A Ferrari de Moretti
• Por Alfa Romeo Clube do BrasilHá 50 anos atrás dois "gentlemen drivers” italianos vieram a São Paulo com o carro de corridas mais potente e veloz que já havia aparecido nas pistas.
A FERRARI DE MORETTI
Por Alberto Maurício Caló
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Há 50 anos atrás dois “gentlemen drivers” italianos vieram a São Paulo com o carro de corridas mais potente e veloz que já havia aparecido nas pistas brasileiras.
Alberto Maurício Caló conta a incrível aventura de uma pequena equipe italiana e de sua fabulosa Ferrari em....
A FERRARI de MORETTI
Nossa história começa por um evento que abalou o mundo automobilístico. Após um Ford X Ferrari nos anos 60 tivemos um Porsche X Ferrari nos anos 70. Desta vez um “clássico” entre dois fabricantes de carros de corrida europeus.
A BATALHA DOS TITÃS – 1970/1971
Uma história bem conhecida, mas que vale a pena repetir. Desde os anos cinquenta sempre houve uma certa polêmica sobre o que era a versão esportiva de um carro de turismo, um carro esporte, um carro “grã-turismo” ou GT e um protótipo de corridas.
E como misturá-los em uma prova e agrupá-los por categorias, com diferentes critérios, como cilindrada, forma de aspiração do motor, quantidade de passageiros, quantidade de veículos produzidos, etc.?
No meio dos anos sessenta os protótipos da categoria de topo, na prática, já não tinham limitações de cilindrada embora tivessem que observar prosaicas normas de regulamento como a capacidade de levar uma mala de certas dimensões, um estepe, um sistema elétrico completo e um lugar de passageiro, por mais apertado e desconfortável que fosse.
Assustada com a performance dos gigantescos Ford J e Chaparral-Chevrolet com motor de 7 litros que competiram no campeonato de 1967, a FIA anunciou que para 1968 passaria a vigorar o regulamento que previa os protótipos com motores limitados a 3,000cc ou 3 litros (Grupo 6). Para aproveitar carros já construídos e não ter que ficar com grids “esqueléticos” a FIA regulamentou a categoria Esporte ou “Sport” (Grupo 5) com motores de até 5 litros e no mínimo 50 exemplares construídos para homologação. Em seguida foi feito um aditivo ao regulamento reduzindo a 25 exemplares a quantidade para homologação na categoria “sport”. A ideia inicial era abrigar os Ford GT 40 (com mais de 50 unidades já construídas) e com esse adendo, também os Lola-Chevrolet.
O que a FIA esqueceu foi de dizer que esses blocos de 5 litros deveriam ser derivados de blocos de série, como de fato eram os Ford e Chevrolet. Esse esquecimento abriu a brecha de fazer verdadeiros protótipos de 5 litros com motores especialmente construídos para tais fins.
Isso estimulou a Porsche com bom apoio financeiro de sua parceria com a VW a construir 25 exemplares do Porsche 917, que foi apresentado em maio de 1969, no que foi seguida pela Ferrari no final daquele ano.
Após uma providencial injeção de capital pela FIAT a Ferrari anuncia no restaurante Gatto Verde ao pé dos Apeninos, pairando sobre Maranello, sua decisão de produzir 25 exemplares de um protótipo 5 litros que viria ser o Ferrari 512 S.
Se iniciou a “batalha dos titãs”, ou Ferrari x Porsche com os melhores pilotos do mundo nos comandos. Uma época breve (1970/1971) mas inesquecível na história das competições de carros esporte. Um espetáculo que provavelmente jamais assistiremos de novo.
Mas, paradoxalmente, isso logo criou um problema inédito para a Ferrari e a Porsche.
Durante os anos sessenta e até então esses protótipos eram feitos em pouquíssimas unidades, utilizadas pelas equipes oficiais e, na temporada seguinte, cuidadosamente distribuídos às “equipes clientes” que já contassem com boa estrutura.
Inclusive porque Porsche e Ferrari eram ciosas de sua reputação e não passavam esses carros a amadores que poderiam ter atuações desastrosas, maculando o prestígio das marcas.
Mas agora a situação era diferente. Teriam no mínimo 25 carros, protótipos caríssimos altamente especializados que precisariam ser vendidos logo a terceiros. Carros que em 1970 já tinham potência próxima a 550 HP e ainda mais que isso em 1971.
Contando com as necessidades das equipes oficiais, das equipes clientes, de carros reserva etc., ainda sobraria um bom número de carros a serem vendidos, inclusive para recuperar uma parte dos investimentos.
HOMOLOGAÇÃO
A primeira dificuldade das fábricas era apresentar os 25 carros construídos para homologação. Inicialmente as fabricas mandavam uma “lista de pedidos” para a FIA confirmando uma “ordem de produção”. Mas normalmente era uma “lista hipotética”.
John Starkey em seu livro “Lola T-70” recordou a homologação dos Lolas T-70 coupés pela FIA para a nova regra do campeonato de 1968.
Eric Broadley, patrão da Lola, estava tranquilo pois já tinha produzido uma quantidade muito maior de T-70 spiders, nas versões MKI e MK II, mas foi surpreendido no início de 1968 pois a FIA queria ver 25 Lolas T 70 MKIII “coupés” dos quais ele só tinha fabricado onze exemplares desde o início de 1967.
Starkey descreve em seu livro “-...a Lola chamou todos seus clientes ingleses para “devolverem” seus carros à fábrica. Colocou-os alinhados e na sequência alinhou todos os chassis em fase de montagem e em seguida alinhou mais alguns kits de carrocerias disponíveis.........e fez os comissários da FIA passarem bem rapidamente por essa “linha de montagem forjada” após muita conversa e um almoço muito bem servido......”.
Rico Steinemann, Diretor de Competições da Porsche recordou (aqui citado por Kiko Barros em excelente artigo na Porsche Clubnews de set/nov. de 2001).
“Os inspetores da FIA se contentavam com declarações de que os carros seriam construídos e aceitavam como provas listas de pedidos de clientes ou a existência de peças e componentes,...... mas viraram motivo de chacota diante de histórias de carros exibidos em longos salões com espelhos no fundo, documentos forjados e intermináveis passeios por fábricas onde cinco carros eram exibidos de manhã, depois mais cinco no almoço, mais cinco à tarde e assim por diante, quando ,na verdade, eram sempre os mesmos cinco carros.......... Tínhamos componentes e peças para os vinte e cinco carros exigidos, mas havíamos montado apenas seis e a FIA nos exigiu as vinte e cinco unidades prontas......Chamamos qualquer um que soubesse segurar uma chave de fenda para montar os vinte e cinco Porsches 917..........para surpresa dos inspetores da FIA lá estavam vinte e cinco unidades do Porsche 917 enfileiradas.......... todos os motores funcionavam, as marchas engatavam e eles se moviam para frente e para trás...........mas com certeza somente três ou quatro completariam com sucesso uma volta pelo quarteirão...........Depois das visitas dos inspetores todos os carros foram desmontados e posteriormente remontados por mecânicos “um pouco mais hábeis...”.
A bem da verdade a FIA fizera uma inspeção em 20/3/1969 e encontrou apenas três (ou seis conforme versão) carros completos, outros em vários estágios de construção e peças e chassis para montar os demais. Com a recusa da homologação, a Porsche “correu” para montar os 25 carros, conforme relato acima, para a inspeção de 21/4/1969, embora a maioria dos carros não estivesse exatamente “operacional”.
De fato, ao longo dos anos, a Porsche se excedeu e acabou construindo 59 modelos incluindo versões com carroceria cauda longa e coupé da série inicial (1969), 36 chassis do 917 K, o mais famoso, de carroceria de cauda curta (Kurzweck) incluindo os raros exemplares com “chassis de magnésio”, novas versões com carroceria de cauda longa (70/71), versões experimentais híbridas como o 917/20 (1971) e versões spider “Can-Am” (917/30) além de chassis que nunca competiram e viraram “carros doadores” de peças.
