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Circuito da Gávea: 1937 - GP Cidade do Rio de Janeiro (Cap. 22)

• Por Alfa Romeo Clube do Brasil
Capítulo 22 do incrível artigo elaborado por Alberto Maurício Caló sobre o Circuito da Gávea
Circuito da Gávea: 1937 - GP Cidade do Rio de Janeiro (Cap. 22)

CIRCUITO DA GÁVEA – 1937 - GP Cidade do Rio de Janeiro

(CAPÍTULO 22)                                                                         Por Alberto Maurício Caló 


CONTINUAÇÃO QUADRO DE PILOTOS

 

CARLO PINTACUDA

Itália

Equipe: Scuderia Ferrari

Carro: Alfa Romeo 8C 35 -chassis 50011


Sobre Pintacuda recomendamos um excelente artigo de Estanislao Iacona para o Alfa Romeo Clube Argentino.


Resumidamente, Carlo Maria Pintacuda (1900-1971) vinha de uma família de vasto patrimônio em sua Florença natal e a um determinado momento de sua juventude já desfrutava de uma bela herança de seu avô. Na garagem de sua própria casa fez contato com algumas das melhores máquinas italianas entre as quais algumas Lancias e um Isotta Fraschini. Como tantos jovens ricos e talentosos de seu tempo, se entusiasmou pelas belas máquinas que começou a comprá-las para participar de provas de subida de montanha e provas de estrada apoiado em uma estrutura amadora. Após a primeira guerra mundial foi visto a partir de 1924 com uma Lancia Lambda Sport e depois com um Alfa Romeo RLSS com a qual começou a se distinguir em provas de estradas e subidas de montanha assinalando vários sucessos. Sua primeira Mille Miglia foi em 1929 com uma Alfa 6C 1750 onde se destacou mantendo um belo terceiro lugar nas etapas iniciais da prova até que problemas mecânicos o relegaram a um ainda bom 10º lugar na classificação geral. Voltou a chamar a atenção na Volta da Itália de 1934 onde triunfou com uma Lancia Astura coupè. 

Seu talento e os primeiros sucessos naturalmente o conduziram a ser um cliente para os belos carros esportivos Alfa Romeo e a se aproximar da Scuderia Ferrari que mantinha em torno de si clientes abonados que sempre iam comprar carros de competição novos ou de “segunda mão” da Scuderia

Dito isso, ciente dos vários sucessos de Pintacuda como piloto amador de carros esportivos, Enzo Ferrari lhe deu a oportunidade de “sentar” em um autêntico carro de Grand Prix (um Alfa P3 monoposto) para “sentir um gostinho da coisa” e cortejar o cliente.  

O resto dessa história é bem conhecido: Pintacuda, sentou, gostou e adquiriu a P3 (por natureza um monoposto) como piloto particular e, impressionado, declarou que poderia com ele vencer as Mille Miglia, sugerindo a Enzo Ferrari sua “adaptação para carro esporte” com a adição de para-lamas e faróis e uma carroceria engordada na parte central onde seria colocado um apertado banquinho para o co-piloto (que por vezes era um mecânico, por vezes um mecânico/navegador e no caso de Pintacuda um amigo corajoso disposto a ajudar em qualquer necessidade e participar da aventura). 

Pintacuda também negociou a assistência técnica da Scuderia durante a prova. 

Ferrari, obviamente em um negócio vantajoso, “fez todas as vontades de seu cliente”. 

Só não esperava que a P3 fosse resistir à árdua prova e Pintacuda fosse impor uma derrota aos demais pilotos “titulares” da Scuderia com suas Alfas 8C Monza. Mas foi exatamente o que aconteceu. 

De fato, em 1935 em dupla com o Marquês Alessandro Della Stufa, Pintacuda venceu as Mille Miglia em uma Alfa P3 “disfarçada” com carroceria biposto, para lamas e faróis 

Pintacuda venceu e, após sua sensacional vitória, um extasiado Enzo Ferrari o convidou para ser piloto oficial da Scuderia.

