta a Maserati 200 S de Piero Taruffi que chegou “colado” a ele, deixando também a poucos segundos as Ferraris 500 TR de Gino Munaron e Franco Cortese. Depois de cerca de 2hs e 40 mins de prova sob calor escaldante a Gordini conseguiu também um 8º posto com o luso-venezuelano João Rezende dos Santos.
Mas em 26/8/56 Nano participou do GP de Caen, uma prova extra-oficial de F-1 no Circuit de La Praire, beirando o hipódromo local. Nessa prova com apenas 13 participantes, Nano largou do 10º lugar e não deu mais que uma vota devido a problemas de embreagem em seu Gordini 32. Harry Schell venceu com Maserati 250 F deixando em segundo o colega de Nano, Andre Simon com Gordini 16 e em terceiro Roy Salvadori também com Maserati 250 F. De seus colegas, Robert Manzon se acidentou com o outro Gordini 32 e Georges Burggraff foi o 4º com outro Gordini 16, mas duas voltas atrás.
A derradeira prova de Nano no campeonato de F-1 em 1956 foi o GP da Itália em 2/9/56 onde Nano sai de 20º lugar e Manzon de 22º e Andre Simon em 24º e último no grid.
Foto: Nano e o Gordini T32 em Monza (2/9/56). Para impulsionar o Tipo 32, Gordini concebeu um ultraclássico motor de oito cilindros em linha com duplo comando de válvulas no cabeçote com 2,5 litros que era o limite da cilindrada da F-1. (foto site histórias que vivemos)
Nano e Manzon se retiram após poucas voltas e Simon escala o grid até o 9º lugar, mas com 5 voltas de atraso.
Foto: seu velho e querido amigo Alfonso “Fon” de Portago faz um gracejo arrancando um leve sorriso de Nano que se prepara para levar à pista o belo Gordini T32 (foto reprodução).
Em 23/9/56 foi disputada a Coupe D`Automne em Montlehry. Essa prova assinalou nova vitória de Nano, mas parece que sob um regulamento que permitiu carros esporte e monopostos de diferentes cilindradas, porque pelos poucos dados disponíveis Nano venceu com o Gordini Tipo 32 de F1 deixando em segundo Andre Pilette, com Jaguar D Type e em terceiro a Osca MT 4 com motor 1.500 do veterano Louis Chiron.
Em 30/9/56 Nano foi para a Copa Shell em Imola, Itália, uma prova para carros esporte de baixa cilindrada (até 1,5 litros) com o Gordini T15 S com o motor de 1,5 litros. O Gordini já sinalizava a idade e Nano se contentou com um 6º lugar atrás de carros mais modernos como a Osca MT4 de Castellotti, o Cooper Climax T 39 de Jack Brabham, as Oscas MT 4 de Musso e Cabianca e o Lotus Eleven Climax de Herbert Mckay-Fraser (este último um piloto americano nascido no Brasil). A nova geração de carros ingleses como o Cooper e o Lotus começava a aparecer com força nas baixas cilindradas com o eficiente motor clímax 1.5. O oitavo lugar nessa prova foi o próprio patrão da Lotus, Colin Chapman, com outro Lotus Eleven.
Em 7/10/56, Nano estava novamente nas Coupes du Salon em Linas-Montlehry com o Gordini T15 S com o motor de 3 litros, mas um superaquecimento o colocou fora da prova vencida pelo Maserati 300 S de Francisco Godia Sales que deixou em segundo o Jaguar D Type de Duncan Hamilton e em terceiro o Talbot Maserati de Jean Behra. Esse mesmo evento disputado em pista molhada marcou os trágicos acidentes fatais que separadamente vitimaram Louis Rosier e Benoit Musy.
Finalizando a temporada, Nano fez uma longa viagem para Caracas para o GP da Venezuela em 4/11/56. Com o Gordini T15 S com motor de três litros Nano não terminou a prova por problemas elétricos (magneto). Na prova disputada pelos melhores pilotos da época venceu Stirling Moss (Maserati 300 S) que deixou Fangio (Ferrari 860 Monza) em segundo com Jean Behra (Maserati 200 S) em terceiro.
A equipe Gordini levou dois carros com motor de 3 litros para Nano e para o Barão italiano Fabrizio Serena di Lapigio e um carro com motor de 2 litros para o português naturalizado venezuelano João (ou Juan) Rezende dos Santos. Deles só Rezende dos Santos terminou em um distante 13º lugar.
Foto: Lendários pilotos de todas as nacionalidades no briefing dos pilotos em Caracas logo antes do GP da Venezuela de carros esporte. Da esquerda para direita o lendário campeão argentino Juan Fangio (de capacete escuro), o espanhol De Portago, o franco-americano Harry Schell ajeitando algo entre as mãos, o brasileiro Nano de gorro de pano claro, o famoso playboy/piloto amador dominicano Porfírio Rubirosa, o sueco Jo Bonnier que é a figura mais alta de bigode e cavanhaque e, por fim, bem à direita de capacete claro o grande astro inglês Stirling Moss. (foto site-histórias que vivemos).
Foto: A Gordini mandou para Caracas diferentes versões (tanto em carroceria como em motor) de seu modelo Sport. Da esquerda para direita o T 24 S, 2 litros, de Rezende dos Santos, o T15 S, 3 litros, de Nano e o T44, também 3 litros, de Fabrizio Serena di Lapigio (foto site - histórias que vivemos).