Foto: Maranello - As 512 S alinhadas para inspeção. Notem que o capô traseiro ainda está na configuração original sem os vários spoilers que seriam acrescidos. A homologação seria em janeiro de 1970 antes do embarque para Daytona. Mais ao fundo uma 512 amarela, possivelmente o chassis 1.002 da Escuderia Montjuic da Espanha. A outra 512 S amarela “de fábrica” seria o chassis 1030 da equipe belga Ecurie Francorchamps (Jacques Swaters). Na homologação 17 carros estavam montados e mais alguns chassis e carrocerias para 8 exemplares....
Foto de Família: Ristorante Gatto Verde- Maranello- 6/11/69: a 512 S e seus pais da esquerda para direita os engenheiros Walter Salvarani, Giacomo Caliri, Franco Rocchi, Giancarlo Bussi, Giovanni Marelli, Giuseppe Dondo e Mauro Forghieri.
Stuttgart, Alemanha, 21 de abril de 1969: 25 Porsches 917 na versão inicial “long tail” aguardam a inspeção da FIA.
Já com a Ferrari a FIA foi um pouco mais permissiva. A homologação foi em janeiro de 1970 às vésperas do embarque de cinco carros para Daytona. Só dezessete carros dos vinte e cinco estavam prontos. Os demais “em montagem”. Mas sabendo das enormes brigas que o Comendador Ferrari podia criar e não querendo ser “estraga prazeres” da organização americana (Daytona e Sebring) a FIA homologou a 512 assim mesmo.
Para se ter uma ideia, o Porsche 917 foi lançado em março de 1969 com um preço “de tabela” de 140.000 marcos equivalente em valores de época cerca de 35 a 38 mil dólares americanos) enquanto um 911 novo estaria entre US$ 4,2 a US$ 5 mil. Isso sem contar peças sobressalentes etc. e tudo o que seria o “pacote” para se operar um carro de corridas de forma competitiva.
John Woolfe, o primeiro “particular” a comprar o Porsche 917 teria pagado o equivalente a 16 mil libras esterlinas (tempo em que a libra valia mais que o dobro do dólar).
E é justamente neste panorama que se inicia a “busca” a esses novos clientes.
Foto: Pátio da Porsche, Stuttgart, 21/4/1969: as famosas inspeções da FIA: muita conversa...um aperitivo.... visita à fábrica. Um bom almoço...visita ao departamento de competições... mais conversa ... um café... e muitos carros dos quais a maioria não conseguiria dar a volta no quarteirão.... (centralizado de paletó aberto e gravata escura o jovem Ferdinand Piëch, sobrinho do Dr. Porsche, diretor de competições e anos mais tarde célebre Presidente da Volkswagen).
RÁPIDOS COMO UM FÓRMULA 1
Que se deixe bem entendido. Nos anos 50, 60 e início dos 70 era comum pilotos de F 1 ou de “Grand Prix” participarem ativamente de corridas de F-2 e de protótipos. Não só porque o campeonato de F-1 era composto por poucas provas, como também para que esses pilotos pudessem completar seus ganhos como profissionais.
Então, em um contexto normal, os 917s e 512s de fábrica e das equipes “próximas” eram realmente guiados por pilotos que eram, foram ou seriam logo em seguida pilotos de F-1. Pilotos talentosos e experientes, (exemplo: na Porsche, Jo Siffert, Pedro Rodriguez, Brian Redman, Richard Atwood, Helmut Marko) (exemplo na Ferrari, Mario Andretti, Jacky Ickx, Chris Amon, John Surtees, Jo Bonnier, Mike Parkes). Participantes eventuais nesses Porsche, Ferraris, Lolas, Matra Simca ou Alfa Romeos eram gente como Ronnie Peterson, Denny Hulme, Jack Brabham, Henri Pescarolo, Jean Pierre Beltoise, Jackie Stewart, Reine Wissel, Tim Schenken, Carlos Reutemann, Emerson Fittipaldi etc., ou seja, todos na F1 ou com passagem pela F1.
E assim deveriam ser. Mas por quê?
Porque os 917 e 512 tinham relação peso-potência próxima de um F 1 e – acreditem -, na temporada de 1970 chegaram a baixar o tempo dos F-1 em determinadas pistas mais velozes, tirando partido de suas carrocerias mais aerodinâmicas. Por exemplo, nos 1.000 Kms da Áustria de 1970, Jacky Ickx baixou o melhor tempo dos F1 no mesmo ano na mesma pista (Zeltweg também conhecida como Osterreichring). No GP da Áustria de F-1, Ickx (Ferrari 312 B) fez a melhor volta da prova em 1`40`4 em igualdade de tempo com seu companheiro de equipe Clay Regazzoni e o mesmo Ickx, agora com Ferrari 512 M fez a melhor volta dos 1.000Kms da Áustria na mesma pista com 1`40``0.
Esses protótipos eram tão rápidos que entravam também nas provas Can-Am (então a categoria mais veloz do mundo em circuito misto), contra os McLaren, Chaparral e Lolas de 7 litros e não ficavam tão para trás, sempre se classificando bem, embora sem poder vencer os McLaren Chevrolet de quase 800hp.
Enfim 917s e 512s eram dos carros mais velozes do mundo e demandavam pilotos de primeira linha ao volante.
Foto: Monza era uma pista extremamente rápida e pouco técnica sem as chicanes. Em 1971 a melhor volta dos 1.000Kms de Monza de 1971 foi de Pedro Rodriguez (Porsche 917) com 1`24. e a melhor volta do GP da Itália de F-1 foi de Henri Pescarolo (March Cosworth) com 1`23``8 No mesmo ano (1971) e na mesma pista Emerson Fittipaldi com o famoso Lotus Turbina (Lotus 56-B Pratt & Whitney) se qualificou no grid da F-1 em 18º com 1`25``18 (foto).
Mas isso se tornou um problema. Agora tinham que vender alguns carros a equipes menos gabaritadas com pilotos mais ou menos amadores.
Era um contexto perigoso e isso ficou claro quando a Porsche vendeu o primeiro 917 a uma equipe particular a John Woolfe Racing do empresário e piloto amador britânico John Woolfe.
Ao receber seu carro, o mesmo foi imediatamente inscrito em Le Mans 1969 antes mesmo que a pequena equipe inglesa tivesse tempo de colocá-lo nas suas cores oficiais (azul “royal” com faixas amarelas). O carro foi apresentado no branco oficial da Porsche com faixas azuis e amarelas longitudinais.
É sabido que esses primeiros 917 de 1969 eram carros muito instáveis, difíceis de pilotar, com carrocerias de cauda longa. Os carros de cauda curta, mais “civilizados” só apareceriam na temporada de 1970. Ao dar as primeiras voltas no treino, o copiloto de Woolfe, Digby Martland, logo desiste da competição alegando que o 917 “não era um carro para amadores”. A Porsche, às pressas, providencia seu experiente piloto de testes, Herbert Linge, para classificar o carro e fazer dupla com Woolfe na prova.
Woolfe era um piloto amador britânico com 37 anos e pela primeira vez estava em um carro muito competitivo largando em nono lugar. Segundo versão de época, Woolfe tinha trazido toda a família da Inglaterra para vê-lo em ação na prova mais tradicional da Europa. Sabendo que nas provas longas o carro poderia quebrar antes mesmo do segundo turno de pilotagem, Woolfe insiste em participar da largada (ainda ao velho estilo com pilotos correndo até os carros do outro lado da pista) e fazer o primeiro turno de pilotagem.
Não se sabe o que efetivamente aconteceu, mas a consequência desse tipo de largada era comum que vários pilotos fizessem esse primeiro turno de pilotagem com os cintos de segurança desamarrados, ou, pior, tentassem fixá-los com o carro em marcha.