 


Foto: O evento que alçou Pintacuda do status de um amador talentoso, para um “profissional da Scuderia Ferrari” é bem conhecido.  Para as “Mille Miglia” de 1935, Pintacuda teve a idéia de transformar a Alfa P3, um monoposto de Grand Prix, em um falso carro esporte de dois lugares e com ela derrotou os outros pilotos da própria Scuderia Ferrari e rivais de outras equipes comprovando seu talento. De qualquer modo, seu co-piloto, o Marquês Della Stufa é que não parece muito confortável no banco adaptado para transformar a P3 “monoposto” em um desajeitado “biposto”.



Foto: Após a vitória nas Mille Miglia de 1935, Pintacuda de macação claro e seu co -piloto o Marques dela Stufa com camisa escura, ambos cansados e com cigarro na boca são recebidos por um sorridente Enzo Ferrari de boné, gravata e capa de chuva, instigando novas poses para os fotógrafos

Promovido às provas de Grand Prix nos monopostos da Scuderia, Pintacuda mostrou seu valor, mas sem assinalar grandes atuações. Após alguns GPs pela Scuderia Ferrari sem vitórias, mas com colocações razoáveis e vários “podiums”, Pintacuda continuou se destacando nas provas para carros esporte e esperava poder ganhar novamente as Mille Miglia em 1936.

 Scuderia Ferrari inscreveu três das novas Alfas 2.900 A “botticella” para suas jovens estrelas, Pintacuda, Brivio e Farina. Após uma bela disputa que envolveu os pilotos da Scuderia e a Alfa P3 de Biondetti, Pintacuda enfrentou problemas mecânicos o limitaram a um terceiro lugar, ficando a vitória com Brivio que deixou Farina em segundo lugar

 


Foto: Mille Miglia 1936: as Alfas “botticella” cuidadosamente preparadas pela Scuderia foram as grandes protagonistas da prova. Aparecem em sequência os carros de Brivio/Ongaro (nº75), Pintacuda/Stefani (nº79) e Farina/Meazza (nº 82). No final a ordem seria Brivio, Farina e Pintacuda

Nesse 1936 Pintacuda fez sua primeira excursão ao Brasil com uma biposto 8C 2.900 A  “botticcella” do mesmo tipo com que chegara em terceiro pouco antes nas Mille Miglia. A Scuderia, como já relatamos, não tinha certeza do que iria encontrar e interpretou que seriam circuitos de estrada e de rua apropriados mais à Botticella do que aos monopostos de Grand Prix. Pintacuda, encantado com sua recepção no Brasil e aproveitando a superioridade das Botticella liderou com folga na Gávea, até que um problema de diferencial o fez interromper a trajetória para uma vitória quase certa. Mas logo em seguida arrematou sua temporada brasileira com uma vitória arrasadora no GP Cidade de São Paulo


Foto: GP de São Paulo de 1936: Pintacuda “em rota” para uma tranquila vitória com a soberba Alfa Romeo 8C 2900 A “botticella”

Dito isso e mercê de seus sucessos nas provas de carro esporte, Pintacuda seguiu na Scuderia Ferrari pilotando as Alfas Grand Prix, agora “promovido” das P3 ( tipo B) para as novas 8C 35 apresentadas no final de 1935 e com as quais Pintacuda iria ser visto em vários GPs de 1936. No final desse ano os chassis do Tipo C iriam receber o novo motor Alfa de 12 cilindros, configurando o modelo 12 C 36, mas os “ases” da Scuderia se revezavam entre um modelo e outros nas temporadas de 1936 e 1937, sendo que Pintacuda era habitualmente visto nas 8C 35. 

O ano de 1937 parecia auspicioso para o jovem Pintacuda e ele logo mostrou seu valor vencendo as Mille Miglia com a 2900 A Botticella, precedendo seu colega de equipe Farina e as equipes francesas oficiais da Delahaye e Talbot. 



Foto: Mille Miglia 1937. A Alfa 8C 2.900 A (com para lamas e faróis em configuração de “estradeira”), de Pintacuda/Mambelli é vista nas ruas de Parma “em rota” para sua vitória nas Mille Miglia de 1937. Alguns espectadores acenam encorajando patrioticamente a tripulação do carro italiano.



FotoMille Miglia 1937: o controle do publico nunca foi o forte das Mille Miglia, mas os torcedores podiam contar com a proverbial habilidade de Pintacuda no piso molhado.