Foto: GP da Venezuela Circuito urbano de Caracas, 4/11/56. Na largada à direita está a Maserati 300S nº 8 de Moss na pole position, mas fazendo uma ótima largada no centro está a Ferrari de Harry Schell de capô claro nº 6 que vinha do 4º lugar no grid, aparecendo à esquerda Fangio na Ferrari 860 Monza nº 2 (segundo do grid). Teoricamente mais à esquerda estaria De Portago que relatou para Nano sua emoção por estar largando ao lado de Fangio. Atrás à esquerda de Fangio está a Maserati 200 S nº 10 de Jean Behra que era a quinta no grid. Outra boa largada foi a de Nano no Gordini nº 26 que largando do 9º lugar é bem visível atrás da Ferrari de Schell. À direita de Nano está a Alfa Romeo 6C 3000 CM nº 16 de Jo Bonnier que era 6ª no grid. (foto site - histórias que vivemos - col. Flia Marcotulli)
UMA EQUIPE QUE FOI PARA O CÉU
Hawthorn, Fangio, De Portago, Castelotti, Collins, Moss e Gendenbien. Entre 1956 e o começo de 59, só Fangio, Moss e Gedenbien tinham sobrevivido
Com a saída de Fangio no final de 1956 a Scuderia Ferrari anuncia no começo de 1957 sua incrível equipe com os ases ingleses Mike Hawthorn e Peter Collins, os maiores pilotos italianos daquele tempo Eugenio Castellotti e Luigi Musso e a estrela ascendente espanhola Alfonso de Portago.
Apenas dois anos depois, em janeiro de 1959, estavam todos mortos.
Quase todos ao volante de Ferraris. O único que parecia escapar da sina foi Mike Hawthorn que após se tornar campeão de F1 em 1958 com a Ferrari anunciou sua aposentadoria. Três meses mais tarde em janeiro de 1959, o estiloso campeão inglês que sempre pilotava trajando uma gravata borboleta desapareceu em um acidente de estrada dirigindo seu Jaguar.
A TEMPORADA DE 1957
Em 1957 Nano ainda disputou algumas provas de F-1 extra campeonato pela Gordini. Em 22 de abril Nano participou do GP de Pau na França com um Gordini 32. Com um campo mais fraco de concorrentes, Nano consegue o 9º lugar do grid entre catorze participantes deixando seus colegas de equipe Andre Guelfi em 10º e Andre Simon em 11º. Nano termina em um bom 6º lugar, com 6 voltas de atraso, mas na frente de Guelfi em 7º enquanto Simon abandona. Jean Behra venceu com o Maserati 250 F
Poucos dias após teve lugar o GP de Nápoles no Circuito de Posillipo em 28 de abril de 1957. Também com um campo mais fraco de concorrentes, Nano estava com o Gordini 16 e conseguiu o 7º lugar do grid entre dezesseis participantes, mas abandona após 14 das 60 voltas previstas. Venceu Peter Collins com Mike Hawthorn em segundo, ambos com Lancia Ferrari D 50. Essa foi a última aparição de Nano pela Gordini
De 11 para 12 de maio de 1957 foi realizada a última Mille Miglia e a morte de Alfonso de Portago e Ed Nelson em um terrível acidente que vitimou espectadores e crianças, abalou profundamente Nano.
Foto: 12/5/57: A Ferrari 335S de De Portago/Nelson pouco antes do acidente fatal na Mille Miglia de 1957 (foto motorsport magazine). O desaparecimento de seus amigos foi outro duro golpe para Nano.
Nano desiste de participar do GP de Monaco em 19 de maio e a equipe Gordini não mais seria vista nas provas do campeonato de F-1 nem nas provas extra oficiais da temporada
Em setembro de 1957 Nano volta a aparecer nas competições desta vez no Tour de France, disputando a categoria Turismo com um Jaguar MK I em dupla com Edouard Monnoyeur. Nano parece se encaminhar para o triunfo na categoria quando uma falha causa seu abandono. Na categoria GT venceram as Ferraris 250 GT de Gendenbien/Bianchi, Trintignant/Picard e Lucas/Malle. Na categoria turismo após o abandono de Nano a vitória foi para a Alfa Romeo de Hebert/Lauga.
Foto: a famosa subida de montanha de Mont Ventoux era uma etapa especial cronometrada do Tour de France. Nano aborda agressivamente a montanha exigindo tudo de seu Jaguar MKI. Uma quebra o privou da vitória na categoria turismo do Tour de France de 1957.
Mas foi justamente a retirada da Gordini no final de 1957 e os eventos trágicos na Ferrari entre 1957 e 1958 que acabaram levando Nano para novos caminhos e eventualmente para a mesma Scuderia Ferrari um pouco mais adiante.
1958 – Novas Sensações
Nano voltou às pistas em 1958 com uma programação bem mais eclética envolvendo F-2 e carros esporte.
Talvez com saudade de seu Aston Martin, Nano queria voltar em alto nível para a categoria GT (Grã Turismo) das provas de carros esporte e, para tanto, adquiriu junto a Jean Estager uma Ferrari 250 GT Berlinetta (chassis 0749GT). Uma escolha muito feliz porque essas Ferraris 250 GT de chassis longo estavam dominando a categoria. Nesse período Nano se aproximou do chefe da equipe Ferrari Nello Ugolini.
Ugolini já conhecia Nano e sabia das agruras dos pilotos da equipe Gordini, mas viu que Nano tinha talento e bom curriculum de forma que ele imediatamente “entrou no radar” da Scuderia Ferrari e começou a receber apoio embora seu carro continuasse a ser inscrito nas provas como “particular” (em nome do próprio Nano).
