Circuito da Gávea: 1937 - GP Cidade do Rio de Janeiro (Cap. 7)
• Por Alfa RomeoCapítulo 7 do incrível artigo elaborado por Alberto Maurício Caló sobre o Circuito da Gávea.
CIRCUITO DA GÁVEA – 1937 - GP Cidade do Rio de Janeiro
(CAPÍTULO 7) Por Alberto Maurício Caló
MAIS PERSONAGENS MARCANTES DO RIO DE 1937
1937: O Brasil que tinha Bidu Sayão, Villa Lobos, Guiomar Novaes e Carmem Miranda... entre outros.. em um tempo em que Dondon jogava no Andaraí.....
Foto: no fim de semana da Gávea (4/6/37) os jornais noticiavam a volta triunfal de da soprano carioca Balduina de Olveira Sayão ou simplesmente “Bibu” ou “Bidu” Sayão (1902-1999) ao Brasil para breve apresentação antes de seguir para a temporada novaiorquina no Metropolitan Opera House.
Foto: No ano anterior ao de nossa corrida (1936), Bidu Sayão posa tendo ao Fundo o Cartaz que anuncia sua estréia no Carnegie Hall de Nova York regida pelo lendário Maestro Arturo Toscanini.
Bidu Sayão em foto posterior de 1945 é vista como outro gigante da musica Brasileira, o Maestro Heitor Villa Lobos (1887-1959) que exatamente no período Vargas foi chamado a criar um programa de educação musical/artística nas escolas, famoso pela instituição dos corais juvenis de “canto orfeônico”. Foi no período de nossa corrida que Villa Lobos compôs as músicas patrióticas do canto orfeônico. Participante da Semana de Arte Moderna de 1922 e expoente da musica clássica brasileira, Villa Lobos foi apoiado financeiramente em suas tounées européias pelo mesmo Carlos Guinle, benfeitor do automóvel clube e incentivador do circuito da Gávea desde seu início.
Foto: Villa Lobos rege os estudantes nas celebres apresentações de canto orfeônico (possivelmente a famosa apresentação de 7 de setembro de 1940 em que Villa Lobos regeu 40 mil estudantes no Estádio de São Januário).
Foto: Guiomar Novaes (1894-1979) em 1938 foi reconhecida pela imprensa americana como melhor pianista do mundo e patrioticamente divulgou com entusiasmo as obras de Villa Lobos.
Foto: nos anos 30 a figura mais senior da ópera no Rio era a famosa Gabriela Besanzoni (1888-1962). A lendária meio-soprano/contralto italiana era grande anfitriã de magníficas festas no Rio dos anos 30 em que recebia com seu marido, o armador Henrique Lage, na residência hoje conhecida como Parque Lage. Apesar de certa rivalidade com Bidu Sayão, fato é que Gabriella estava na fase final de sua brilhante carreira e se postava mais como incentivadora das artes em geral. Em 1937 Gabriela era a Diretora Artística do Theatro Municipal do Rio. Gabriela teria sido presenteada por Henrique com vários carros de luxo entre os quais alguns Isotta Fraschini da série 8 A de meados para final dos anos 20 com carrocerias produzidas pela Carrozzeria Castagna de Milão.
Foto: em 1937 chegavam quase que diariamente vários artistas internacionais para temporadas nos cassinos do Rio entre os quais o Cassino da Urca , o Cassino Atlântico e o Cassino do Copacabana Palace Hotel. Às vesperas de nossa corrida da Gávea a noticia da chegada de Gloria Gilbert, que estreava no Cassino da Urca, ilustra o destaque que a imprensa dava para esses eventos, com certo exagero sobre o “estrelato” dos estrangeiros.
Cassino da Urca em foto interna, O conjunto musical “emergia” ou “submergia” no palco em plataformas e os murais espelhados multiplicavam o efeito.
Fotos: Epson? Royal Ascot? Não!! - no Rio de Janeiro início dos anos 30- as corridas de cavalo eram um dos passatempos favoritos do fim de semana e no hipódromo da Gávea as tribunas lotavam de espectadores elegantes nos dias das corridas mais importantes. O fraque longo com cartola é envergado pelo grande idealizador do Jockey Club Brasileiro, Linneo de Paula Machado (que unificou no Rio o Jockey Club com o Derby Club) em foto possivemente de 1932. No ano de nossa corrida, 1937, ganhou o GP Brasil o cavalo argentino Helium, propriedade do também lendário proprietário e criador Antenor de Lara Campos.
The one and only.... Carmem Miranda
A pequena notável Carmem Miranda era uma das maiores estrelas populares do Brasil de 1937 e pronta para decolar para as telas de hollywood
Foto: Carmem Miranda era uma apreciadora de belos carros. Carmem e sua também famosa irmã Aurora Miranda teriam sido assíduas espectadoras do Circuito da Gávea. Carmem teria tido um - ou dois - magníficos Cords da série 800 (810/812) sendo o fechado da foto e talvez mais um conversível, mantidos em sua residência no Bairro da Urca (RJ).(foto Antigos Verde e Amarelo/ Acervo Herve Salmon).
