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Circuito da Gávea: 1937 - GP Cidade do Rio de Janeiro (Cap. 3)

• Por Alfa Romeo
Capítulo 3 do incrível artigo elaborado por Alberto Maurício Caló sobre o Circuito da Gávea.
Circuito da Gávea: 1937 - GP Cidade do Rio de Janeiro (Cap. 3)

CIRCUITO DA GÁVEA – 1937 - GP Cidade do Rio de Janeiro

(CAPÍTULO 3)                                                                     Por Alberto Maurício Caló


VELOCIDADE NAS ÁGUAS

Navegação nos Anos 30 / Os barcos mais rápidos em 1937

O grande navio de passageiros era um símbolo de modernidade dos anos 30. Ainda era o único meio confortável e seguro para o transporte intercontinental enquanto nas viagens em terra dominavam os trens. Os carros ainda dependiam de boas estradas que começavam a surgir na Europa e nos EUA, mas que ainda estavam distantes da realidade brasileira, apesar de que o último governo antes da Revolução de 30 tenha sido do Presidente Washington Luiz, cujo lema era “governar é abrir estradas”.

A bem da verdade, as boas viagens dos anos 30 eram de trem ou de navio. Dos trens vamos falar depois. Sobre os navios, o Brasil tinha também um ótimo serviço de navegação costeira ligando as principais capitais à beira mar com um já sofisticado grau de luxo e conforto.

Ambos os modelos de transporte de passageiros, o ferroviário e o de navegação costeira, iriam progressivamente entrar em decadência na segunda metade dos anos 50 em diante, colocados em segundo plano pelo favorecimento do modelo de transporte rodoviário.

Mas em 1937 não falar de navios e trens seria estar fora da realidade pela simpatia e preferência popular que eles geravam. Vamos começar pelos navios.

Sem boas estradas e com a aviação incipiente, a navegação costeira era uma eficiente, romântica, rápida e confortável alternativa de transporte no Brasil e ficaram famosos os navios da Cia Nacional de Navegação Costeira (a “Costeira”) do mega-empresário Henrique Lage e seus navios com nomes iniciados por “Ita”. Normalmente usando navios mistos de carga/passageiros, o lendário armador fazia questão de um alto nível operacional e notoriamente contratava comandantes britânicos para suas embarcações.


Foto acima: Uma rara foto colorida mostra o elegante “Itaquera” (construído na Escócia) nas cores da “Costeira” com casco preto, filete amarelo na popa, chaminé preta com cruz de malta em tom bronze dourado.

Por falar nos anos 1930, a foto colorida é cortesia da novidade absoluta dos anos 30 – O mais famoso filme fotográfico de todos os tempos foi lançado em 1935: o Kodachrome.

Explicado que o transporte marítimo de passageiros era altamente prestigiado em termos nacionais, precisamos de um pequeno aparte para explicar porque o transporte transatlântico era basicamente por navios. O dirigível, como vimos, era uma opção para poucos. Então o que importava era ter navios mais rápidos e confortáveis. Todas as potências européias faziam questão absoluta de ter o mais rápido e mais luxuoso navio de passageiros do mundo.


Disputa de luxo e velocidade entre os transatlânticos

O principal troféu de velocidade entre navios de passageiros era a disputa da fita azul (ou “blue riband”) pela travessia mais rápida entre Europa e Estados Unidos. Até 1929 esse recorde estava em mãos do “Mauretânia”, lendário transatlântico britânico da Cunard Line que conseguira a travessia a 26,06 nós ou 48,26 Kms/h em 1909. Seu recorde ficou de pé por 20 anos, apenas eventualmente ameaçado por seu navio irmão mais velho o tragicamente famoso “Lusitânia” (torpedeado na primeira guerra mundial em 1915).

Em 1929 a alemã Norddeustcher Lloyd quebrou o recorde com seus novos navios a diesel, inicialmente com o “Bremen” em 1929 (27, 83 nós ou 51.54 Km/h) e depois com o “Europa” em 1933 (27,92 nós ou 51,71Km/h).