Em seguida Nano mostrou seu ecletismo como piloto fazendo duas provas de F-2, junto com suas atividades na categoria GT.
UM FIM DE SEMANA... E TRÊS CORRIDAS
Em 7/4/58 Nano iria participar do GP de Pau disputado nesse ano no regulamento de F-2. Os monopostos Cooper de motor traseiro central eram a sensação da F-2 e a marca britânica começava a ter sucesso também na F-1 principalmente com os Coopers da equipe particular de Rob Walker que já haviam vencido o GP da Argentina de F-1 em uma atuação histórica de Stirling Moss.
Curiosamente, na véspera, Nano foi assistir a corrida dos carros esporte e GT de baixa cilindrada (0,75, 1,1 litro, 1,3 litros e até 2 litros na categoria GT). Nano assistia a prova no box quando repentinamente parou seu amigo Jean Claude Vidilles com seu Lotus XI (ou Lotus Eleven) e pediu a Nano para substitui-lo pois se sentia mal. Vidilles entrega o capacete a Nano e pede para ele assumir o volante. Mostrando seu ecletismo, Nano logo se acostuma ao pequeno e leve Lotus. Aproveitando que conhecia bem o circuito, logo recupera as posições perdidas e vence sua categoria.
Foto: O Lotus XI (ou Eleven) com motor Coventry Climax era um carro muito leve, aerodinâmico e rápido. O gentleman driver Jean Claude Vidilles foi visto várias vezes no carro. Presumimos, sem certeza, que se trate do chassis 511 (foto leilões Aguttes). Esse carro ou outro do mesmo tipo foi o que Nano guiou na sua inesperada vitória em Pau /1958, substituindo Vidilles ao volante.
No evento principal, o GP de F 2, o favorito em Pau era Maurice Trintignant que além de grande conhecedor do circuito trazia um bem preparado Cooper T43 F2 para sua estréia na lendária Equipe de Rob Walker.
Mas sinuoso traçado urbano de Pau era uma das pistas favoritas de Nano que largou da segunda posição
Trintignant e Nano foram surpreendidos pelo Osca F2 de Giulio Cabianca que ficou na “pole” com Nano em 2º e Trintignant em 3º. Mas, dada a largada, prevaleceu a ordem natural das coisas com Trintignant em primeiro e Nano em segundo, posições mantidas até o final das 50 voltas. Cabianca terminou em terceiro uma volta atras.
Foto: Largada do GP de Pau (7/4/58). Trintignant assume a ponta no Cooper T 43 ou MK II nº 10 da equipe de Rob Walker. Nano, por dentro, está em segundo no Cooper T45 MKIII nº 10 da Equipe de Alan Brown. O regulamento de F-2 admitia carros carenados e em seguida vem o Porsche 550 nº 8, com posição de volante central, do piloto francês Auguste Veuillet.
Segundo o livro “definitivo” de Doug Nye sobre a Cooper, o carro de Trintignant era o MKII chassis F2/16/57 e o de Nano o MKIII chassis F2/2/58.
A se notar que aos 40 anos Trintignant estava em grande forma e em seguida (18/5/58) iria vencer o GP de Monaco de F-1 também com um Cooper Climax da equipe Walker.
No mesmo dia,7/4/58, Nano largou para a prova de carros esporte de 3 horas, mas não foi muito longe batendo seu Ferrari 250 GT. Essa Ferrari já tinha se acidentado no Tour de France de 1957 com Jean Estager e embora o chassis tenha sido revisado, os freios apresentavam falhas e travavam. A prova de 50 voltas foi vencida por Olivier Gendenbien e tanto ele como praticamente todos os adversários até o 9º lugar estavam com Ferrari 250 GT
Foto: em Pau – França (7/4/58) Nano largou para as 3hrs para carros esporte com sua Ferrari 250 GT. Uma falha nos freios levou a uma batida logo no início da prova. Nano tira o capacete observando o carro que “beijou” os fardos de feno que protegiam a pista. (foto Automobile historique)
A VIDA NA FERRARI
Em seguida à essa “estréia” malfadada em Pau ao volante de uma Ferrari, Nano recebe um telegrama lacônico de Enzo Ferrari convidando para uma reunião em Modena.
Após o tradicional “chá de cadeira” que Ferrari costumeiramente dava em seus visitantes Nano é recebido e logo leva um conselho – ou advertência- “primeiro é preciso se manter na pista, depois é preciso andar rápido........e não vou repetir essas palavras” (em outras palavras, é preciso terminar a corrida para vencer a corrida).
Em 18/5/58 a Ferrari já estava “em forma” novamente e Nano foi participar do GP de Spa (Bélgica) para carros esporte no circuito de Spa- Francorchamps. Nano brilhantemente venceu a categoria GT ficando em 10º lugar na classificação geral. A corrida foi vencida pelo Lister Jaguar de Masten Gregory.
Essa prova é famosa por vários motivos. O principal e mais trágico é o acidente fatal de Archie Scott-Brown. O segundo é que essa prova proporcionou um confronto de carros esporte (que a rigor eram protótipos da época) de altas cilindradas como o os Lister Jaguar 3.8, Aston Martin DBR2 e Jaguars D Type mais antigos ( 3.4 e 3.8) contra protótipos mais modernos como Ferraris 250 TR no regulamento de 3 litros e Maseratis 200 S do regulamento de 2 litros. E, por fim, a prova foi importante porque lá estava o jovem Jim Clark que chegaria em 8º com o velho Jaguar D-Type branco da equipe Border Reivers.