Os Cords da série 800 desenhados por Gordon Miller Buehrig eram especialmente estilosos, mecanicamente sofisticados e muito caros (cerca de US$ 3.000, ou o mesmo que certos modelos Cadillac ou Lincoln novos). Os Cord foram a escolha de grandes personalidades norte americanas daquele tempo como a célebre aviadora Amélia Earhart, aqui já retratada com seu “phaeton”, o lendário arquiteto Frank Lloyd Wright e os astros do cinema Gary Cooper e Tom Mix, do cineasta Cecil B. de Mille só para citar alguns clientes dessa série 810/812, pois modelos anteriores da Cord também foram a preferência dos irmãos Marx, entre outros famosos.
Alguns biógrafos citam que a atriz possuiria um 812 sportsman conversível azul celeste de 1935 com a placa P.7-655. Isso leva a uma série de dúvidas, inicialmente por uma possível confusão do ano, pois que o modelo foi denominado “812” apenas para o ano /modelo 1937 (embora se soubesse que alguns 812 de 1937 fossem do estoque não vendido fabricado em 1936 na versão 810 e atualizados para 1937).
Segundo outras versões o modelo aberto de Carmem seria mais exatamente um 812 phaeton supercharged 1937 (e não um “sportsman”).O Phaeton era um conversível de 4 lugares e Sportsman um conversível de 2 lugares.
A questão da placa: A placa P.7-655 é vista na foto acima com o sedã, nos leva à hipótese de que a atriz tivesse os dois carros como alguns biógrafos apontam. Porém, P.7-655, a julgar pela imagem, seria corretamente a placa do sedã OU que Carmem poderia ter trocado o sedã pelo conversível e levado a placa de um para o outro (naquele tempo a placa era vinculada ao proprietário e não ao carro) OU que Carmem tivesse mantido os dois Cords, reemplacando o sedã e levando a placa P.7-655 para o conversível o que também seria possível (quem sabe?).
Outra dúvida é o modelo do sedã: Algumas fontes apontaram como um “Westchester” e outras como um “Beverly” (opção mais luxuosa). Os Beverly tinham diferenças internas de acabamento e a opção de carroceria com porta-malas mais protuberante, o "Bustleback trunk", embora nem todo Beverly viesse necessariamente com a opção "Bustleback trunk". O recorte lateral cromado no capô do carro da foto (visto próximo da mão direita da atriz) leva à conclusão de tratar-se de um “supercharged” e eventualmente um dos raros sedãs Beverly Supercharged. Mas como os Westchester também tinham essa opção de motor, não podemos chegar a uma conclusão definitiva pela falta de imagens da parte posterior do carro.
A questão das cores: O conversível de Carmem é por vezes apontado pelos biógrafos como um azul celeste.(em inglês um “light blue” ou “light pastel blue” ou “sky blue” ou “pale blue”). Segundo alguns seria, inclusive, a cor original do Cord Phaeton de Amelia Earhart, mas isso também é cercado de algum mistério.
Existe hoje um 812 supercharged azul claro que teria pertencido a George Putnam, marido de Amélia e dizem que Amélia apelidava essa cor de Eleanor Blue em homenagem à então primeira dama americana Eleanor Roosevelt sua amiga. Porém Amelia aparecia em suas fotos promocionais com seu Cord e seu avião Lockheed (vide parte 1 deste texto) ficando claro tratar-se de 812 phaeton (OU um 810 phaeton) MAS que certamente não era um supercharged e que foi recentemente restaurado no seu tom bege original no que seria a cor de catálogo denominada “Palm Beach Tan”.
Teria o casal dois Cords diferentes? Quanto à questão do Cord conversível de Carmem ser um azul celeste também não encontramos correspondência do azul celeste na paleta de cores da Cord sendo que o “geneva blue” era um azul mais escuro e “cool orchard green” era um verde de médio para um pouco mais claro.
Mas, só para complicar, segundo algumas fontes além das cores de catálogo a Cord faria eventualmente pinturas na cor ao gosto do freguês de onde poderia ter surgido o azul celeste. Outra hipótese é que o carro tenha nascido em uma das cores de catálogo e repintado no Brasil. Para adicionar um mistério, precisamos citar que outras fontes anteriores apontaram também esse conversível de Carmem como um amarelo claro (o “cigarette cream” de catálogo) ou um creme/marfim (o tom “ivory” de catálogo). Já o sedã escuro da foto poderia ser no catálogo de cores da Cord um preto (black) ou, mais possivelmente, marrom escuro com leve toque bordeaux (o famoso “rich maroon”) ou outra cor escura como o citado “geneva blue” (quem sabe?).