A etapa seguinte foi a tentativa italiana de arrebatar a “fita azul” quando a nova companhia “Italia di Navegazione”estava operando dois dos mais famosos transatlânticos italianos de todos os tempos, o “Rex” e o “Conte di Savoia”. O “Rex” chegou a ser o detentor da fita azul em 1933 ao cruzar o Atlântico Norte a 28,92 nós (53,56 Kms/h) superando o recorde alemão.

O recorde do “Rex” durou pouco e foi batido pelo magnífico transatlântico francês “Normandie” em 1935 (29,98 nós ou 55,52 Kms/h), em seguida superado pelo inglês “Queen Mary” em 1936 a 30,14 nós ou 55,82 Kms/h. Esse recorde foi retomado pelo “Normandie” em março de 1937 (mas no sentido que volta à Europa que não contava para a fita azul)  a 30,99 nós ou 57,38 Kms/h. Entre 29 de julho e 2 de agosto o “Normandie” conseguiu 30,58 nós ou 56,63 Kms /h  e em seguida o “Queen Mary” retomou a vanguarda em 1938 a 30,99 nós ou 57,39 Kms/h chegando a fazer sentido de volta à Europa (que não contava para a fita azul) a 31,69 nós ou 58,69 Kms/h.

Imagem: Anúncio do maravilhoso transatlântico britânico “RMS Queen Mary” que logo estabeleceu vários recordes nas rotas do Atlântico Norte e disputava a “Fita Azul” com o francês “SS Normandie”.

No pós guerra com o início das grandes viagens intercontinentais por aviões várias coisas perderam sentido, como a obsessão por navios velozes.

Os navios se tornaram opções de cruzeiros turísticos ou viagens calmas para os que tinham medo de avião. Embora a fita azul ainda fosse retomada pelos americanos com o transatlântico “United States” em 1952, as velocidades dos navios deixaram de ser tão importantes sendo que o recorde do United States para obter a fita azul a mais de 34,51 nós ou 63,91 Kms/h (fazendo a viagem em direção à Europa a 35,59 nós ou 65,91 kms/h), não tinha mais sentido. No entanto há que se notar que são velocidades ainda superiores aos mais rápidos transatlânticos modernos que mal chegam de 30 nós de velocidade máxima. Do mesmo modo, estando extinta a necessidade de navios como meio de transporte de massas, se extinguiram as classes, prevalecendo a classe única para todos os serviços a bordo com as opções se limitando ao tamanho e vista das cabines ou por alguma eventual “área VIP”. 


Imagem: O lendário transatlântico francês “Normandie”, era uma verdadeira joia flutuante com sua magnífica decoração interna em estilo “art deco”. Lançado em 1935, só veio ao Rio de Janeiro em 1938 (ano seguinte ao da corrida aqui retratada) para embelezar as águas da Baía de Guanabara.  O estilo “art deco” está também nos cartazes (este anunciando em cores fortes a viagem de 1939).


Foto: era uma época de alto luxo nos transatlânticos, mas o francês SS Normandie, como nenhum outro navio de antes ou depois incorporou tão bem o estilo “Art-Deco” em seus espetaculares ambientes. Alguns dos melhores artistas franceses foram convocados para a decoração e na imagem acima temos os painéis em laca dourada de Jean Dunand as luminárias de Renè Lalique e as poltronas forradas em “aubusson” vermelho com motivos florais desenhados por Emile Gaudissart. O público carioca teve o privilégio poder fazer uma visita a seus suntuosos salões (o que nem sempre era permitido nos grandes transatlânticos exceto aos convidados dos passageiros) e não perdeu a oportunidade comparecendo aos milhares. O Normandie teve um fim melancólico. Imobilizado em Nova York após o início da guerra, foi incorporado à marinha americana para ser convertido em navio -transporte de tropas e sofreu um incêndio durante os trabalhos de conversão. Houve uma desastrada intervenção em que a água utilizada para o combate ao incêndio desbalanceou o navio e o fez adernar em pleno porto de Nova York. Embora voltasse a flutuar, nunca mais foi recuperado e pouco depois do final da segunda guerra foi desmontado como sucata. 