Após ver o louco duelo de Masten Gregory com Archie Scott Brown ambos em seus Lister Jaguar, Clark observou algo como “ se isso é automobilismo, é melhor eu me afastar agora..”. Clark não se afastou e, pelo contrário, se tornou um dos maiores pilotos de todos os tempos. Mas longo dessa terrível disputa com Masten Gregory o grande Archie Scott Brown sofreu um acidente e veio a falecer dos ferimentos.
Foto (em outra prova) O jovem Jim Clark – futuro bi campeão mundial de F1 e vencedor de Indianápolis- também participou das 3hs de Spa em 1958 com o velho Jaguar D Type short-nose branco da Border Reivers.(foto em outra prova) O Jaguar estava na categoria esporte acima de 3 litros. Clark chegou em oitavo e Nano com o Ferrari de 3 litros chegou em décimo vencendo a categoria GT.
Após a vitória na categoria GT na prova belga, Nano ganhou um telegrama vindo diretamente de Modena com felicitações do “Comendatore”.
Em 1/6/58 havia uma inscrição prévia de Nano com Andre Guelfi na Ferrari 250 GT para os 1.000 kms de Nurburgring, mas a inscrição não se confirmou.
Em 5/7/58 aconteceriam as 12Hs de Reims para carros esporte como preliminar da prova de F-2 e do GP de F-1. A Ferrari indica sua estrela ascendente, o americano Phil Hill, futuro campeão de F-1, para fazer dupla com Nano. É um fato significativo pois Phil Hill já vinha fazendo provas de carros esporte e F-2 pela Scuderia Ferrari e, antes do final do ano, com as mortes sequenciais de Musso e Collins já estaria “promovido” para a equipe de F-1.
Outro americano, só que recém chegado, era Dan Gurney. Ele já estava no “radar” da Ferrari e foi indicado para partilhar a Ferrari 250 GT de André Guelfi. Este último, amigo de Nano, ficou receoso, mas logo Phil Hill deu a Nano as referências sobre Gurney, deixando Guelfi mais tranquilo.
Phil Hill e Dan Gurney foram os melhores pilotos americanos de carreira internacional entre o fim dos anos 50 e os anos 60.
Nano recorda com carinho que Phil Hill que além de piloto tinha bons conhecimentos de mecânica e fez um acerto especial na suspensão esquerda do Ferrari onde o carro se apoiava porque quase todas as curvas de Reims eram à direita. Hill estava preocupado porque sabia que Gurney era muito rápido. Nano fez o primeiro turno de pilotagem porque Hill não queria um confronto direto com as 250 GT da Ecurie Francorchamps numa das quais estava seu colega de Scuderia Ferrari Olivier Gendenbien.
Na largada à noite Nano toma a ponta da categoria GT mas logo uma pane elétrica o deixa quase sem faróis. Nano perde a liderança e segue as luzes da Ferrari de Gendenbien para enxergar a pista e ambos se envolvem em uma disputa com a 250 GT de Gurney. A Ferrari de Nano e Hill começa a enfrentar problemas elétricos sem carga de bateria e a uma certa altura o carro não consegue ligar mais, condenando Nano e Hill a um modesto 10º lugar na classificação geral e 7º lugar na categoria GT na prova de 12hs.
Foto: 5/7/58 No paddock de Reims estão as belas Ferraris 250 GT sendo a nº 66 de Nano e Phil Hill e a nº 80 de André Guelfi e Dan Gurney (foto: forum auto).
Cinco Ferraris 250 GTs ficaram com as primeiras cinco posições nas 12 hs de Reims sendo vencedores os carros da equipe belga Ecurie Francorchamps com Olivier Gendenbien/Paul Frére, seguidos Willy Mairesse/Jean Blaton (“Beurlys”).
No dia seguinte, 6/7/58, com o Cooper T45 da equipe Alan Brown (chassis F2/17/58), Nano iria participar do GP de Reims de F-2, já com um campo bem mais forte de concorrentes e com vários pilotos de F-1 presentes pois a prova era uma preliminar do GP de F-1.
Com adversários de primeiro nível com Behra, Collins, Moss, Trintignant, Brabham, Cliff Allisson, Salvadori, Graham Hill, Bruce Mclaren entre outros, Nano parte em 18º em um grid de 24 participantes e termina em um ótimo 7º lugar apenas uma volta atras do vencedor Jean Behra com Porsche 718 RSK que deixou Peter Collins (Ferrari Dino 156) em segundo lugar.
Pouco depois em 27/7/58, Nano foi participar de uma prova de carros esporte o Trophée d`Auvergne no Circuito de Charade em Clermont Ferrand, ou as “Três Horas Internacionais de Auvergne”. A prova foi vencida por Innes Ireland com Lotus eleven na categoria Esporte, um carro muito leve e ágil que prevaleceu no circuito muito sinuoso seguido por uma série de ases de primeiro nível na categoria GT, entre os quais Trintignant, Mairesse e Gendenbien, todos com Ferrari 250 GT, que chegaram nessa ordem. Nano conseguiu um bom 4º lugar na categoria GT e 5º na geral.
A prova seguinte seria o Tour de France, na verdade uma sequência de provas na França em autódromos, circuitos e subidas de montanha que no final dos anos 50 estava se tornando uma tradição vitoriosa da Ferrari. Tanto que os modelos 250 GT de chassis longo foram chamados de “TDF” ou “Tour de France” evocando os sucessos na prova francesa. E não foi diferente em 1958.