“O carro das estrelas”: A atriz britânica Vivien Leigh fez uma propaganda enumerando seu esporte favorito, sua ópera favorita, seu perfume favorito e seu carro favorito...claro o Cord Supercharged. Dois anos depois, em1939, ela seria a grande estrela de “E o vento levou” no famoso papel de Scarlett O'Hara.
O concessionário Auburn/Cord do Rio, Laudeonor Lopes, não deixou registros (nem o concessionário de SP) mas sabe-se no Rio tinha show-room e oficina na Praia de Botafogo,320, no bairro homônimo e no pós-guerra a famosa oficina Woerdenbag do Rio atendeu os proprietários de Cords e outros carros de alto luxo da elite carioca, sem porém que se possa ter informações absolutamente exatas sobre o(s) Cord(s) de Carmem Miranda
Enfim, nenhuma dessas hipóteses, porém, tira o glamour do fato de que Carmem Miranda dirigia Cords e que “Carmem e Cord” formavam um conjunto fascinante que entrou no imaginário brasileiro da época.
1937 – O TEMPO QUE DONDON JOGAVA NO ANDARAÍ
Claro que em 1937 o futebol já tinha se consolidado no papel de esporte favorito dos brasileiros e os grandes ídolos do esporte eram primordialmente os futebolistas.
Em 1937 o primeiro grande ídolo do futebol, Arthur Friedenreich, já tinha encerrado sua carreira e novos ídolos ainda estavam começando como o célebre Heleno de Freitas
Sem dúvida em 1937 o grande craque e ídolo nacional do futebol, na plenitude de sua fama, era o lendário Leonidas da Silva (apelidado “Diamante Negro”) titular e artilheiro da Seleção Brasileira e grande ídolo tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo que eram os dois grandes centros futebolísticos do Brasil e onde se recrutavam os jogadores da seleção.
Foto: Leonidas da Silva o “Diamante Negro” era o grande ídolo do futebol brasileiro, visto acima à esquerda com a camisa do Flamengo pelo qual jogava em 1937 e, em época posterior, com a do São Paulo F.C em cuja estréia o Estádio do Pacaembu em SP bateu o recorde -até hoje não igualado- de 70 mil espectadores em 1942.
Curiosamente, porém, se cunhou uma expressão no Rio de Janeiro para se referir a tempos antigos, tempos passados, pré segunda guerra, ou para qualquer coisa mais antiga. A expressão para se referir a coisas antigas era “o tempo que Dondon jogava no Andaraí”.
Essa expressão que basicamente virou sinônimo de “um tempo antigo” foi retratada na musica e letra de Nei Lopes, “O Tempo de Dondon”, (também conhecida como “No tempo que Dondon jogava no Andaraí”) gravada mais recentemente pelos célebres cantores Zeca Pagodinho e Dudu Nobre com grande sucesso.
Dizia a música que.... motorista era chofer, cachaça era Paraty, revista pequena era gibí, as mulheres faziam “mis-en-plis” e..... acréscimo nosso... garoto pequeno era guri......no tempo que Dondon jogava no Andaraí...
O “mis-en-plis” (pronuncia-se “mizanplí”) era uma forma de cachear de forma ondulada os cabelos com bobs ou bobes muito em moda nos charmosos penteados femininos da década de 30.
O imaginário popular se indagava se aquilo tinha existido e muitos acham até hoje que Dondon e o time do Andaraí eram personagens fictícios que nunca existiram. Mas, de fato, Dondon (Antonio de Paula Filho) foi um conhecido zagueiro de futebol que jogou entre 1932 e 1938 no Andarahy Athetico Clube, equipe de futebol que realmente existiu no famoso bairro da zona norte carioca mas que já está extinto desde a decada de 1970. Em seus aureos tempos da década 30, o Andarahy chegou a ser vice-campeão carioca em 1934. Portanto, houve de fato um Dondon do Andaraí sem que se confunda com outro jogador apelidado Dondon, um mineiro que jogou na seleção na mesma época (Paulo Alves dos Santos).O ano da corrida da gávea que retratamos é exatamente um dos anos em que Dondon jogava no Andaraí e segue nossa homenagem.
Foto: possivelmente uma das únicas imagens do jovem “Dondon” (Antonio de Paula Filho) trajando a famosa camisa listrada alviverde do Andarahy Athletico Clube.
Foto: Escudo e uniformes do Andaraí Athlético Clube (agremiação existente entre 1909 e 1973).
Atenção: As imagens foram retiradas da internet para ilustrar a matéria, que por sua vez não possui qualquer fim lucrativo. Caso o leitor reconheça alguma delas como de sua propriedade, pedimos encarecidamente que o mesmo entre em contato conosco que removeremos ela da página.
Capítulo Anterior Próximo Capítulo