Circuito da Gávea: 1937 - GP Cidade do Rio de Janeiro (Cap. 5)
• Por Alfa RomeoCapítulo 5 do incrível artigo elaborado por Alberto Maurício Caló sobre o Circuito da Gávea.
CIRCUITO DA GÁVEA – 1937 - GP Cidade do Rio de Janeiro
(CAPÍTULO 5) Por Alberto Maurício Caló
O RIO DE JANEIRO E O ESTILO QUE MARCOU UMA ÉPOCA
O Rio em cartaz da década de 1920 autoria do britânico Kenneth Shoesmith para a não menos britânica Royal Mail.
UM ESTILO QUE MARCOU OS ANOS 1930 (e outros estilos contemporâneos)
Com a influência intelectual da intervenção de Georges Hausmann em Paris se iniciou a grande reforma urbanística no Rio durante a prefeitura de Francisco Pereira Passos entre 1902-1906 e que contou com a valiosa colaboração de grandes nomes como Lauro Muller, Paulo de Frontin e Francisco Bicalho.
A chamada política do “bota-abaixo” não foi um movimento contra a arquitetura colonial, mas acabou derrubando uma parte de nossa história. Para o bem da saúde pública foi necessário um forte cunho sanitarista também. A se lembrar que o Brasil do início do século 20 era o Brasil de Oswaldo Cruz, Vital Brazil, Carlos Chagas, Emílio Ribas e outros grandes médicos sanitaristas brasileiros.
A arquitetura colonial com seus traços simples mas complementados por trabalhos de cantaria, formando obras de arte em pedra talhada, foi dando espaço aos novos estilos. De fato, o primeiro passo foi a vinda da Missão Artística Francesa em 1816 com incentivo de D. João VI. Grandes artistas como Debret e Taunay e o célebre arquiteto Grandjean de Montigny vieram formar uma escola de Belas-Artes. Do ponto de vista arquitetônico a idéia era ensinar os fundamentos do estilo neo-clássico. No final do século 19, por demanda de seus clientes da elite, os engenheiros e arquitetos continuavam bebendo nas fontes da “Ecole Nationale des Beaux Arts” francesa. Isso se refletia diretamente no neoclássico-eclético das construções no Rio do final do século 19.
Já nas primeiras décadas do século 20 o neoclássico sobreviveu junto aos estilos que se sucederam (o art-nouveau, o art-deco, o pré-moderno e o moderno) embora exercidos quase que simultaneamente nos anos trinta.
Muitas vezes os mesmos arquitetos (inclusive os franceses que aqui trabalhavam) construíam em um estilo e se exercitavam em outro buscando atender a preferência dos clientes. Como sempre, a modernidade chegava antes às construções industriais e comerciais e a tradição prevalecia nas construções residenciais.
Foto: A Igreja de N. Sa. da Glória do Outeiro construída entre 1714 e 1730 (aprox.) é um marco sobrevivente da antiga arquitetura colonial em estilo barroco no Rio de Janeiro.
Na virada do século 19 para o século 20 as residências da elite continuavam se inspirando nos palácios europeus e no mobiliário (“mobilier”) francês ao estilo de seus monarcas (mais famosamente estilos Luiz XV, Luís XVI, rococó, estilo império do período napoleônico, etc). Para o interior das casas da elite mundial continuaram a ser demandados os móveis franceses dos celebres mestres em marchetaria (“ebenistes”), os lambris de madeira elaborados (a famosa “boiserie”) as artes têxteis francesas entre as quais seus “aubussons”, seus “gobelins”, sua sedas “moiré” nos estofados e nas cortinas e nas passamanarias decorativas. Para a iluminação lustres em bronze dourado com seus pingentes de cristal Baccarat e Saint Louis e mais tarde os cristais e vidros decorativos de Gallé, Daum Nancy e Lalique. À mesa as porcelanas Sèvres, Limoges, Vieux Paris e os faqueiros dos antigos prateiros Odiot, Christofle etc. Aliás a influência francesa também adornava as senhoras com os vestidos das antigas “maisons” Lanvin, Vionnet, Jean Patou etc, e as jóias dos antigos joalheiros como Chaumet, Boucheron e outros.