Foto: Tour de France – setembro de 1958 Nano de camisa vermelha troca impressões com Harry Schell (Capacete Branco com simbolo americano) e do outro lado de camisa escura e capacete branco, Olivier Gendenbien. A dupla belga Olivier Gendenbien/ Lucien Bianchi venceu com o carro da foto. Maurice Trintignant / François Picard ficaram em segundo, Nano / Jean Estager em terceiro e Jacques Peron /Harry Schell em quarto, todos com Ferrari 250 GT (Foto revista L`Automobile).
Foto: Tour de France – setembro de 1958 Na etapa disputada no lendário circuito de Rouen-Les-Essarts um grupo das famosas Ferraris 250 GT de chassis longo denominadas TDF ou “Tour de France” em função de seus sucessos nessa mesma prova francesa. Na famosa curva denominada “nouveau monde” a Ferrari nº 162 de Nano/Jean Estager lidera o grupo. A falta de foco não permite identificar a Ferrari intermediária mas a Ferrari clara com a frente danificada é a nº 163 de Jacques Peron /Harry Schell (Foto revista L`Automobile).
Essa temporada de 1958 também marcou a presença de outro brasileiro nas provas européias, Christian (“Bino”) Heins, visto normalmente em Porsche 550, mas não houve ocasião de “Bino” e Nano estarem na mesma prova, o que só ocorreria no ano seguinte como veremos.
1959 – O AUGE E O FIM
1959 parecia ser um ano auspicioso. Nano, que já tinha um bom curriculum com as Ferraris da categoria GT recebeu um novo telegrama de Ferrari o convidando a fazer testes com a Ferrari 250 TR 59 em Modena. Após os testes Ferrari teria dito a Nano que queria tê-lo na equipe na categoria esporte em 1959 para algumas provas do Mundial e no ano seguinte o chamaria para fazer teste em “outra categoria” (que significaria a F-1)
A 250 TR é o que chamaríamos de protótipo. Com o magnífico Ferrari V-12 de 3 litros e uma bela e impressionante carroceria tipo “barqueta” Fantuzzi, Nano recorda um carro veloz, impressionante e fácil de dirigir exceto pelo câmbio não sincronizado de engates diretos. Uma vez adaptado ao câmbio, Nano percebeu que se abriam novos horizontes e que poderia entrar na pista para ganhar.
Também em 1959 Nano fez aparições em GPs de F-1 extra-campeonato com os Maseratis 250F da Scuderia Centro-Sud. A Centro Sud pertencia ao famoso concessionário Maserati, ex piloto, Guglielmo dito “Mimmo” Dei. Como Mimmo Dei tinha a concessão Maserati de Roma ou do centro da Itália para o sul abaixo, sua Escuderia se denominou apropriadamente de “Centro-Sud”.
Pela Centro-Sud passaram uma infinidade de pilotos famosos de primeira linha. Somente pela época que estamos falando (final dos anos 50) já tinham circulado pela Centro Sud, Luigi Musso, Carrol Shelby, Masten Gregory, Jo Bonnier, Dan Gurney, Harry Schell, Maurice Trintignant, Piero Taruffi, Cliff Allison e outras lendas do automobilismo mundial.
Curiosamente os Maseratis 250F eram o “padrão” do carro competitivo da F-1 durante muitos anos e grandes rivais dos Gordinis que Nano pilotou. Mas em 1959 os melhores anos dos Maseratis já tinham passado. A Centro Sud também operava com orçamentos apertados
Pela Centro Sud Nano apareceu em 30/3/59 em duas provas tradicionais do Circuito de Goodwood, Inglaterra. No Sussex Trophy para carros esporte Nano teria usado uma Maserati 300 S da Centro Sud. O registro é que abandonou a prova vencida pelo Lister Jaguar de Ivor Bueb. No Glover Trophy destinado a carros de F-1, Nano usou o Maserati 250 F da Centro Sud. Largando em 11º entre treze participantes e debaixo de uma chuva de granizo, Nano sofreu um acidente após 11 das 42 voltas na prova vencida pelo Cooper Climax de Stirling Moss. Seu colega de Centro Sud, o britânico Jack Fairman também com Maserati ficou em sétimo, mas três voltas atras do vencedor.
Eventualmente o mais significativo resultado de Nano nas provas de F-1 em 1959 veio em 18/4/59 no BARC 200 organizado pelo British Automobile Racing Club no Circuito de Aintree na Inglaterra. A prova admitiu também carros de F2 Estavam presentes todos os grandes protagonistas do campeonato de F-1 daquele ano entre os quais Stirling Moss e Maurice Trintignant nos Coopers de Rob Walker, Jack Brabham, Masten Gregory e Bruce Mclaren nos Cooper Climax oficiais de fábrica, Harry Schell e Jo Bonnier nos BRMs oficiais de fábrica, Graham Hill no Lotus Climax oficial do Team Lotus e dando uma dimensão da importância da prova, lá estava a Scuderia Ferrari com as Ferrari Dino 246 para Jean Behra e Tony Brooks. Outros craques como Roy Salvadory, Trevor Taylor, Ivor Bueb, David Piper, Jim Russell também estavam presentes.
Nada disso acanhou Nano que valentemente levou a velha Maserati da Centro-Sud a um incrível quarto lugar superado apenas pelas Ferraris de Behra e Brooks e pelo Cooper Climax oficial de Bruce Mclaren. Nano largou em 15º entre os 29 presentes e seu colega de Centro Sud, o americano Dale Duncan em 27º.