Foto: Le Mans junho de 1969.O tragicamente famoso Porsche 917 da John Woolfe Racing ilustrou da pior forma o que poderia acontecer com protótipos instáveis e rápidos em mãos menos experientes.
As consequências seriam trágicas. Possivelmente animado por estar no pelotão da frente, (estava em 12º no momento do acidente) perto dos Porsches “de fábrica” ainda na primeira volta Woolfe se excede, derrapa em Maison Blanche, o carro bate e se parte ao meio causando a morte quase instantânea de seu piloto e um incêndio de grandes proporções que atingiu outros concorrentes entre os quais a Ferrari 312P de Chris Amon.
FAZEDORES DE VIÚVAS
A Porsche, além da derrota para o Ford GT 40 em Le Mans 1969, ainda enfrenta as críticas da imprensa mundial por ter vendido um protótipo ainda não devidamente desenvolvido a uma equipe particular, causando a morte de seu piloto.
O carro é chamado de “widowmaker” - fazedor de viúvas.
Nesse contexto dramático, no final de 1969, Porsche e Ferrari vão ter que buscar compradores para seus magníficos (e perigosos) 917s e 512s.
O problema dos Porsches 917 e Ferraris 512 em mãos de pequenas equipes particulares seriam os que todos já imaginam, por exemplo:
-Falta de preparo das equipes para dar adequada manutenção e acerto para carros sofisticados;
-Falta de estoque adequados de peças por força de “orçamentos apertados”,
-Falta de pilotos experientes para acerto em pista dos carros;
-Escolha inadequada de eventos “menores” (como eventos em pistas sinuosas, eventos em circuitos de rua, subidas de montanha em rotas “travadas”).
Tudo isso colaborando para que essas pequenas equipes particulares acabassem às vezes dando vexames maiores ou menores e os 917 e 512 particulares acabassem sendo “presas fáceis” de protótipos de baixa cilindrada preparados e guiados por mãos mais profissionais e competentes.
Em compensação outra parte da demanda de carros seriam as equipes oficiais e as clientes tradicionais.
No caso da Porsche os 917 seriam utilizados pela equipe de fábrica, em 1970 representada pela Porsche Salzburg (de Louise Piech, nascida Louise Porsche e mãe de Ferdinand Piech diretor de competição da Porsche, chefe do projeto do 917, depois presidente da VW), pela Gulf Porsche (John Wyer) e pela Martini Racing (Conde Gregorio Rossi di Montelera da Martini & Rossi), mais os carros reserva e restando vender alguns carros para equipes particulares.
No caso da Ferrari a própria Scuderia Ferrari ficaria com alguns carros, os outros iriam para a equipe americana, NARTNorth American Racing Team (Luigi Chinetti), para a suíça Scuderia Filipinetti (Georges Filipinetti) e a belga Ecurie Francorchamps / Ecurie Nationale de Belge – Jacques Swaters), restando vender alguns carros para equipes particulares.
Moretti / Manfredini e a Scuderia Picchio Rosso
Nesse contexto é que aparece Gianpiero Moretti e a ligação com nossa história.
Gianpiero Moretti (1940-2012) viria a construir um curriculum respeitado como piloto e empresário.
Membro de tradicional família milanesa do ramo farmacêutico, encontrou seus próprios caminhos e no meio dos anos 60 criou a fábrica de volantes esportivos, pequenos, com aros revestidos de couro, com sua marca “Momo” à qual se juntaria a fabricação de seus macacões de competição sob a marca “Nomex”. Ambas as marcas (Momo e Nomex) viriam a ser eventualmente seus pseudônimos nas pistas.
Mas a verdade é que em fins de 1969 Moretti era um amador, um gentleman driver com um curriculum limitado.
Até 1967/68 Moretti praticamente só participara de provas nacionais italianas, a maioria de subidas de montanha e com carros de baixa cilindrada (Fiats, Fiat Abarths, Simca Abarths e depois um Porsche 911 de 2 litros). Algumas participações em Mugello e na Targa Florio sem maiores destaques e com poucas provas europeias de nível internacional.
Só em 1969 é que associado a seu amigo Corrado Manfredini (com um curriculum mais longo, mas de envergadura igualmente limitada) é que reunidos na Scuderia Picchio Rosso (de alguma tradição na F2 e F3 italiana) passam a disputar corridas com um carro mais atualizado, um Porsche 907.
O ano 1969 daria os primeiros resultados um pouco mais significativos a Moretti como um 4º lugar na classificação geral nas 6hs de Vila Real (Portugal) com um 907 em dupla com Manfredini e um 10º lugar na classificação geral da Targa Florio e 1º na categoria com um Porsche 911 2.0 em dupla com Everardo Ostini.
Corrado Manfredini, igualmente um gentleman driver, 9 anos mais velho que Moretti era veterano das “Mille Miglia”, com algumas passagens internacionais inclusive no Brasil em 1957 (Interlagos-SP e Circuito da Quinta da Boa Vista-RJ). Mas sua carreira era igualmente amadora, com anos mais ativos e anos menos ativos inclusive porque conduzia os negócios da família no ramo da construção/incorporação com seu pai Ercoliano Manfredini na importante empresa até hoje existente criada em Rovigo e depois transferida para Milão.
É assim que aproveitando seu bom contato e amizade com o Comendador e seu filho Piero Lardi Ferrari é que Moretti é convidado, ou se convida, a adquirir um Ferrari 512 S para a Scuderia Picchio Rosso. Dizem que metade do carro foi pago com os volantes Momo que naquela época passaram a substituir nos carros esporte da Ferrari os belos volantes Nardi com aro de madeira. Outros dizem que todo o carro foi pago com um estoque de volantes (quem sabe?). Outros ainda afirmam que carro teria sido comprado em sociedade com Manfredini e Moretti pagou sua parte com os volantes....
Enfim, o valor de um 512 à época era de 25 milhões de liras italianas, ou seja, de qualquer modo uma pequena “fortuna” (um dos conversores utilizados conduz a um
valor de época de US$ 39/40 mil dólares norte-americanos quando um carro de luxo custaria cerca de 7 a 8 mil dólares).
E aí se inicia uma das mais incríveis histórias das peripécias de uma pequena equipe e um carro excepcional.
O próprio Moretti recordou que foi recolher o carro na fábrica, deu apenas três voltas na pista da Ferrari para checar os instrumentos e partiu para as 24 hs de Daytona em 30/1/70 com Manfredini e apenas 2 mecânicos sem conhecer absolutamente mais nada do carro e de seu comportamento em pista.
Esse era o chassis 1032.
24 HS de Daytona (USA) - 31/1/1970
Pilotos: Moretti / Manfredini - número do carro na prova: 30
Foto: Daytona, janeiro de 1970 a Ferrari 512 S chassis 1032 “nova em folha” é preparada para o início dos treinos. Moretti havia guiado o carro brevemente em Modena. Manfredini ia ser apresentado a ele ali mesmo em Daytona.
Foto: Daytona, janeiro de 1970. Moretti e Manfredini na mesma ocasião foram “apresentados” à pista americana onde nunca tinham colocado os pés antes.
Em Daytona, naturalmente largam do fundo do pelotão (33º tempo com 2`19``) bem longe dos outros 512 e 917. O 512 na pole position fez 1`51``56. Mesmo assim na longa corrida, após três horas de prova estão em 11º e após seis horas de prova estão em 9º lugar. Após a meia noite envolvem-se em um pequeno acidente com outra 512 S do NART (Gurney/Parsons). Aproximadamente às 3 da madrugada, após 12 hs (ou metade) de prova, quando estavam em 7º lugar abandonam por quebra da suspensão. (quebra eventualmente atribuída ao “toque” com a Ferrari do NART).