Com a segunda vitória nas Mille Miglia em seu curriculum, Pintacuda partiu para Gávea, desta vez alertado que não seria um “passeio”. Do ponto de vista pessoal, se Pintacuda estava confiante no carinho dos torcedores cariocas e numa recepção triunfal no Rio, não se decepcionou, mas fato é que a Scuderia Ferrari sabia da presença de Stuck e seu temível Auto Union e mandou dois monopostos de Grand Prix, sendo um 8C 35 para Pintacuda e um 12C 36 para Brivio.


QUAL Alfa Romeo 8C 35 “ Grand Prix” esteve com Pintacuda na Gávea de 1937?

O Alfa 8C 35 foi apresentado no GP da Itália em Monza em setembro de 1935.(mais para o final da temporada de 1935 portanto) Era a evolução natural do P3 ( tipo B), mas com novo chassis (tipo C), suspensão independente nas quatro rodas e uma carroceria mais aerodinâmica. Seu motor era a última evolução do famoso 8 cilindros em linha agora com 3,8 litros e compressor e cerca de 330 hp. Não se sabe ao certo a quantidade de chassis tipo C construídos mas a maioria das fontes estima de onze a doze carros sendo seis 8C 35 e talvez seis 12C 36. 

O que se sabe com mais certeza é que foram construídos quatro carros 8C 35 na leva inicial chassis numerados de 50011 a 50014 mais três motores numerados 50015 a 50017 (que poderiam ser motores avulsos ou novos chassis) e todo o resto dos chassis foram para carros com o motor 12 cilindros denominados “Alfa Romeo 12C 36”. 

Do final de 1936 e na temporada de 1937 os pilotos da Scuderia se alternavam entre os dois modelos (8C 35 e 12C 36). Contamos acima um episódio na Coppa Ciano de 1936 em que Nuvolari tendo abandonado a prova logo após a largada com um Alfa 12C 36 teve que se decidir qual carro tomaria emprestado de um colega de equipe. Mesmo com a opção de tomar uma 12C 36, se decidiu pelo mais confiável 8C 35 de Pintacuda com o qual venceria essa corrida de forma extraordinária derrotando inclusive a equipe Auto Union presente.

Esse 8C 35 era famosamente o chassis 50013.

Embora esse chassi tivesse sido usado por Pintacuda na Europa não se acredita que tenha sido o carro que ele trouxe ao Brasil pois esse carro teria sido o carro vendido ao piloto suíço Hans Ruesch. em 1936. Com esse carro Ruesch teria vencido o GP de Donington Park na Inglaterra ainda em outubro 1936 fazendo dupla com o já citado jovem talento inglês Richard “Dick” Seaman. Foi o único 8C -35 a aparecer em mãos particulares em 1936. Hans Ruesch seria um “habitueé” em quase todas as provas seguintes temporada com sua 8C 35 chassis 50013 (por alguns citado como o “ex SF 65” na numeração da Scuderia Ferrari).

O chassis 50013 é sabidamente o único 8C 35 que atravessou os anos em estado de razoável originalidade e se tornou muito conhecido na Inglaterra no pós-guerra como o carro do piloto amador Dennis Poore em cujas mãos essa Alfa se apresentava em um tom de verde escuro, uma variante de “british racing green” ... of course...

Dennis Poore conservou o carro até sua morte no final dos anos 80 e esse chassis se manteve em estado bastante original com os cuidados do mesmo mecânico de Poore desde os anos 40/50.

O Alfa 8C 35 do piloto argentino Carlos Arzani sobre o qual escrevemos anteriormente é um carro “ex-Scuderia Ferrari” e é um dos poucos que podem ser identificados com clareza como o chassis 50014.

Continuando nossa pesquisa sobre os chassis de 8C 35, sabe-se que o chassis 50012 era de um 8C 35 levado pela Scuderia Ferrari aos EUA para a Vanderbilt Cup de 1936 e lá ficado onde teria uma longa vida competitiva, iniciada nas mãos do lendário piloto americano Rex Mays. O carro participara inclusive nas 500 milhas de Indianapolis de 1937 a 1941 e em 1946/47. Esse chassis 50012 seria o carro hoje em exibição no Museu Histórico da Alfa Romeo com motor 12 cilindros de uma 12C 36.