Foto: Aintree, Inglaterra (18/4/59). Aintree além de circuito automobilístico era um hipódromo. As cercas brancas delimitam a pista de grama das corridas de cavalos. A Maserati vermelha nº 5 da Centro Sud sobreviveu às 200 milhas de prova levando Nano a um belo 4º lugar.
Nano manteve a velha Maserati com cuidado e embora com 4 voltas de atraso assinalou um belíssimo 4º lugar, possivelmente uma das melhores posições de uma vetusta Maserati 250 F nas provas de F-1 de 1959.
O convite da Ferrari estava de pé mas Nano não foi chamado para as 12 hs de Sebring, Acabou sendo convocado para os famosos testes prévios das 24 hs de Le Mans junto com Phil Hill, norte americano e futuro campeão mundial de F-1 e do novo talento inglês Henry Clifford dito “Cliff” Allison.
Nesse teste as impressões de Nano de que poderia ganhar Le Mans se confirmaram quando a Ferrari se mostrou bem mais rápida que seus concorrentes mais diretos como os Aston Martin DBR1.
Em 26/4/59 Nano apareceu no famoso teste de Le Mans inscrito para compartilhar uma das Ferrari 250 TR com Phil Hill e Cliff Allison. Esse carro seria o chassis 0766 TR 59 que vinha de vencer as 12 horas de Sebring com Hill/Gendebien, mas que não seria o carro usado por Nano/Cliff Allison na corrida em si.
Esse carro ficou com o 1º tempo na classificação geral do teste com mais de 200 kms/h de média e a Ferrari Dino 196 S compartilhada por Nano e Giulio Cabianca ficou com o 2º tempo na classificação geral. Nano foi saudado pelo lendário jornal francês Le Figaro como “favorito” para a vitória com seu colega o inglês Cliff Allison. A 250 TR estava na categoria principal (esporte até 3 litros) enquanto a Dino 196 estava inscrita na categoria (esporte até 2 litros) O Aston Martin DBR1 de Jack Fairman ficou em 3º lugar e o de Carrol Shelby (futuro vencedor) ficou em 5º lugar.
Nano não foi convocado pela Ferrari nem para a Targa Florio (24/5/59), nem para os 1.000Kms de Nurburgring (7/6/59), mas foi confirmado para uma das três Ferraris 250 TR oficiais para as 24 hs de Le Mans.
No meio tempo, em 2/5/59, sempre com a 250F da Centro Sud, Nano participou BRDC International Trophy organizado pelo British Racing Driver´s Club no Circuito de Silverstone na Inglaterra. A prova admitiu também carros de F2. Estavam presentes todos os grandes protagonistas do campeonato de F-1 daquele ano.
Nano largou em 15º entre os 24 presentes e seu colega de Centro Sud, o alemão Hans Herrmann se classificou em 22º também com Maserati 250F, mas não largou. Nano abandonou após apenas 16 das 50 voltas previstas com problemas na caixa de câmbio. A prova foi vencida pelo futuro campeão de F1 daquele ano Jack Brabham (Cooper Climax) que deixou atras de si Roy Salvadori (Aston Martin DBR 4) , Ron Flockhart (BRM P 25) e Phil Hill (Ferrari Dino 246).
O chassis da Maserati 250F usada por Nano na Centro-Sud seria o 2507 depois renumerado para 2523 e finalmente para 2522. Esse carro veio participar do GP Cidade de Buenos Aires em fevereiro de 1960 com Gino Munaron e teria sido adquirido por Luis Margarido no Brasil.
Seria eventualmente o mesmo chassis em que o brasileiro Fritz D`Orey pela mesma Centro Sud seria visto no GP da França daquele ano (5/7/59).
Em junho de 1959 vem a chance que Nano tanto esperava:
O tempo dos treinos oficiais confirmou o que verificara nos testes. Na categoria esporte ( entenda-se a categoria principal que anos mais tarde seria denominada “esporte-protótipos”) as Ferraris 250 TR 59 estavam bem mais rápidas que seus concorrentes diretos, os Aston Martin DBR1 e os Jaguar D Types com motor 3 litros e os mais modernos Lister Jaguar e Tojeiro-Jaguar com motor 3 litros.
Em tempo de treino Gurney (colega de Jean Behra) assinalou 4`03”3, Cliff Allison ( colega de Nano) 4´03”6 e Phil Hill (colega de Olivier Gendenbien) 4`04”7. Assim os Ferraris estavam bem mais rápidos que o Jaguar D Type 3 Litros mais veloz da Ecurie Ecosse de Gregory/Ireland que assinalou o tempo com 4`09”7 e dos Aston Martins de Moss/Fairman com 4`10”8, Shelby/Salvadori (futuro vencedor) com 4`12 e Trintignant/Frère 4`14”8.
Nano recorda que quando percebeu que seu Ferrari era mais rápido que o Aston Martin de Stirling Moss nas longas retas de Le Mans começou efetivamente a sentir o “sabor” de uma eventual vitória.
