Circuito da Gávea: 1937 - GP Cidade do Rio de Janeiro (Cap. 6)
• Por Alfa RomeoCapítulo 6 do incrível artigo elaborado por Alberto Maurício Caló sobre o Circuito da Gávea.
CIRCUITO DA GÁVEA – 1937 - GP Cidade do Rio de Janeiro
(CAPÍTULO 6) Por Alberto Maurício Caló
PERSONAGENS MARCANTES DO RIO DE 1937
O Rio vibrante do final da década de 30 era pleno de personagens marcantes na política, nas artes, no esporte, na literatura, no jornalismo e, obviamente, citar apenas alguns deles não fará justiça a esse panorama carioca em “ebulição”. O Brasil estava em plena campanha presidencial e, claro, não se tinha ciência plena de que viria a decretação do “Estado Novo” naquele mesmo 1937. O resto do Brasil era igualmente interessante, mas não poderemos nos alongar. Vamos nos limitar a citar alguns personagens do Rio e São Paulo. Alguns mais diretamente envolvidos com a prova da Gávea e que serão abordados com mais detalhes e outros simplesmente por serem emblemáticos da efervescente década de 30.
Carlos Guinle- Presidente do Automóvel Club do Brasil
Muito já foi dito sobre a atuação da família Guinle em todos os ramos da indústria comercio e serviços.
Eduardo Guinle e Candido Gaffrée eram empresários franceses que no Rio se dedicaram ao comercio e importação, mas que no final do segundo império ganharam a concessão para explorar e ampliar o porto de Santos no momento em que São Paulo assumia a liderança na produção do café e o Brasil se colocava como maior exportador mundial do produto.
“Estes “homens novos” não dispunham de riqueza e famílias tradicionais, nem contatos, posições políticas ou atividades urbanas. Eles “entraram”, no entanto, por motivos bastante tradicionais – dinheiro novo ganho no final do império e início da república. Talvez os mais famosos entre esses novos ricos fossem os Guinle, famosos pelo charme pessoal e pelo estilo de vida cultivado à custa de uma fabulosa fortuna, produto das circunstâncias específicas da época...”
“Não se pode ficar muito tempo no Rio sem ouvir o nome Guinle que avulta com igual importância nos círculos industriais, financeiros, comerciais e sociais. Imensamente ricos e empreendedores......”
Jeffrey D. Needell 1993 no livro Belle Èpoque Tropical
A segunda geração dos Guinle aliou sua extraordinária fortuna ao empreendedorismo, à caridade, à doação e ao mecenato. Beneficiaram-se as artes, as letras, as ciências e o esporte e as marcas dessa atuação estão até hoje principalmente na cidade do Rio de Janeiro que era a principal praça de seus empreendimentos e na Cidade de Santos (onde tinha sua principal operação a Cia. Docas de Santos). Santos recebeu grandes melhoramentos em saneamento e urbanização por obra da poderosa “Docas de Santos” e o resultado ampliado, pode ser visto ainda hoje, pois Santos, no momento em que esta obra é escrita, ainda lidera “rankings” como a “melhor cidade do Brasil” em vários quesitos.
Foto: Carlos Guinle é visto aqui em sua mansão de Botafogo posando com seu Chrysler Imperial 80. Entre seus belos automóveis teria havido também um Rolls Royce Phantom I. O Chrysler 80 era o Top de linha da Chrysler (o 80 significando uma garantia de velocidade de cruzeiro de 80 milhas ou 129 Kms por hora). Era um carro extremamente caro para época podendo chegar a mais de 5.000 dólares conforme a carroceria, sendo as conversíveis como a de Carlos Guinle, as mais caras e normalmente encomendadas aos grandes encarroçadores americanos daquele tempo como Le Baron, Dietrich e Derham.
Nesse contexto, dentre os irmãos Guinle quem nos interessa é especialmente a figura de Carlos Guinle que era o mais entusiasmado pelo automobilismo e coordenava a organização do Circuito da Gávea desde a primeira edição em 1933. Carlos Guinle e sua esposa Gilda conseguiram com extraordinária desenvoltura colocar o Brasil no panorama da elite mundial. Partindo de sua magnífica mansão em estilo neoclássico da praia de Botafogo. Como outras propriedades da família Guinle o palacete de Botafogo era um projeto do famoso arquiteto francês Joseph Gire, o mesmo do Copacabana Palace. Carlos e Gilda conseguiram fazer passar por seus salões todas as figuras mais significativas do “grand monde” que visitaram o Brasil entre a década de 1920 até o final da década de 40.