Sem poder chegar a uma certeza absoluta, seria razoável, portanto, descartar a possibilidade dos chassis 50012, 50013 e 50014 serem o carro de Pintacuda na Gávea de 1937

Por eliminação, se converge à tese dominante que o 8C 35 de Pintacuda na Gávea de 1937 era o chassis 50011 e não um dos chassis de numeração posterior 50015 ou 50016.

Embora haja convergência entre os historiadores sobre o chassis 50011, cumpre analisar a existência de outros modelos 8C 35 em atividade.

Provavelmente na época de nossa corrida da Gávea, nos meses de junho e julho de 1937 tínhamos outras duas 8C 35 competindo na Europa em datas que se tornavam incompatíveis com a presença da 8C 35 de Pintacuda no Brasil. 

Dessas duas outras 8C 35 de identificação imprecisa correndo na Europa uma seria particular (Salvi del Pero) e outra (Raymond Sommer) que poderia ser tanto particular como da Scuderia.


A 8C 35 de Salvi del Pero / Belmondo

Com uma diferença de poucos dias com relação à data da prova da Gávea, uma outra 8C 35 vai aparecer no GP da Alemanha em 25/7/37 nas mãos do conhecido piloto Vittorio Belmondo inscrito pelo Conde Giuseppe Salvi del Pero de famosa família nobre piemontesa. 

Belmondo era um piloto conhecido e tinha várias participações precedentes com Alfa 8C 2300 e Alfas P3, embora fosse visto com mais frequência na categoria de baixa cilindrada (voiturettes) com uma Maserati 4CM.

Já o Conde Salvi del Pero estava iniciando uma carreira automobilística de algum relevo e tinha sido co-piloto do conhecido corredor italiano Franco Cortese com Alfa 8C 2300 nas Mille Miglia de 1936.  Salvi del Pero vinha ele mesmo pilotando uma 8C 2300 em algumas provas de subida de montanha como a famosa Parma - Poggio di Bercetto e algumas provas de estrada como a Targa Abruzzi por volta dos anos 1936-1938. 

O Conde foi também um esportista mais conhecido nos meios hípicos (salto e caça).

Possivelmente a aquisição de uma 8C-35 por Salvi del Pero se destinasse a novos passos que ele quisesse dar como piloto de Grand Prix, mas naquele momento do GP da Alemanha de junho de 1937 talvez Salvi del Pero tivesse preferido inscrever a 8C 35 para um colega mais experiente (Belmondo).


A 8C 35 de Raymond Sommer

Precisamos esclarecer que o famoso “às” francês Raymond Sommer, embora sempre independente, era um piloto “agregado” à Scuderia e já tinha aparecido pouco tempo antes em uma 12C 36 da equipe oficial.  O fato de ser inscrito no GP da Alemanha em 25/7/37 como particular não quer dizer que não estivesse lá com o apoio (e com um carro) da Scuderia Ferrari. Sommer era um espirito independente, mas continuava cortejado pela Ferrari tanto como piloto, assim como cliente

Com certeza uma 8C 35 adicional da Scuderia Ferrari tinha ficado na Itália e fora vista numa prova menor o Circuito dela Superba em Gênova em 30/5/37 em que a Scuderia Ferrari participou e deu um “passeio” com Tadini e Trossi em Alfas 12 C36, Biondetti na 8C35 e Villoresi em uma Alfa 2.900 A, No final venceu Trossi seguido de Tadini e Villoresi nesta ordem, tendo quebrado o diferencial da 8C 35 de Biondetti. 

Talvez o 8C 35 da Scuderia usado por Biondetti na prova de Gênova é o que foi aparecer com Sommer no GP da Alemanha em 25/7/37

Várias fontes confirmam que em 1937 Sommer já tivesse adquirido uma 8C 35 embora não possamos precisar em que mês do ano isso tenha ocorrido.

De qualquer modo fora os chassis identificados e “descartados” de Hans Ruesch, de Carlos Arzani e de Rex Mays, esse GP da Alemanha foi a primeira vez que aparecem dois 8C 35 particulares (Sommer e Belmondo), ainda que com a suspeita que o carro de Sommer fosse da Scuderia Ferrari ou recém adquirido junto à Scuderia Ferrari.