Na tarde de 20/6/59 é dada a largada. Depois de uma hora de prova, Moss puxava o ritmo liderando com seu Aston Martin trazendo Hill, Behra e Allison no encalço em seus Ferraris. Moss seria o “coelho” fazendo a fuga enquanto os demais carros da Aston Martin se poupavam. Por ocasião da primeira parada de box a Ferrari nº 15 de Allison/Nano assume brevemente a ponta. Depois de três horas de prova Behra/Gurney guiando furiosamente sua Ferrari já eram os líderes com o Aston Martin de Moss/Fairman próximo em segundo ambos já uma volta à frente da Ferrari de Hill/Gendenbien o Jaguar D Type de Gregory/Ireland e o Aston Martin de Shelby/Salvadori. Pouco depois, pela quarta hora de prova se retira o Ferrari de Nano/Cliff Allison por quebra do câmbio. Se acabava assim o sonho de Nano de vencer as 24horas
Foto: Em Le Mans o Ferrari 250 TR 59 Chassis 0770 com Cliff Allison.
Foto: Em plena ação o Ferrari 250 TR 59 com Nano ao volante (foto: Automobile historique).
Foto: Le Mans 1959: magnífica imagem do box da Ferrari com as belas 250 TR 59. Com a tranquilidade dos favoritos Olivier Gendenbien de camisa escura está sentado no capô da Ferrari nº 14 conversando com seu colega Phil Hill de camisa clara com os braços cruzados. Atras está a Ferrari nº 15 de Nano/Cliff Allison. Nenhuma das Ferraris 250 TR estaria rodando no final das 24 horas de prova.
A Ferrari amargou uma derrota, perdendo todos seus carros oficiais ao longo da prova, vencida pelos dois Aston Martins DBR1 na classificação geral (Shelby/Salvadori e Trintignant/Frére) salva apenas pela vitória na categoria GT com o Ferrari 250 GT LWB da Equipe Nationale Belge de “Beurlys” (Jean Blaton) e “Eldé” (Leon Dernier) que foram 3º na classificação geral, mas 26 voltas atras do segundo colocado.
A se lembrar que nessa prova, na categoria de 1,5 litros, outro brasileiro Christian “Bino” Heins em dupla com seu amigo, o nobre holandês Carel Godin de Beaufort, chegou a liderar sua classe com Porsche 718 RSK, mas também abandonou antes do fim.
Em agosto de 1959 falece mais um dos grandes pilotos amigos de Nano, o francês Jean Behra, também ele originário da equipe Gordini. Behra encontrou a morte ao volante de um Porsche no circuito de Avus na Alemanha.
No mês seguinte Nano reaparece para sua última prova na Europa, o Tour de France de 1959. Essa prova foi novamente vencida na categoria GT pela Ferrari 250 GT de seus amigos Olivier Gendenbien e Lucien Bianchi, mais uma vez representando a equipe belga Ecurie Francorchamps.
Nano que já havia passado adiante a Ferrari 250 GT, dessa vez voltou a participar na categoria Turismo e mais uma vez com um Jaguar MK I com o famoso seis cilindros 3,4 litros. Uma escolha muito perspicaz porque o Jaguar estava dominando as provas de turismo na época. Seu co-piloto foi novamente Jean Estager. Nano assinala mais uma vitória no que seria sua última aparição em provas européias.
Foto: “O canto do cisne”: O Nano se despediu das provas européias com uma bela vitória na categoria turismo do Tour de France em setembro de 1959. Na foto, bem descontraido, Nano alinha seu Jaguar MK I nº 61, aguardando instruções da direção de prova (foto Automobile Historique)
Por fim em maio de 1960 desaparecia outro dos bons amigos de Nano, Harry Schell, com um Cooper nos treinos para uma prova de F-1 extra campeonato, o International Trophy em Silverstone, Inglaterra
Curiosamente Nano ainda apareceria em uma prova, justamente no Brasil e no Rio onde tudo havia começado.
Seria o Circuito Internacional da Guanabara, uma prova de 150 Kms disputada no Circuito de Rua da Barra da Tijuca em 6 de novembro de 1960.
A princípio a prova estava reunindo os pilotos vistos no Torneio Triangular de Automobilismo envolvendo pilotos brasileiros, argentinos e uruguaios em monopostos da categoria mecânica nacional (também chamada mecânica continental) que eram na maioria das vezes monopostos Maserati e Ferrari com motores dianteiros americanos.
Complementando o “programa” estava prevista uma prova internacional de carros esporte. Entre as presenças internacionais o famoso volante português Mario Veloso de Araujo Cabral (“Nicha Cabral”) que estaria no Maserati 300 S (3 litros) da Scuderia Centro Sud.
Cabral era eventualmente um dos mais famosos pilotos portugueses ente o final dos anos 50 e início dos 60. Ele tinha participado nesse tempo de algumas provas de F-1 (entre elas os famosos GPs de Portugal de 1959 e 1960) infelizmente quase sempre em carros inferiores.
No entanto, na Barra da Tijuca, Cabral era um dos favoritos com Maserati 300 S enquanto outro favorito era o veterano Henrique Casini às vésperas de completar 62 anos de idade inscrito com um poderoso Maserati 450 S.
Também eram candidatos à vitória Luciano Della Porta com a Ferrari 250 TR e o argentino Luis Milan com uma Ferrari 375 Plus,
Nos carros esporte de baixa cilindrada (1,5 litros) estavam presentes o português Daniel Magalhães com Porsche 718 RSK e Nano com um Porsche cujo modelo não conseguimos identificar, mas possivelmente um 718 RSK ou um 550 RS, curiosamente representando a França na prova, possivelmente para dar um aspecto mais “cosmopolita” à prova
Não se entendeu bem porque essa inscrição de Nano representando a França porque também lá estava o conhecido piloto francês Jean Lucas que inclusive tinha sido colega de equipe de Nano na Gordini e que também estaria representando a França em um Cooper Climax. Além deles estava representando a França a conhecida piloto francesa Annie Soisbault com o que acreditamos tivesse sido um Porsche 356, 1.6 litros provavelmente o mesmo carro com que fora vista poucos meses antes no Tour de France
Ainda estariam lá o Gordini-Porsche spyder do casal Kurt e Ana Delfosse representando a Argentina.