Disputa de velocidade nas lanchas a motor

Em junho de 1937 ainda estava de pé um record estabelecido pelos americanos O motonauta Gar Wood com suas lanchas sempre batizadas de “Miss America” disputava com os ingleses com suas lanchas sempre batizadas de “Miss England”. Eram belos “lanchões” de madeira muito leve e casco único com enormes motores aeronáuticos. Pelos ingleses estava o famoso Sir Henry Segrave, o mesmo piloto de Grand Prix dos anos 20 que se tornara também recordista de velocidade com o protótipo “Golden Arrow” visto acima e que depois se dedicou aos records na água. 

Segrave foi, por décadas, uma lenda do automobilismo inglês pois sua vitória com um Sunbeam no GP de San Sebastian de 1924 foi por mais de 30 anos a última de um piloto britânico em carro britânico até Tony Brooks vencer o GP de Siracusa com um Connaught em 1955.

Infelizmente Segrave faleceu em um acidente em junho de 1930 logo depois de ter batido um record a 158,9 km/h ou 98.8 mph com sua Lancha Miss England II e foi substituído por Kaye Don que assumiu a Miss England III. Ambas lanchas usavam dois enormes motores aeronáuticos Rolls Royce R (do mesmo tipo utilizado pelo Supermarine S6B dos records de velocidade de avião e nos records de velocidade em terra aos quais nos referimos nas partes anteriores deste artigo).


Foto: A “Miss England II” tinha dois motores aeronáuticos Rolls Royce “R type”.

O americano Garfield “Gar” Wood seguia a mesma receita de uma enorme e elegante lancha de madeira envernizada com quatro motores aeronáuticos Packard com compressor. Em setembro de 1932 Wood estabeleceu record a 200,9 km/h ou 124,8 mph que era o oficial até a data de nossa prova em junho de 1937.


Foto: A “Miss America X” era uma enorme lancha de 39 pés (cerca de 12 metros) com 4 motores Packard V-12 com compressor e deteve o record entre setembro 1932 e setembro de 1937.

Para o bem de todos Kaye Don e Gar Wood encerraram suas tentativas adversárias e tiveram longa vida pela frente. 

Foi então a vez do já citado Sir Malcom Campbell, famoso pelos seus records em terra, tentar o record na água com algo muito mais moderno e, como sempre - no caso da familia Campbell - denominado “Bluebird”. O novo Bluebird K3 tinha uma concepção de casco totalmente diferente, com o motor colocado atras do piloto, era muito mais compacto e propelido por um único motor aeronautico Rolls Royce “R” ( única coisa em comum com os “Miss England” predecessores). 

Como nota, não confundir Malcolm Campbell com seu igualmente famoso filho Donald Campbell único homem a deter simultaneamente os records absolutos de velocidade na terra e na água (1964) e morto em trágico acidente em seu Bluebird K-7 no Lago de Coniston em 1967.


O começo de um novo design na motonáutica em setembro de 1937 no Lago Maggiore (entre Itália e Suiça), Sir Malcolm Campbell (à direita na foto) levou o “Bluebird K3” a 129.5 milhas por hora. Em agôsto de 1938, já então no lago Hallwyl na Suíça, o Bluebird K3 atingiu 130.9 mph (cerca de 210 Km/h). A configuração permitia que a parte frontal do casco se levantasse em alta velocidade, diminuindo o arrasto. O Bluebird K3 foi um projeto intermediário, pois nos anos seguintes viriam os cascos em três quilhas (uma central e duas quilhas laterais) como vistos no Bluebird K4 que seria o recordista mundial em 1939.

Atenção: As imagens foram retiradas da internet para ilustrar a matéria, que por sua vez não possui qualquer fim lucrativo. Caso o leitor reconheça alguma delas como de sua propriedade, pedimos encarecidamente que o mesmo entre em contato conosco que removeremos ela da página.

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