Embora fosse possível que a 8C 35 de Pintacuda e a 12C de Brivio estivessem de volta à Europa no final de julho de 1937, se tivessem sido embarcados imediatamente após a Gávea, achamos essa hipótese difícil (o carro do Brasil estar com Sommer na Alemanha em 25/7/37)


DEPOIS DA GÁVEA....

No GP de Mônaco 8/8/37 Sommer reaparece na 8C 35 como privado (ocasião em que Pintacuda e Brivio reapareceram nas corridas europeias pela Scuderia Ferrari, mas já então ambos com a 12C 36).

Na Coppa Accerbo em 15/8/37 novamente Belmondo aparece na 8C 35 (inscrito por Salvi del Pero) e Sommer aparece em uma 8C 35 dessa vez inscrito pela Scuderia Ferrari (seria a volta do carro de Pintacuda ou a 8C 35 que tinha ficado na Europa?)

No GP da Italia em 12/9/37 novamente Belmondo aparece na 8C 35 dessa vez inscrito como piloto privado (significando que talvez tivesse comprado o carro de Salvi del Pero ou “alugado” para a prova)

De qualquer modo a presença de outros 8C 35 com Sommer e Belmondo na prova da Alemanha leva a crer que as numerações 50015 a 50017 pudessem ser de outros chassis de 8C 35 e não apenas de outros motores. Isso bate com a impressão de vários experts de que ao menos seis carros foram construídos como 8C 35 e os carros de Sommer e Belmondo na Alemanha fossem os últimos dois carros (o quinto e o sexto da leva inicial de seis modelos 8C 35).

No entanto essa não é uma conclusão definitiva. Sabe-se que o mesmo chassis servia aos 8C 35 e aos 12C 36. Para completar a confusão, sabe-se que na hora da venda seria mais fácil vender aos particulares a motorização 8 cilindros tida como mais confiável e também já basicamente conhecida de várias equipes que tiveram Alfas 8 cilindros mais antigos, o que não descarta chassis feitos para o 12 C serem reequipados com o 8C na hora da venda

Como segundo várias fontes o carro de Pintacuda no Brasil seria o 50011, a pesquisa leva a crer que, de fato, teriam existido pelo menos dois chassis posteriores o 50015 (por alguns relacionado como SF 63) e 50016 na série inicial dos seis carros 8C 35 da Scuderia Ferrari. Resta ainda a controvérsia se além desses seis 8C 35 a Scuderia, teria construído mais quatro e os vendido diretamente a particulares. 

Para terminar, nota-se que algumas partes do chassis 50015 teriam (décadas depois) sido resgatadas na América do Sul, mas isso não se conecta diretamente à nossa história.

O chassis 50011 de Pintacuda (segundo alguns com numeração interna SF 68) aparentemente não foi vendido após a prova da Gávea embora amplamente noticiado que alguns pilotos manifestaram interesse. (vide notícia abaixo).

Então pela convergência dos fatores acima e pelo fato de várias fontes confirmarem a versão do carro de Pintacuda se tratar do chassis 50011, essa é a tese dominante.


Mera especulação: A Alfa de Pintacuda retornou à Europa, mas fato é que a Scuderia queria vender as 8C 35 e as 12C 36 que iriam ficar fora do regulamento de Grand Prix a vigorar a partir de 1938.  Se após a Gavea de 1937 não houve acordo quanto ao preço, certo é que ao longo do tempo novos negócios seriam fechados e a liberdade dos regulamentos sul americanos conduziu à venda de alguns carros do regulamento 1934-1937 e outros do regulamento 1938-1939 e ainda alguns híbridos, com cilindradas maiores que as de origem para as provas de “força-livre” da América do Sul.


Foto: Jornal A noite 6/6/37 - Pintacuda à esquerda e Teffé sorridentes talvez compartilhando um gracejo. O brasileiro falava perfeitamente o italiano pois tinha vivido muitos anos na Itália quando seu pai era Embaixador em Roma. Embora a corrida fosse disputada em junho, os ternos claros (eventualmente um belo linho branco irlandês) eram moda entre os cavalheiros elegantes na época.