Representando a Grã Bretanha duas presenças exóticas:
a) Frank Francis (este possivelmente com um Lotus Elite da categoria GT) um piloto britânico visto nessa mesma época em provas européias de Formula Jr. e
b) o depois famoso piloto de carros esporte e protótipos David Piper (possivelmente com um Lotus Eleven da categoria esporte).
Acreditamos que tenha sido eventualmente a primeira aparição dos carros Lotus no Brasil.
O Globo de 7/11/60 resumiu assim: “Onze volantes alinharam.. o campo bastante heterogêneo incluía duas simpáticas volantes (obs: entenda-se Annie Soisbault e Ana Delfosse), dois carros gran turismo (acreditamos aqui sejam o Porsche 356 de Annie e um dos Lotus que seria um Lotus Elite GT)... e uma meia dúzia de carros de primeira.,,, Logo à partida viu-se que a carreira seria disputada apenas por Henrique Casini (Maserati 450 S), Luciano Della Porta ( Ferrari 250 TR), Mario Cabral ( Maserati 300 S), Nano ( Porsche) e David Piper ( Lotus)... que passaram juntos nesta ordem, na primeira volta.
Della Porta assumiu a dianteira na segunda passagem...... na terceira volta Cabral forçou e obteve o segundo posto...tendo Casini derrapado e passado para o sexto lugar.
.. e Silva Ramos (Nano) ameaçava de perto as posições de Della Porta e (primeiro) e Cabral (segundo)...
Na sexta volta o português (Cabral) passou para a ponta... Della Porta recuperou a liderança na sétima, para perder novamente na oitava, seguindo colado em Cabral até a décima primeira volta quando a Ferrari 250 TR começou a ratear até abandonar. Na decima segunda volta Cassini que tinha se recuperado, assumia o segundo posto atras de Cabral com Nano em terceiro. A corrida se estabilizou com Cabral em primeiro com 15 a 20 segundos sobre Cassini o qual mantinha Nano também à distância.
Até que um espectador imprudente atravessou a pista na 21ª volta. Casini que vinha então em 2º lugar para evitar o espectador derrapou com a Maserati 450 S e foi atingir o repórter da UPI Ruy Del Negro junto a um DKW também imprudentemente estacionado à margem da pista. Del Negro sofreu fraturas nas duas pernas e mais três espectadores se feriram sem gravidade
Foto (site bandeira quadriculada/Jornal do Brasil): Em primeiro plano a Ferrari 375 Plus de Luís Milan. Ao fundo a Maserati 450 S de Henrique Casini se chocando contra um DKW estacionado.
Casini voltou à prova, mas suas chances de alcançar a Maserati 300 S de Cabral que liderava terminaram por ali.
Nano assumiu o segundo posto com o português Daniel Magalhães em terceiro e Casini foi terminar em um distante quarto lugar. O Globo comentou assim... “ Outro grande corredor da prova foi Silva Ramos, cujo carro pequeno não podia render o mesmo que o de Casini, o de Cabral, o de Della Porta, mas que exibiu grande classe nas ultrapassagens e tomadas de curva...”
Cabral venceu e Nano chegou em um belo segundo lugar cerca de 45 segundos depois num Porsche (presumimos ser um 550 de 1,5 litros). Em terceiro o português Daniel Magalhães em um Porsche 718 RSK 1,5 litros (esse era o chassis 034 que Daniel Magalhães usou em várias provas em Portugal com pouco sucesso e o revendeu a Carlos Faustino) seguido da Maserati 450S de Henrique Casini, da Ferrari 375 Plus do argentino Luis Milan, do Lotus (1,3 litros) de Frank Francis e do Porsche 1,6 litros da conhecida volante francesa Annie Soisbault..
Foto O Globo 7/11/60: O Porsche modificado partilhado pelo mecânico/piloto alemão residente então na Argentina Kurt Delfosse e sua esposa Ana Delfosse (nascida Anneliese Hartenau no Chile mas de nacionalidade argentina). Ana, chamada de “Ana Isabel” pelo “O Globo” deu poucas voltas e cedeu o carro a seu marido e o mesmo se viu à voltas com uma quebra de cabo de acelerador. Delfosse acelerou manualmente os carburadores e mantinha um pé no volante para tentar voltar ao box. O malabarismo rendeu a foto do jornal que atribuiu o azar ao número do carro (13). O carro seria um chassis Gordini com motor Porsche 1500, modificado e reencarroçado na Argentina.
Foto O Globo 7/11/60: Cabral considerou a “maior alegria” estrear e logo vencer no Brasil e ser carregado em triunfo após a vitória. Seu maior temor foi o público junto à pista.
A última corrida refletiu praticamente toda a carreira de Nano. Um ótimo resultado com um carro mais fraco que seus competidores diretos.
Nano “pendurou o capacete” em definitivo.
Terminava história da grande geração dos pilotos dos anos 50. Uma geração charmosa e cosmopolita que competia em um automobilismo romântico cheio personagens de forte personalidade, carisma e encanto.
Fangio, Moss, Nano e mais alguns poucos sobreviveram a esse período, mas tantos se foram e se tornaram lendas.......Estrelas eles já eram em vida......