RAC “Easter Cup” – Truxton / Inglaterra 30/3/1970
Piloto: Moretti - número do carro na prova: 2
Voltam à Itália onde a Ferrari é reparada na fábrica e em março resolvem “pegar uma carona” com a equipe Picchio Rosso no caminhão que levava os Fórmula-2 dos irmãos Brambilla (Vittorio e Ernesto) a para uma prova britânica na pista de Truxton etapa inaugural do Campeonato Europeu de Fórmula 2. A Fórmula 2 era muito prestigiada e vários dos ases de F-1 estavam presentes. A Picchio Rosso levava dois monopostos mais antigos sendo um Brabham BT 23 para Vittorio Brambilla e um Ferrari Dino 166 F-2 para seu irmão Ernesto “Tino” Brambilla.
O evento “coadjuvante” da F-2 é a prova que abre o campeonato nacional britânico de carros esporte e protótipos a “Royal Automobile Club Easter Cup” em 30/3/70. É uma prova curta de 25 voltas, por alguns citada também como “Embassy Trophy”. A prova reúne protótipos de várias cilindradas, com a pole position do pequeno Chevron B 16 (1,8 litros) da equipe de fábrica com Brian Redman ao volante, seguido pela Lola T70 de David Piper e Moretti largando em 3º com a Ferrari.
O favorito, Jo Siffert, larga em sexto com o Porsche 917 também da equipe de David Piper.
Moretti surpreendentemente toma a ponta e consegue andar por alguns instantes na frente do Porsche 917 com Jo Siffert ao volante, mas a euforia dura pouco. Pressionado por Siffert, desconhecendo a pista e a categoria dos adversários, Moretti logo se entusiasma e sai da pista na segunda volta danificando o capô traseiro da Ferrari.
Foto: a Ferrari no Circuito de Truxton (Hampshire, sul da Inglaterra) - 30/3/70
O evento seguinte é objeto de dúvidas. Uma versão diz que Moretti foi participar de uma prova de campeonato italiano em Vallelunga, próximo a Roma. De fato, em 4 e 5 de abril de 1970 estava prevista uma etapa de campeonato italiano em Vallelunga (Coppa Automobile Club di Roma) mas não se tem maiores informações se Moretti efetivamente participou do evento. A versão que cogita essa hipótese dá a entender que Moretti também teria sofrido algum acidente nessa prova. Os dados levantados apontam, porém, que essa prova em Vallelunga não era aberta para carros dos Grupos 5 e 6 (sport e protótipos) mas apenas ao grupo 4 (grã- turismo e turismo modificados).
Coppa Automobile Club di Verona – Monza / Itália - 12/4/1970
Piloto: Manfredini - número do carro na prova: 2
A versão dominante e comprovada afirma que o evento seguinte foi em 12/4/70 em Monza com Manfredini ao volante conforme amplamente confirmado pela lista de inscritos e notícias da imprensa logo após a corrida. Este evento seria a “1ª Coppa Automobile Club di Verona” no autódromo de Monza, um evento nacional para carros Grupo 4 e 5. Era um evento de campeonato italiano, sendo oportuno lembrar que a prova era no mesmo final de semana dos 1.000 kms de Brands Hatch que atraiu as principais equipes do mundial de marcas. Para prova em Monza, Manfredini se colocava como franco favorito e já tinha o melhor tempo nos treinos, mas segundo as testemunhas, no final do treino a Ferrari pega fogo e Manfredini se demora a perceber e parar o carro. O incêndio, que fora causado por vazamento do fluído de freios, traz danos irremediáveis ao chassis 1032.
O saudoso Giacomo Moioli (“Noris”) visto aqui com o mesmo Porsche 910 com o qual venceria a Coppa Automobile Club di Verona em Monza, era um veterano piloto amador muito querido, especialista em subidas de montanha. Infelizmente ele desapareceria poucos anos depois num acidente com seu Porsche 908/2.
Essa prova seria vencida pela Porsche 910 de Noris (pseudônimo de Giacomo Moioli), conhecido especialista em subidas de montanha que teve como principais adversários os protótipos Abarth 2.000 de Carlo Benelli e Antonio Zadra, sendo que a maior parte do campo de concorrentes eram carros de turismo e gran turismo principalmente Alfas GTA e Porsches 911.
A 512 chassis 1032 volta à fábrica salvando-se alguns componentes mecânicos. Parece incontroverso que mais tarde partes remanescentes do chassis 1.032 foram usadas por Manfredini para montar o chassis 1050 que em 1971 iria aparecer em provas do mundial de marcas em Monza, Spa-Francorchamps e Le Mans com a dupla Manfredini / Gagliardi, inscritos sob a bandeira da Scuderia Filipinetti.
NOSSO CARRO
Aí vem um novo chassis, o 1022.
Agora começa a verdadeira história da “Ferrari de Moretti”. O carro das Mil Milhas e da Copa Brasil em Interlagos.
Não há dúvida sobre esse carro que é o que veio ao Brasil, mas sua origem é um pouco obscura como vamos ver a seguir.
Em outras palavras, todos parecem certos de que esse chassis é o 1022, mas sua origem parece incerta.
UMA VERSÃO
Chassis usado ou chassis novo? Uma primeira versão diz que o chassis 1.022 era um carro original da Scuderia Ferrari que iniciou sua vida competindo nas 24 hs de Daytona com a dupla Vaccarella/Giunti com o nº 26, e que terminou se acidentando por causa de quebra na suspensão na prova.
Segundo essa versão o chassis 1022, sempre na Scuderia Ferrari, foi reparado e encaminhado para a sessão de testes em Le Mans em 11 e 12 de abril de 1970 usando uma cauda longa e pilotada por Jacky Ickx ficou com o 2º tempo na classificação geral dos testes.
Então esse carro seria por assim dizer o carro “líder” da Ferrari, pilotado por seu principal piloto de F-1 nos testes com carroceria de cauda longa que era especialmente preparada para a longa reta de Le Mans. (hanaudières para os franceses ou Mulsanne para os ingleses).
O que abona essa versão de que o 1022 era um carro usado, é o fato que a Scuderia era conhecida por vender seus próprios carros, até muitas vezes vender carros já usados por ela como novos. Outro fato que abona essa versão é que o carro foi entregue em Monza para Moretti e Manfredini competirem nos 1.000Kms de Monza apenas dois fins de semana depois, significando que o chassis 1.002 estava pronto em condições operacionais (levando a crer que fosse realmente um carro existente e usado).
Por fim, alguns detalham até que o motor tinha sido forçado em Le Mans e explodiu após os treinos oficiais em Monza onde a Ferrari prontamente providenciou um motor novo para corrida.
Como detalhe adicional esses relatos dão conta que o carro ainda estava em Monza com as relações de marcha mais longas usadas para Le Mans.
Mas alguns anos atrás a respeitada revista francesa “Automobile Historique” (números 34 e 35 de fevereiro e março de 2.004) fez uma reportagem completa dos chassis das Ferraris 512 que eventualmente leva a crer que o 1.022 fosse um chassis realmente novo.
O fato de um piloto oficial da Scuderia Ferrari, Arturo Merzario, ter sido visto em Monza fazendo acertos nesse carro (1.022) poderia levar ao entendimento de ser um chassis novo, sendo certo que a tarefa principal de Merzario era pilotar um 512 S “oficial” com Chris Amon.
Que os comissários de Monza tivessem feito vistas grossas ao carro com Merzario ou que este tenha sido inscrito por duas equipes (Scuderia Ferrari e Picchio Rosso) não surpreende.
Mas o fato do 1.022 ter dado umas voltas com um piloto de fábrica, parece ser (e era tradicionalmente) procedimento de “entrega” de um carro novo para pilotos amadores menos experientes.
Porém, tempo de largada do carro parece desmentir a versão de que Merzario teria “classificado” o carro.