Ou seja, o gosto francês clássico estava presente nas residências de toda a elite mundial nos anos 30 e fornecido por manufaturas de luxo que a França mantinha desde o “tempo dos luíses” e que prosseguiu de certa forma até hoje.
Mas era um mundo em mudança......
A influência americana se iniciava. Não como uma influência de elite, afinal a elite americana continuava se inspirando na elite européia como a nossa. Lá, como aqui, o francês era a segunda língua e a língua culta.
Mas nos anos 1930 já era presente a cultura cinematográfica de hollywood dominando os cinemas e expondo um “american way of life”. Os hábitos, a música e aspectos da cultura americana começavam a povoar nossa imaginação.
Tudo isso em um Brasil que também começava a afirmar sua própria nacionalidade nas artes, inclusive na música, em um movimento crescente na década de 1920 que teve como um de seus marcos temporais a Semana de Arte Moderna de 1922.
Mesmo os que olhavam o passado, como os colecionadores de arte, também se voltaram para a busca e valorização das peças coloniais e imperiais brasileiras.
Mas, em meados dos anos 30 o estilo “da moda” era o “art-deco”. O novo estilo teve seu marco inicial com a famosa “Exposicion des arts decoratifs” de 1925 e tudo que dali emanou foi mais conhecido pela abreviatura “Art-Déco” (pronuncia-se ar-decô). Esse estilo nasceu ligado à arquitetura dos edifícios logo pautou a arquitetura de interiores e uma série de produtos com design industrial e linhas aerodinâmicas (streamlined) e se expandiu às artes em geral.
Foto: situado no famoso no bairro do Cosme Velho no Rio de Janeiro, o Largo do Boticário é na verdade uma obra dos anos 30 em estilo “neo-colonial” proposto, no caso, por um dos pais do modernismo, Lucio Costa, como forma de resgatar as tradições brasileiras. Nos anos 30 já havia uma reação aos estilos importados, embora o movimento neo-colonial tivesse efeitos moderados.
Como o estilo art deco privilegiava muito as cores, nesses anos de 1925 até a segunda guerra mundial os cartazes para qualquer tipo de anúncio eram ricamente coloridos com cores intensas e chamativas.
No caso de divulgação de meios de transporte os cartazes art deco sempre davam uma “impressão de velocidade” e dinamismo de vanguarda (“avant-garde”). O design industrial da época privilegiava as formas aerodinâmicas (streamlined).
De certo modo o art deco sucedeu o “art-nouveau”, mas conviveu com o sempre presente estilo neoclássico (também referido como Beaux Arts) que também pautava a arquitetura clássica francesa e cuja influência se tornou quase “onipresente” na nova Paris das reformas urbanísticas do Barão Hausmann.
O art-deco foi sem dúvida o estilo emblemático dos anos 30 e ainda pode ser visto em verdadeiras jóias arquitetônicas até hoje existentes como prédios residenciais e comerciais no Rio e em São Paulo e em ícones internacionais americanos como o Empire-State e o Chrysler Building em Nova York sem falar no famoso “Art -Deco District” de Miami Beach tão conhecido dos turistas brasileiros.
Em 1937 o estilo neoclássico, o art nouveau, o art deco o pré-moderno e o moderno conviviam e às vezes se misturavam em combinações “ecléticas”. Vamos ver alguns exemplos do art deco desde seus exuberantes cartazes evocando a paisagem carioca, até marcos arquitetônicos até hoje existentes no Rio de Janeiro.
O exuberante cartaz do ilustrador austríaco Bernd Steiner nas cores fortes do estilo “art-deco” para atrair passageiros da Norddeutscher Lloyd para a América do Sul, foi mais um dos cartazes que colocou o Rio de Janeiro no imaginário mundial.
Foto: no Rio de Janeiro o Edifício “A Noite” de 1929 foi o primeiro grande edifício de concreto armado e assim denominado porque era a sede do jornal homônimo. Embora um legítimo representante do estilo “art-deco”, foi projetado por um famoso arquiteto francês da escola de “beaux arts”, Joseph Gire, eventualmente até mais famoso por suas obras em estilo neoclássico entre as quais o Hotel Glória e o Copacabana Palace do Rio e o Hotel Esplanada de São Paulo.