Sobre Carlos Guinle, o Jornal “O Imparcial” do dia anterior à nossa corrida da Gávea de 1937 publicou “Doutor Carlos Guinle: Há 18 anos o Sr. Carlos Guinle vem prestando ao Automóvel Club os mais desinteressados serviços. É obra sua, exclusivamente sua, a realização dos torneios que essa sociedade vem realizando. Comparece às reuniões, discute “casos”, opina e é acatado. Presidente de honra do A.C.B. na Europa onde seguirá dentro em breve, não será por certo esquecido, porque é, quando mais não seja, um entusiasta do automobilismo. Agora mesmo o circuito mereceu dele o maior desvelo...”.
Os Guinle não mediram esforços para acrescentar prestígio e glamour social ao Rio. Já em 1931 receberam em visitas dois jovens ingleses, o Príncipe Edward, então Príncipe de Gales (futuro Rei Eduardo VIII) com seu irmão o Príncipe Albert, então Duke de York (futuro Rei George VI, pai da Rainha Elizabeth II).
Sim, o príncipe do “romance do século” que renunciou ao trono para se casar com Wallis Simpson e seu irmão que viria a ser, por consequência, o Rei George VI, o soberano que liderou a Inglaterra ao lado do Primeiro Ministro Winston Churchill nos mais dramáticos dias da segunda guerra mundial. Ou seja, os Guinle receberam o tio e o pai da Rainha Elizabeth II. A visita oficial tinha por objetivo fortalecer a política externa do império britânico que já deixara seus dias de maior esplendor no século 19.
Além de receber os príncipes em “tournée” pela America do Sul, Carlos e Gilda contaram com a presença dos príncipes ingleses na festa de 15 anos que seria o “debut” social de um de seus filhos. Certamente um debutante que “estreou com pé direito” na vida social. Seu nome? Jorge (dito “Jorginho”) Guinle..... não é preciso dizer mais nada, não é?.
Os filhos de Carlos Guinle foram Carlinhos, falecido prematuramente e Jorginho, playboy e embaixador “informal” do Brasil junto à hollywood e à elite mundial e ambos viriam a ser duas das figuras mais queridas e conhecidas da alta sociedade brasileira e se tornaram “lendas” ao seu próprio modo.
Foto: Bem relacionados com o poder, os irmãos Guinle eram presença marcante nos eventos sociais e esportivos. Na foto Carlos Guinle à esquerda de gravata borboleta, sempre munido de seu habitual charme e bons modos, entretém seus interlocutores entre os quais o Presidente Getúlio Vargas (de terno branco e gravata clara).
Foto: (revista O Cruzeiro) na passagem pelo Rio de Janeiro em 1931 o Principe Edward, Principe de Gales e futuro Rei Edward VIII, é visto com seu irmão Principe Albert, Duque de York e futuro Rei George VI, nas escadarias do Palácio Guanabara onde ficaram hospedados. Os irmãos tem na cabeça “colonial hats” ou “tropical hats“ ao estilo dos “pith helmets ou safari helmets” do exército britânico seguindo uma antiga moda colonial britânica para enfrentar o calor tropical. Nos eventos sociais e esportivos do Rio foram recebidos no “Gavea Golf & Country Club”. Fascinados pelo campo inserido entre o mar e a montanha na paisagem de São Conrado aceitaram prazerosamente o título de sócios honorários vitalícios em um inesquecível “happening” para os golfistas cariocas.
Foto: O litoral Paulista permeado de obras ferroviárias e firmas de comércio exterior britânicas com filiais em Santos era um pequeno polo de presença britanica no Brasil. Desse modo, durante a célebre visita de 1931, o jovem Príncipe de Gales também jogou Golfe no Santos-São Vicente Golf Club e famosamente fez um “hole in one” durante o jogo em 4 de março de 1931.
Curiosamente no fim de semana do GP da Gávea de 1937, mais precisamente em 4/6/37, os jornais anunciaram sem muito destaque o casamento do ex- Rei Eduardo VIII, já então ostentando o título de Duque de Windsor, com a americana Wallis Simpson.
Foto: O Automóvel Club no Brasil na sua tradicional sede na Rua do Passeio (centro do Rio de Janeiro). A entidade nasceu como um clube de elite para os proprietários de automóvel. Como em outros dos seus imóveis, Carlos Guinle providenciou os serviços do arquiteto francês Joseph Gire para reforma interna e elementos decorativos externos em estilo neoclássico (ou “beaux-arts”) escola arquitetônica francesa na qual Gire fora formado e segundo a qual projetou várias de suas obras neoclássicas como os Hotéis Glória e Copacabana Palace.