O 1.022 da Picchio Rosso largou com o 15º tempo. Tempo compatível com as habilidades de Moretti e Manfredini, sempre levando em conta que Monza não era um circuito muito técnico na época (um circuito de “pé na-tábua”, em outras palavras).
A versão da revista “Automobile Historique”
Para desmentir a versão de que o chassis 1.022 era um carro usado, o relato de Automobile Historique diz que o carro que competiu em Daytona com o nº 26 na verdade era o chassis 1028 e que após o acidente em Daytona, seria reconstruído pela Ferrari e passado para Luigi Chinetti, titular do NART – North American Racing Team.
Foto: 31/1/70 o carro número 26 da Scuderia Ferrari nas 24hs de Daytona. Qual seria o chassis?
STEVE MCQUEEN e “As 24 horas de Le Mans”
Supondo-se – hipoteticamente - que o carro número 26 da Scuderia Ferrari pilotado em Daytona por Vaccarella e Giunti fosse o chassis 1028 e que esse chassis fosse passado em seguida para o NART sua história também teria duas rotas:
- O carro foi diretamente para o NART (North American Racing Team) de Luigi Chinetti com o destino que veremos a seguir OU;
- Antes de ir para os EUA, mas já sob tutela de Chinetti, o chassis 1028 teria sido cedido para participar das filmagens de “Le Mans” (título no Brasil: “As 24 horas de Le Mans”) de Steve Mcqueen.
Essa carreira cinematográfica intermediaria do 1.028 não parece fazer sentido.
É sabido que nas filmagens a Ferrari não cedeu nenhum carro da Scuderia. A versão corrente é que o Comendador Ferrari teria se recusado a ceder carros para um filme onde ao final a Ferrari é derrotada pela Porsche.
Os historiadores do filme dão como certo o emprego de quatro Ferraris que teriam sido cedidos pela Scuderia Filipinetti (dois), Ecurie Francorchamps (um) e NART – North American Racing Team (um). Esses carros já tinham acabado de correr na Le Mans “verdadeira” configurados em versão de cauda longa e para o filme teriam sido simplesmente “decorados” nos detalhes dos carros da Scuderia Ferrari para efeitos das filmagens.
Fotos de época mostram o ator Steve Mcqueen com os quatros carros assim configurados.
Foto: o grande astro americano Steve Mcqueen tentou obter o máximo de realismo no seu clássico filme “Le Mans”. Piloto amador que vinha de um ótimo 2º lugar nas 12hs de Sebring de 1970 com um Porsche 908 em dupla com Peter Revson, ele arrendou várias Ferraris 512 e Porsches 917 verdadeiros para as filmagens sendo que ele mesmo os pilotou em algumas sequências. Como luxo adicional, as cenas de acidentes foram performadas por Lolas T-70 verdadeiras disfarçadas de Porsches e Ferraris.
Foto: No filme “Le Mans” o par romântico de Mcqueen foi uma encantadora Elga Andersen.
Assim, mais provavelmente o carro do NART que participou das filmagens seria um chassis habitual do NART (o chassis 1014 usado em Le Mans por Posey/Bucknun já em configuração cauda longa).
Então, se descartada a participação no filme, temos que o carro que apareceu com Scuderia em Daytona chassis 1028 (e não o 1022), originalmente um coupé com nariz fino e cobertura de capô branco, após seu acidente em Daytona 1970, teria sido restaurado na configuração 512 S spider (nariz um pouco mais robusto e capô traseiro curto mas modificado para a versão final do 512 S cauda curta) indo diretamente para as mãos de Chinetti (sem passar pelo “set de filmagens”) que imediatamente o revenderia ao piloto David Weir, que reapareceria com ele nas 12hs de Sebring de 1971 em dupla com Chuck Parsons.
Coincidência ou não, tanto em Daytona 70 como em Sebring 71 o carro tem atribuído o mesmo número de corrida, 26. Mais tarde seria reconfigurado na versão 512 M para Le Mans 1971 (Weir/Craft). As fotos de época atestam essas configurações.
Se o chassis de Daytona em 1970 era o 1.028 (e não o 1.022) e se o 1.028 foi para o NART de Luigi Chinetti (passando ou não pelo filme), resta indagar qual foi o carro usado pela Scuderia nos treinos de Le Mans?
Para o livro “Haynes-Ferrari 512 S/M – Owners Workshop Manual” de Glen Smale (ed 2016) o carro vendido para David Weir seria o chassis 1.006 com identidade trocada para chassis 1.028. Chinetti teria recebido da Ferrari o chassis 1028 “recém reformado” e teria repassado para Weir seu mais antigo chassis 1.006, mas com identificação do 1.028. O NART em consequência passou a usar o que era de fato o 1.028 com identificação do seu antigo 1.006.
Nessa outra versão, após um cuidadoso cruzamento de informações do relato de “Automobile Historique” o carro que foi para os testes em Le Mans em abril de 1970 com uma carroceria de “cauda longa” teria sido o chassis 1044 (e não o 1022 nem o 1028).
O 1.044 seria então um chassis novo cuja primeira aparição teria sido com a Scuderia Ferrari no treino de Le Mans com uma cauda longa experimental. Depois o carro, sempre pela Scuderia Ferrari iria aparecer nos 1.000Kms de Spa-Francorchamps com uma cauda curta e voltando a aparecer em Le Mans como carro da Scuderia Ferrari com a cauda longa. Esse chassis 1044 seguiria depois carreira na equipe de Herbert Muller reconfigurado na versão 512 M. A partir dos 1.000Kms de Spa-Francorchamps de 1070 tanto livro da Edição Haynes como a revista “Automobile Historique” tem a mesma versão sobre o chassis 1.044;
ENTÃO.......
Então segundo os relatos mais recentes acreditamos que o chassis 1022 era um chassis já existente com um pequeno histórico na Scuderia Ferrari.
Independente do nascimento, parece certo de que o chassis 1022 é a “Ferrari de Moretti” e também parece certo que o 1022 viajava e cruzava fronteiras com os papéis do “defunto” chassis 1.032.
O chassis 1.032 extensamente danificado no incêndio em Monza foi deixado de lado na fábrica para ser remontado quase um ano depois formando o carro atualmente denominado de chassis 1-032 - 1.050.
O livro “Haynes-Ferrari 512 S/M – Owners Workshop Manual” endossa a versão de que o chassis 1.022 já existia e fora inicialmente visto na equipe oficial nas 24hs de Daytona de 1970 e depois nos teste de Le Mans em 11 e 12 de abril de 1970.
De qualquer modo, como veremos em seguida, a carreira do chassis 1.022 é tão rica de eventos que a discussão acerca do “nascimento e história pregressa” do chassis praticamente perde sentido.
O que iria acontecer dali para diante é certamente muito mais interessante que a vida anterior do chassis 1.022 fosse ele novo ou usado.
Vamos para o próximo capítulo de nossa história. Os 1.000 Kms de Monza se aproximavam e a Ferrari queria “força total” da scuderia e equipes particulares para a prova “em casa”.
1.000 Kms de Monza / Itália - 25/4/1970
Pilotos: Moretti/Manfredini - número do carro na prova: 5
Moretti e Manfredini já estavam de “carro novo”, apenas duas semanas depois do incêndio que destruiu o chassis 1032.
Como já relatamos acima, dizem alguns que a Ferrari mandou o então jovem talento Arturo Merzario ajudar Moretti e Manfredini na Scuderia Picchio Rosso para classificar o Ferrari e ajudá-los a fazer boa figura na prova.
Porém parece que, pelos tempos obtidos, Merzario não “classificou” o carro nas tomadas de tempo oficiais.
Como já dissemos, o resultado do treino pode não ter sido brilhante (15º no grid com o tempo de 1’29”08.). Mas digamos que era um resultado compatível com um 512 “particular” que estaria razoável para Moretti e Manfredini que estavam logo atrás de uma Ferrari de outra equipe privada (Filipinetti) em 14º com 1’28”61.