Sobre Pintacuda, Enzo Ferrari em suas memórias apontou: “Due Mille Miglia vinte e tante affermazioni intercontinentali. Fu uno stradista formidabile, non altrettanto nei gran premi”. Em outras palavras (tradução livre), Duas Mille Miglias e tantas vitorias intercontinentais, era um piloto formidável em provas de estrada, mas não tanto nos grandes prêmios (provas de circuito)

Voltaremos a falar de Pintacuda no final desse texto.

 

ANTONIO BRIVIO

Itália

Equipe: Scuderia Ferrari

Carro: Alfa Romeo 12C 36  (chassis 50103 ?)



À esquerda o brasão dos Sforza e à direita o brasão Brivio-Sforza .O primeiro reproduz o símbolo lombardo da serpente  presente também no Brasão da família Visconti e, não por acaso,  no símbolo da Alfa Romeo, atestando as raízes milanesas dos lendárias famílias.

O Marquês Antonio (“Tonino”) Brivio Sforza (1905-1995) era descendente de uma das mais tradicionais famílias nobres milanesas cuja presença e importância pode ser  notada até hoje em Milão. A família Sforza tinha por dinastia de origem a família Visconti dos duques de Milão. Consta que um nobre da família Sforza teria sido um dos patronos de Leonardo da Vinci. A história dessa dinastia é conservada pela Fundação Brivio Sforza que preserva a memória das Famílias Brivio Sforza, Trivulzio e Barbiano di Belgiojoso D`Este, inclusive mantendo os magníficos “Palazzos” entre os quais o Palazzo Trivulzio em Milão e a Villa Belgiojoso na região Brianza.

Antonio Brivio foi um “sportsman” com gosto pela velocidade. Começou a correr em 1927 e a partir de então foi visto com carros da marca franco-britanica Derby e depois se juntou à Scuderia Materassi que corria com os Talbot-Darracqs. Como tantos outros ases italianos da época foi artífice do sucesso dos carros esporte Alfa Romeo.  Tornou-se cliente da marca e na medida em que foi se destacando, se viu agregado à Scuderia Ferrari no começo dos anos trinta. Era visto tanto nas famosas subidas de montanha como em provas de estrada. 

Venceu as 24 horas de Spa-Francorchamps em 1932 e se consagrou com a vitória na Targa Florio de 1933 em ambas as ocasiões com uma Alfa 8C Monza da Scuderia Ferrari.

Sem mais espaço na Scuderia Ferrari, preferiu se transferir à equipe oficial da Bugatti na temporada de 1934 onde pilotou os magníficos T59-Grand Prix. Mas face à oposição de Mercedes, Auto Union, Alfa e Maserati, estava claro que os melhores tempos da Bugatti já tinham ficado para trás. Apenas no GP da Bélgica daquele ano, com a ausência dos alemães é que a Bugatti pode brilhar. Brivio fez a pole e a melhor volta, terminando sem segundo para seu colega de equipe Rene Dreyfuss.

 A Bugatti, diga-se, já estava em seus últimos suspiros como uma “equipe de ponta” nas corridas de Grand Prix

De volta à Scuderia Ferrari tornou a vencer a Targa Florio de 1935 e foi terceiro no GP de Monaco sempre com as Alfas P3 da Scuderia. Em 1936 seria quinto no GP de Monaco (Alfa 8C 35) e terceiro no GP da Alemanha (Alfa 12C 36) e famosamente venceria as Mille Miglia de 1936 com a magnífica Alfa 8C 2900 A “botticella”.

Sem esquecer seu gosto por velocidade na neve, em 1935 conseguiu para a Itália uma medalha de Bronze no bobsleigh no mundial de esportes de inverno e em 1936 participou dos Jogos Olímpicos de Inverno na equipe italiana de bobsleigh. (dois e quatro homens).

É citado por várias fontes que em 1936  Brivio teria declinado uma eventual oferta para pilotar para a Auto Union, preferindo continuar com os Alfas da Scuderia Ferrari.

Fato é que no início de 1937 Brivio já se colocava com um dos grandes pilotos italianos. 

Se na Scuderia Ferrari a grande estrela era Nuvolari, Brivio disputava o lugar de “jovem talento italiano” com Farina e Pintacuda.  