Ainda em novembro de 1936 Carlos e Gilda Guinle receberiam o Presidente Franklin Roosevelt em sua casa conforme relata Clóvis Bulção em seu famoso livro “Os Guinle, história de uma dinastia”. Indo para a Conferência Pan Americana em Buenos Aires e preocupado com a influência de Alemanha e Itália no Brasil, Roosevelt conhecido por seu enorme carisma e extraordinária habilidade política parou no Rio para se avistar com o Presidente Vargas com o qual não demorou a desenvolver um bom relacionamento pessoal que mais tarde sem dúvida acabou sendo valioso nos entendimentos da adesão do Brasil aos aliados na Segunda Guerra.
Foto: A mansão dos Guinle em Botafogo, igualmente um projeto de Joseph Gire, seria posteriormente sede da Embaixada Argentina na capital federal.
Foto: Dentre os ilustres hospedes de Carlos Guinle estava o Presidente americano Franklin D. Roosevelt que esteve de passagem pelo Brasil em 1936 a caminho da Conferência Interamericana em Buenos Aires. Roosevelt era famoso por seu carisma. Aqui é visto em evento oficial com o Presidente Vargas. Nota-se que embora recentemente apresentados, já há uma certa descontração de almoço de velhos amigos.
Como detalhe curioso, basta dizer que embora discursando e falando publicamente em inglês, Roosevelt e Vargas, como todos homens polidos de sua época, conversaram pessoalmente em francês. A elite mundial não tinha nenhuma dúvida sobre seus códigos.
A visita aos Guinle se pautou por esses códigos e por uma imediata empatia. Franklin, sobrinho-neto do ex-Presidente Theodore Roosevelt e, portanto, descendente de uma rica e politicamente poderosa família americana, se sentiu em casa com os Guinle e o nome ficaria anotado......
Anos depois o irmão de Carlos, Guilherme Guinle, o expoente da família em termos empresariais, iria aos EUA negociar a instalação da siderúrgica CSN em Volta Redonda, nos termos combinados por Roosevelt e Vargas no âmbito das negociações de adesão aos aliados. Já então a fama precedia o nome Guinle nos Estados Unidos e Guilherme recebeu a merecida “pompa e circunstância” dos americanos. O Grupo Guinle foi um dos que inicialmente bancou a instalação da moderna indústria siderúrgica no Brasil.
MAIS PERSONAGENS DO RIO DE 1937- Entusiastas do ESPORTE DE ELITE
O Rio era capital do Brasil e ali estavam grandes entusiastas e “connaisseurs“.
Foto: o Voisin C 20 (Voisin 28 CV) do Jornalista Roberto Marinho (possivelmente 1931/32) participou do “quilometro de arrancada” (segundo outras versões o “quilômetro lançado”) na Rio – Petrópolis em 1933 e ganhou a prova em 1935. Sofisticada marca de aviões e carros esportivos a Voisin revela o fino gosto do jornalista como entusiasta de automobilismo e “expert” em bons automóveis.
Foto: Outro membro da elite carioca, amigo dos Guinle, era o empresário e mecenas Raymundo Castro Maya aqui retratado em soberba imagem do “Documentário Castro Maya” de Silvio Tendler. Pelas luminárias e balaustradas e pelo aspecto da filmagem cremos ser o jovem Castro Maya com um pequeno Bugatti tipo 35 de 1925/1926 (em versão sem para lamas) passando pela frente do Hotel Copacabana Palace no final dos anos 20.
Grande incentivador das artes, Castro Maya foi um dos patronos do Museu de Arte Moderna do Rio e sua magnifica coleção de arte pode ser vista ainda hoje nos museus da Fundação que leva seu nome (Museu da Chácara do Céu e Museu do Açude na Cidade do Rio de Janeiro). O “gentleman” - parisiense de nascimento e carioca por adoção- foi outro que fez passar por seus salões a elite brasileira e internacional da época em festas memoráveis.
Foto: na mesma Copacabana Raymundo Castro Maya eventualmente no fim dos anos 20 ou início dos anos 30. Nessa época Castro Maia, nascido em Paris, trazia carros franceses de alto gabarito e inicialmente o modelo parece Voisin C3L torpedo possivelmente 1925/27. Notem a elegância dos anos 30 o paletó escuro trespassado estilo “jaquetão”, lenço no bolso do paletó, camisa de punho duplo, calça clara passada com vinco acompanhando as pregas e os sapatos bicolores (“spectators” ou “correspondents”) típicos do que seria o “esporte fino” da época.
Possivelmente essas duas escolhas de Castro Maya (o Bugatti e o Voisin) teriam sido consequência da grande Exposição de Carros (um primeiro “salão do automóvel”) promovido pelo Automóvel Club do Brasil no Rio de Janeiro em agosto de 1925 aproveitando pavilhões de Portugal e Itália remanescentes das comemorações do centenário da independência em 1922. Voisin e Bugatti foram marcas francesas que impressionaram os presentes e certamente não escaparam aos olhos dos conhecedores de bons automóveis como Roberto Marinho e Raymundo Castro Maya.
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