Para dar uma ideia do “gabarito” de Merzario basta dizer que ela estava inscrito em um 512 S “oficial” da Scuderia Ferrari em dupla com Chris Amon, com o qual ficaram em segundo lugar no grid com o tempo de 1’25”78.
A versão que diz que o 1022 era o carro de Daytona e do teste em Le Mans afirma que o motor- que fora muito forçado no teste em Le Mans- estourou no final do treino de Monza, mas a Ferrari providenciou logo outro para a corrida. Essa versão diz ainda que o carro em Monza estava com as relações de marchas “longas” usadas em Le Mans e que isso obviamente teria prejudicado o desempenho também.
Difícil, porém, imaginar que, sendo um carro novo ou usado, a Ferrari já não soubesse exatamente as relações de marcha apropriadas para Monza. Por ser uma prova muito importante para a Ferrari e “em casa” seria razoável que ela tivesse empenhada em mandar também os carros das equipes particulares bem preparados (ou pelo menos com as relações de câmbio corretas).
O certo é que após muitos problemas Moretti e Manfredini terminam em um “honesto” 9º lugar na geral e 6º na categoria. A Ferrari também perde a prova para os Porsches 917 depois de uma série de quebras e “trapalhadas” nos boxes com os 512 da “Scuderia”.
Foto 1.000 kms de Monza 1970: a Ferrari nº 5 de Moretti / Manfredini precede um Porsche 908/2 da Martini Racing e um Porsche 917 da equipe GESIPA.
VIAJANDO PELO MUNDO
O que vem a seguir é uma incrível história de como uma minúscula equipe com poucos meios vai cruzar o mundo fazendo as provas mais inusitadas com seu magnífico Ferrari.
Gran Premio Trofeo de Primavera – Jarama / Espanha 3/5/1970
Piloto: Manfredini - número do carro na prova: 72
Apenas uma semana depois, em 3/5/70, a pequena equipe foi para a Espanha para o “Gran Premio Trofeo de Primavera” no circuito de Jarama. O programa previa uma série de provas inclusive para carros de turismo, a prova principal, porém seria a prova para carros esporte que envolvia carros do Grupo 6 (protótipos até 3 litros), Grupo 5 (esporte até 5 litros) e Grupo 4 (gran turismo e turismo “modificados”).
O Campeonato espanhol assistia a rivalidade da Escuderia Nacional versus a Escuderia Montjuic, ambas com seus Porsches 908/2.
As duas equipes espanholas estavam prontas para dar voos mais altos e se apresentar nos eventos internacionais em 1970.
Com essa finalidade a Escuderia Montjuic tratou de comprar um Ferrari 512 S e a Escuderia Nacional em revide adquiriu seu Porsche 917.
A Escuderia Nacional recebeu seu 917 em fevereiro e tentou uma inscrição em Le Mans que foi recusada, fazendo com que seu 917 fosse usado prioritariamente no campeonato nacional espanhol fazendo sua única aparição internacional nos 1.000kms de Buenos Aires de 1971 conforme comentaremos mais adiante.
Foto: nessa rara imagem do grid do Trofeo Primavera no Circuito de Jarama, em primeiro plano o Porsche 908/2 nº 75 do Príncipe Jorge Bragation e ao fundo à esquerda, mal visível, o bico da Ferrari 512 S nº 72 de Manfredini.
Já a Escuderia Montjuic, talvez devido à influência da Ferrari, teve aceita sua inscrição em Le Mans e recebeu sua 512S “novinha em folha” que chegou no caminhão da fábrica para os testes em Le Mans em abril de 1970, causando sensação em sua pintura amarela com faixas verdes.
No “Trofeo de Primavera”, a Escuderia Nacional se apresentou com seu Porsche 917 para Alex Soler-Roig, mas a Escuderia Montjuic poupou seu Ferrari 512 uma vez que estava preparando o carro para Le Mans. A maior parte da oposição ao 917 da Montjuic e ao 512S da Picchio Rosso viria dos Porsches 908/2 da própria Escuderia Nacional (Príncipe Jorge Bragation da família real da Georgia)) e da Escuderia Montjuic (um carro para José Juncadella e outro para Juan Fernandez) e do Porsche 908/2 de Juan Kuntz.
Manfredini, designado para fazer a prova em Jarama, ficou com o quarto tempo do grid, atrás de Alex Soler Roig na pole position com seu 917 e de dois Porsches 908/2 dos “habituées” locais Príncipe Jorge Bragation e Juan Fernandez.
Mas Manfredini abandonou a prova e, como era de se esperar, a vitória foi para Soler Roig (Porsche 917) com Bragation (Porsche 908/2) em segundo.
Foto: o campeonato espanhol era muito animado (mas não muito seguro). O vencedor do Trofeo Primavera foi o Porsche 917 de Alex Soler Roig visto aqui no circuito de rua do Gran Premio de Alcañiz de 1970. A Cidade de Alcañiz é rodeada pelo Rio Guadalope, pelo que esse perigoso circuito urbano era conhecido como “Circuito de Guadalope”. Assim como em Jarama, Alex Soler Roig também venceria essa prova no 917, apesar da forte pressão de seu colega de equipe o Príncipe Jorge Bragation (Porsche 908/2).
AVENTURA ITALIANA
À falta de eventos em pista, a equipe Picchio Rosso -de forma mais inusitada ainda- parte para uma série de competições em subidas de montanha.
Certo é que - até aquele tempo - o Campeonato Europeu de Subida de Montanha era muito prestigiado e objeto de uma feroz competição entre como Porsche, Ferrari, Alfa Romeo, Abarth, sem contar a presença constante de monopostos de F-2 ou F-3, sempre com pilotos de ótimo nível nas equipes oficiais, fora os pilotos “especialistas” nessa modalidade.
Mas, em sã consciência, a Ferrari 512 S era completamente inadequada para uma subida de montanha um percursos curtos, estreitos e sinuosos.
Mesmo nos circuitos sinuosos do Mundial como Nurburgring e Targa Florio a Porsche evitou competir com os 917, apresentando os 908/3, ou seja, um chassis oriundo dos Porsches “spiders” construídos para subidas de montanha. Um único 917 foi para uma prova em traçado sinuoso, a Targa Florio em 1970 só para efeito de teste. E não competiu.
A Ferrari, por falta de um protótipo menor em 1970 ainda mandou um 512 S para a Targa de 1970 para não faltar ao evento e desapontar os “tifosi”. Ainda assim porque podia contar com os serviços do grande Nino Vaccarella para a prova (o talentoso piloto siciliano era o maior especialista da prova). Mas nem isso garantiu o sucesso, mas pelo menos houve um honroso 3º lugar atrás dos Porsches 908/3.
Mas o DNA de formação de Moretti como um piloto de subida de montanha falou mais alto.
As subidas de montanha contra o cronometro eram extremamente populares na Itália e ainda reminiscentes das provas de estrada entre as quais as famosas Mille Miglia (já extinta na época) e Targa Florio sobrevivente até o início dos anos setenta como prova do Mundial de Marcas e ainda o famoso circuito de Mugello que tinha trechos da extinta Mille Miglia.