Em 1937 Brivio se casaria e embora tivesse uma temporada ativa, o início de 38 marcou sua saída da Scuderia após uma decepção com os Alfas 308 para o novo regulamento de 1938.

Seu casamento, seguido da promessa de abandonar o esporte perigoso, sua posterior saída da Scuderia e o advento da  Segunda Guerra marcariam o fim da carreira automobilística ativa de Antonio Brivio . 

Sua presença na Gávea de 1937 parece dar uma noção da dimensão que a Scuderia deu ao evento. Se Pintacuda era já um veterano da Gávea, a presença de Brivio com uma Alfa 12C 36, indica que a Scuderia deixa de encarar a Gávea como uma “prova de estrada” e passa a encarar como um Grand Prix propriamente dito.

Parece estranho que a imprensa brasileira nos anos 30 ter insistido na figura de Stuck como “Barão Von Stuck” (o que não propriamente exato, como veremos) e praticamente não citar Brivio como Marquês de uma das mais tradicionais famílias nobres milanesas


Foto (Instituto Luce): Antonio Brivio (em impecável fraque e cartola) se casou em 3 de fevereiro de 1937 com Vittoria Perrone (foto). As preocupações de sua esposa começaram a afastá-lo progressivamente do esporte automobilístico. O filho do casal, Cesare Brivo Sforza depois se notabilizou nos esportes hípicos e na criação de cavalos, interesse comum das familias Brivio-Sforza e Perrone.

O clássico livro de Angela Cherrett sobre as Alfas 8C dá a entender que a noiva e depois esposa de Brivio, Vittoria Perrone, o teria acompanhado tanto aos EUA em 1936 para a Vanderbilt Cup como ao Rio de Janeiro em 1937, mas a imprensa brasileira de forma geral não noticia a presença da esposa de Brívio, embora dando destaque à presença da esposa de Hans Stuck.

No pós guerra Brivio se engajou ativamente como dirigente do automobilismo esportivo italiano incentivando a volta das corridas e eventualmente representou a Itália junto à FIA onde teria sido o mentor da criação de um campeonato mundial de pilotos que viria a ser o campeonato de Formula Um.

Sua última aparição foi nas Mille Miglia de 1952 (em dupla com Piero Cassani) onde seria nono na classificação geral e primeiro na categoria “esporte até 2 litros” com Ferrari 166MM carroceria Vignale. Portanto sua despedida ocorreu em uma Mille Miglia exatamente dezesseis anos após sua famosa vitória de 1936.


O CARRO DE BRIVIO NA GÁVEA DE 1937

Como já dissemos, a Alfa 12C 36 era um pouco mais potente, um pouco mais pesada e um pouco mais “delicada” de regulagem que a 8C 35 com a qual compartilhava o chassis. Os modelos foram usados simultaneamente em várias provas e os pilotos se alternavam entre um e outro.

A numeração de chassis das 12C 36 iria de 50101 a 50104 pelo menos (talvez mais dois chassis). 

Algumas fontes especificam que o chassis de Brivio na Gávea de 37 seria exatamente o chassis 50103.

A 12C 36 teria 360 a 370 hp ou seja cerca de 30 a 40 hp a mais que a 8C 35. Mas além de algum acréscimo de peso, seria um motor de acerto mais difícil e mecânica mais “caprichosa” de regulagem o que fez com que a Scuderia Ferrari mantivesse as 12 C 36 com as 8C 35 ao mesmo tempo. Em circuitos mais rápidos onde a 12C fazia alguma diferença, a 8C 35 ficava para os pilotos mais novatos ou como carro reserva. Porém, como vimos, em determinadas ocasiões mesmo Nuvolari preferiu uma bem provada 8C 35 em detrimento da 12 C 36. 


Foto: Brivio na Alfa 12C 36 nº 9 aguarda a largada da Vanderbilt Cup (EUA) de 1936 onde terminaria em terceiro lugar.


Atenção: As imagens foram retiradas da internet para ilustrar a matéria, que, por sua vez, não possui qualquer fim lucrativo. Caso o leitor reconheça alguma delas como de sua propriedade, pedimos encarecidamente que o mesmo entre em contato conosco que removeremos ela da página.  

 

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