O art deco ficou, de certo modo, ligado à arquitetura estatal da Era Vargas entre 1930-1945. (leia-se a respeitp a magnífica tese “O art deco na era getuliana” de Marcio Vinícius Reis).
Foto: O ano de nossa corrida, 1937, veria o início de duas grandes obras influenciadas pelo “art-deco”: a nova estação D. Pedro II ou “Central do Brasil” (projeto de Roberto Magno Carvalho e do escritório Robert Prentice através de Geza Heller e Adalberto Szilard) e o prédio do Ministério da Guerra (projeto Christiano Stockler das Neves) ambos na Av. Presidente Vargas no Rio.
Foto: a maior evidência do estilo “art-deco” do Rio é obviamente a Estátua do Cristo Redentor no Morro do Corcovado inaugurada em 1931, projeto do Engenheiro Heitor da Silva Costa, desenho de Carlos Oswald com moldes do escultor francês Paul Landowski.
Foto: Outro símbolo do Art Deco no Rio, o Edifício Mesbla (das lojas homônimas). Com sua famosa torre é projeto de 1934 dos arquitetos franceses Henri Sajous e Auguste Rendu. Aqui visto em curioso enquadramento com as colunas do Palácio Monroe à esquerda (antigo Senado Federal, infelizmente já demolido).
Sajous deixaria preciosas obras no Rio e São Paulo e Rio entre as quais a decoração da sede social do Jockey Club de São Paulo no Bairro de Cidade Jardim com esculturas e baixos relevos de Victor Brecheret e painéis de Bernard Dunand.
Sajous faria ainda o projeto de vários prédios adjacentes do Jockey. Outros famosos arquitetos franceses deixaram no Brasil obras que transitaram entre os estilos neoclássico, art deco e moderno entre os quais Jacques Pilon e o franco-belga Auguste Perret (este último professor do mestre do modernismo, o suíço Le Corbusier).
Um prédio modernista em 1937? Sim, o “art deco” já começava a ser substituído. Ao tempo de nossa corrida (1937) já se iniciara a construção do edifício que seria o marco do modernismo no centro do Rio, qual seja o prédio no Ministério da Educação (Palácio Gustavo Capanema) idealizado pelo lendário Le Corbusier e executado por um time de futuros “craques” do modernismo entre os quais Oscar Niemayer, Lucio Costa, Affonso Eduardo Reidy, Jorge Machado Moreira, Carlos Leão e Ernany de Vasconcellos. O projeto de estrutura de Emilio Baumgart ganhou murais de Portinari e jardins de Burle Marx antecipando já em 1937 o que seria o brilho da Arquitetura Moderna Brasileira.
Foto: O “Palácio Capanema” iluminado e os jardins de Burle Marx ilustrando essa verdadeira jóia do modernismo brasileiro.
No pós guerra, com o fechamento dos cassinos em 1946, o Rio não perdeu seu brilho artístico, mas passou a ser conhecido também por suas casas noturnas com maravilhosos shows ao vivo (as boites ou “boates” em mais um galicismo incorporado à nossa língua) e principalmente pelo carnaval cada vez mais organizado e exuberante. Nas cores mais alegres do pós-guerra (anos 50), mas já não tão exageradas do “art-deco”, o cartaz de Otto Nielsen para a SAS (Scandinavian Airlines System) junta os elementos da calçada e dos prédios da orla de Copacabana, o carnaval e o Pão de Açúcar em uma “montagem” para atiçar a imaginação dos turistas nórdicos que desejava trazer ao Brasil.
Flying Down to Rio de 1933 (Voando para o Rio) foi o primeiro filme de hollywood que lançou o Rio para o imaginário mundial. Produção de Louis Brock com direção de Thornton Freeland para os Estúdios RKO, o filme acabou famoso por ser o primero ambientado no Rio. Embora a cidade fosse retratada apenas em cenas aéreas e com cenários reproduzindo o Copacabana Palace Hotel, o filme teve como efeito colateral o lançamento da lendária dupla Ginger Rogers e Fred Astaire e ainda contava com o brasileiro Raul Roulien no elenco. O cartaz de forte inspiração ‘art-deco” é típico da época.
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