No final dos anos sessenta as subidas de montanha cronometradas (a “corsa in salita” ou “cronoscalata”) eram grandes eventos regionais de um colorido especial e envolviam centenas de participantes. Desde pequenos Fiats 500, Autobianchis, Morris Mini, Fiats Abarth, Fiats Moretti, Fiats Dagrada etc., passando por modelos maiores, sedas de 4 portas (berlinas) Fiat 128, Alfa Romeo Giulia Ti e Ti Super, Lancias, esportivos como Alfas Giulias GT, GTV e GTA, Lancias Zagato, Fulvias, Simca Abarths, Porsches 356 e 911s carros de Grã Turismo como Ferraris, Maseratis e finalmente os candidatos à vitória “absoluta” que eram geralmente protótipos Alfa Romeo (P33/2), Porsche (906, 907 e 910), Ferrari (Dino) e Abarth nas mãos de pilotos especialistas em subidas de montanha e eventualmente, conforme a importância do evento, pilotos e carros de equipes de fábrica dessas marcas. Eventualmente eram convidados monopostos de Fórmula 2, 3 e “Libre” para “apimentar” a disputa com os protótipos de fábrica.
O nível de preparação ia desde os amadores locais que apenas colocavam um número na porta do carro, até caminhões de equipe que desembarcavam protótipos especialmente construídos para esse tipo de prova.
Em 68/69 o Europeu de Montanha atingiu seu auge com Ferrari, Porsche, Alfa Romeo, e Abarth se digladiando. Ficaram famosos os Porsches “Bergspider” (berg = montanha ou monte em alemão, isto é, “spiders para provas de montanha”) de ases como Rolf Stommelen e Gerd Mitter contra Ferraris “Dino” spider e depois o Ferrari 212 E Montagna Sport, todos eles protótipos construídos especialmente para esse tipo de evento.
Saline-Volterra (Coppa Città di Volterra) Itália 17/5/1970
Piloto: Moretti - número do carro na prova: 392
A Subida de montanha Saline-Volterra (Coppa Città di Volterra) foi idealizada nos anos 50 e teve seu apogeu a partir da metade dos anos 60 (1964-70). Era organizada pelo “Automobile Club di Pisa” como evento de campeonato nacional de certo prestígio (alguns vídeos amadores de época no Youtube).
Prova do prestígio é que a Ferrari em 1969 mandou Peter Schetty com o Ferrari 212 E- Montagna Sport (vencedor do campeonato europeu de montanha daquele ano) para participar e vencer, mesmo não sendo uma prova válida para o campeonato europeu.
De qualquer modo o 212 era um pequeno protótipo de 2 litros feito para subidas de montanha.
Ninguém levaria um 512 para uma subida de montanha reconhecidamente sinuosa e técnica, mas foi o que Moretti fez na Saline-Volterra disputada em 17/5/70.
Moretti com a 512 S com o tempo de 5.05, 8 acaba sendo batido na classificação geral pelo austríaco Johannes Ortner da equipe oficial da Abarth com um protótipo Abarth 2.000cc que fez o tempo de 5’05”4, ou seja, míseros 4 décimos abaixo de Moretti.
Enfim uma típica escolha errada de evento e percurso. Dizem que embora essa subida com percurso total de cerca de 10,4km fosse rápida no estágio inicial era terrivelmente sinuosa na sua fase final e trazia grandes problemas na escolha de uma relação de marchas adequada. O percurso total era de 10,4 Km.
Ortner que já tinha sido o vencedor da Saline-Volterra em 1968, atingiria sua melhor fase em 70/71 sendo campeão europeu de montanha em sua categoria nesses dois anos.
E a Abarth tinha tanto foco nesse tipo de prova que Karl Abarth (Carlo Abarth) chegava a dar a seus pilotos a opção de protótipos de motor traseiro “fuoribordo” ou de motor central (MC ou “motore centrale”) conforme a característica do piloto ou da subida para garantir os melhores resultados. A Abarth era um “osso duro” para suas rivais nas subidas de montanha mesmo que elas se chamassem Porsche ou Ferrari.
Se previa que a edição seguinte (1971) a Saline-Volterra pudesse vir a se tornar prova oficial do Campeonato Europeu de subida de montanha, mas a prova acabou não sendo realizada.
Trieste-Opicina - Itália -24/5/1970
Piloto: Moretti - número do carro na prova: 382
No fim de semana seguinte, 24/5/70 outra subida de montanha, a Trieste-Opicina em um percurso de pouco mais de 8 Kms com 250 inscritos, dos quais cerca de 200 largaram.
Foto: a 512 de Moretti aguarda na longa fila de carros para largada da Trieste - Opicina.
O percurso era mais rápido e favorável (chamado pela imprensa italiana da época de “Monza das subidas de montanha”) dando chance de Moretti se impor com larga margem 12,9 segundos sobre o protótipo Abarth 2.000 de “Gi-Bi” (Giambattista Guarnieri) e Piero Bottalla também com Abarth 2.000. Essa perigosa prova que avançava em trechos urbanos das duas cidades acabou tendo sua última edição em 1971, sendo que o tempo de Moretti em 1970, 3’12”55, acabou em definitivo como o “recorde absoluto” da prova.
Foto: o “recorde absoluto” da Trieste-Opicina ficou em definitivo com a 512 de Moretti.
24 horas de Le Mans – França - 13 a 14 /6/1970
Pilotos: Moretti/Manfredini - número do carro na prova: 16 (Scuderia Filipinetti)
Chegamos ao lendário Le Mans 1970, com a Porsche visando sua primeira vitória absoluta e a Ferrari fazendo uma “reentrèe” em grande estilo após 5 anos de sua última vitória.
O mundo parou ver o ápice da “Batalha de Titãs”. Steve Mcqueen veio para filmar seu épico filme “Le Mans” e contar a história dessa competição em versão hollywoodiana.
Uma multidão de fãs ainda estava entusiasmada pela sensacional edição anterior da prova. A Le Mans de 1969 fora decidida a poucos da chegada com uma monumental disputa do Ford GT 40 da equipe Gulf, contra o Porsche 908 LH da equipe de fábrica, resultando na vitória do “antigo” GT 40. Em 1970 os fãs estavam sedentos por mais emoções.
Na principal prova do ano, altamente competitiva, a Porsche e a Ferrari apresentaram alguns carros em versões especiais de “cauda longa” além das normais sendo sete Porsches 917 contra onze Ferraris 512 mais as equipes oficiais de Matra-Simca e Alfa Romeo com seus protótipos 3 litros e quase todos os pilotos regulares de F-1 daquele ano presentes.
Foto: a 512 S de Moretti/Manfredini aparece nas cores da Scuderia Filipinetti. Era a única “short tail” (cauda curta), enquanto os carros habituais da Filipinetti estavam na configuração de cauda longa.
Como equipes pequenas e/ou sem tradição na prova não eram facilmente aceitas, “nosso” 512 aparece inscrito pela Scuderia Filipinetti. Mais uma vez alguma influência política da Ferrari deve ter sido usada nesse arranjo. Os dois carros habituais da Filipinetti vão na configuração cauda longa e a 512 da Picchio Rosso na sua carroceria normal de cauda curta, mas com a decoração de faixas e inscrições da Filipinetti.
Foto: A 512 de Moretti/Manfredi com o bico “íntegro”. Mais tarde outras fotos identificam o carro em determinado ponto da corrida com a frente sem decoração indicando uma possível troca do “bico” do carro em algum momento da competição.
Moretti e Manfredini largam em 16º lugar com 3’33 logo atrás do Porsche 917 K que seria o futuro vencedor com Atwood /Hermann (15º no grid com 3`32”6) mas bem atrás dos “cauda longa” da Filipinetti, 8º e 9º no grid.
Foto: Le Mans 1970. Na batalha Ferrari x Porsche uma das armas alemãs eram os 917 “long tail”. Aqui o famoso carro da Martini Racing com decoração “psicodélica” que Larousse e Kauhsen levaram ao 2º lugar da classificação geral.
A Le Mans de 70, longe das emoções de 1969, foi uma prova mais típica de endurance, com menos disputas, muita chuva e premiação da regularidade, sem grandes duelos.
Moretti e Manfredini mal passam da terceira hora de corrida abandonando por problemas na transmissão, após uma corrida anônima.
Intersérie 200 milhas de Nuremberg – Norisring - Alemanha- 28/6/1970
(200 Meilen Rennen Von Nurnberg)
Piloto: Moretti - número do carro na prova: 6
Duas semanas depois de Le Mans nosso Ferrari já está na Alemanha para as 200 milhas de Nuremberg no curto e rápido circuito de rua conhecido como Norisring para a primeira etapa do campeonato Intersérie para esporte e protótipos Grupos 7 (Can-Am) 6 (protótipos 3 litros) e 5 (Sport até 5 litros).
Foto: Circuito de Norisring, Nuremberg-Alemanha 28/6/70: A Intersérie permitia protótipos de maior cilindrada com base no regulamento Can-Am. Na foto o March 707 “Can-Am” de Helmut Kelleners que tinha um motor Chevrolet de quase 8 litros.
A Intersérie não só atraiu pilotos europeus com protótipos “Can-Am” (Marchs, Lolas e Mclarens) como muitos Lolas T 70 coupés (Mk III A e MK III B) com motores maiores que os admitidos no mundial de marcas e eventualmente alguns com motores de 7 para 8 litros de deslocamento.
Intersérie: Em Norisring a 512 S tem resquícios da decoração de Le Mans da Scuderia Filipinetti (faixas brancas – filetes azuis). O “paddock” era em meio ao parque no qual estava inserido o circuito alemão.
Os “habitueès” do Mundial se faziam presentes, mas só as equipes privadas e uma série de protótipos um pouco mais antigos entre os quais vários Porsches 908, 907, etc.
No circuito curto os tempos de largada são muito próximos e a pole é do Lola- Chevrolet T70 MKIII B da equipe VDS com Teddy Pilette (1’17). Os favoritos eram os Porsches 917 K da equipe Gesipa com seu habitual piloto Jurgen Neuhaus e o da equipe AAW com Gis Van Lennep que seriam os vencedores nesta ordem a despeito da presença de Marchs e Mclarens Can- Am.
Quinto no grid com 1`18´10, Moretti termina a primeira bateria em um honesto 3º lugar e abandona a segunda bateria por pneu furado.
Intersérie “Hockenheim Sudwestpokal” – Hockenheim / Alemanha 5/7/1970
(200 km Rennen Von Hockenheim)
Piloto: Moretti - número do carro na prova: 29
Uma semana depois a Picchio Rosso já está pronta para a segunda rodada do Campeonato Intersérie no então muito rápido circuito de Hockenheim para a “Intersérie Hockenheim Sudwestpokal” (também referida como 200 Kms de Hockenheim). Dos 22 inscritos se observou a pole do March 707 “Can-Am” de Helmut Kelleners 2`06´20. O segundo no grid foi Jo Bonnier com seu Lola Chevrolet MKIII- B com motor 7 litros 2`07`5 e vários dos bons 917 K de equipes particulares intermeados por protótipos Can-Am.
Foto: Campeonato Intersérie: 200 km de Hockenheim. A Ferrari com mudanças estéticas, mas ainda com as faixas da decoração da Filipinetti (Moretti ao volante).
A vitória foi para um McLaren-Chevrolet Can-Am com Vic Elford, mas o segundo lugar ficou com o competente Gijs Van Lennep e seu 917 K da equipe AAW que tinha sido 4º no Grid com 2´08´8.
Largando de um distante 11º lugar do grid o único Ferrari presente, a 512 S de Moretti, termina em um anônimo 8º lugar, uma volta atrás do vencedor
San Giustino - Bocca Trabaria – Itália - 26/7/1970
Piloto: Moretti número do carro na prova: ?
Outra subida de montanha com menos tradição foi a San Giustino-Bocca Trabaria. Mas os elementos estavam lá, paisagens lindas, pista estreita, público na beira do asfalto e segurança quase nenhuma. Essa prova teve sua primeira edição em 1969, mas foi imediatamente prestigiada por equipes e pilotos especialistas, além de mais de uma centena de participantes. As inscrições de 1969 e o vídeo disponível dão a entender que Moretti participou da primeira edição inscrito sob seu pseudônimo de “Nomex” com um Porsche 910. A subida original tinha cerca de 15 kms reduzida na edição seguinte.
Em 1970 Moretti voltaria para ganhar a prova com a 512 S, com méritos, pois essa subida, embora contando com trechos rápidos, tinha passagens muito sinuosas em um percurso de 11,9 Kms. Inevitavelmente a maior oposição devem ter sido os protótipos Abarth 2.000. No ano seguinte, 1971 venceu Arturo Merzario em um Abarth 2.000 e o tempo de 6’26”8. Presumimos a data da prova a partir da data da edição anterior (27/7/69). Infelizmente não conseguimos imagens da prova de 1970.
Fuji International Golden Race - Fuji/Japão 6/9/70
Pilotos: Moretti/Manfredini - número do carro na prova: 2
No meio de 1970, utilizada a cada fim de semana, a 512 S de Moretti tinha uma vida mais agitada que muitos carros de passeio e um passaporte cheio de carimbos internacionais.
Sem dúvida o evento mais pitoresco da vida da Ferrari de Moretti é uma inusitada viagem ao Japão para as 200 milhas de Fuji (Fuji International Golden Race) em 6/9/70.
Em meados dos anos 60 o Japão, com a enorme influência e presença americana do pós-guerra, decide construir aos pés do Monte Fuji um circuito oval ao estilo Indianápolis.
Após a construção da primeira curva inclinada, dizem que o orçamento ficou apertado e o resto seguiu um circuito convencional que mesmo assim é dos mais bonitos do mundo inclusive por estar inserido na paisagem aos pés do Monte Fuji.
Esse circuito já tinha recebido uma visita “teste” de Jim Clark como também uma prova de F-Indy em 1966 (vídeos disponíveis no Youtube).
Em 1968 Fuji recebe uma etapa da CAN-AM (Canadian American Challenge Cup) o que estimula as provas de protótipos e o envolvimento das fábricas locais.
Nesses anos o Japão tinha na época um campeonato muito competitivo de esporte-protótipos em que os grandes contendores eram as equipes oficiais de Toyota e Nissan. Eram protótipos de grupo 7, ou seja, no regulamento da CAN-AM e do Challenge Intersérie na Europa, sem limitação de cilindrada.
Sempre lembrando que no mesmo período a Honda, mais cosmopolita, já estava na F-1.
No campeonato local as equipes “de fábrica” eram a Toyota e Nissan que competiam com protótipos abertos claramente inspirados nos McLaren Can-Am.
No final de 1969 a Toyota tinha o Toyota 7 com um V-8 de 5 litros e a Nissan o R382 com um V-12 de 6,2 litros, ambos capazes de cerca de 600 hp.
As equipes particulares japonesas apareciam com carros competitivos como Lolas T-160 Can-Am, Lolas T 170 MKIII coupés, Porsches 908 e 910, McLaren Chevrolet –Can-Am M6B etc.
Para verem como não era fácil vejam no YouTube um vídeo interessantíssimo a principal prova do campeonato de 1969, o GP do Japão daquele ano (até então disputado na época na categoria esporte-protótipos). O palco é o circuito de Fuji em uma configuração antiga ainda contando com a longa curva em “relevè” como havia em Monza e Montlhery entre outros.
Vão ver o 917 na antiga configuração coupé de 1969 da equipe particular de David Piper largando da segunda fila com Jo Siffert ao volante e tendo trabalho para passar os protótipos japoneses para logo mais ser ferozmente perseguido e desalojado da liderança por eles. No final Siffert e Piper terminam essa prova em 6º lugar, quatro voltas atrás do Nissan vencedor. Não foi um resultado ruim, contando uma penalização dos comissários e também o fato de que os protótipos japoneses eram mais potentes e mais leves que o 917.
Voltando à nossa história, então a intrépida italiana dupla se inscreve nas 200 milhas de Fuji que não eram uma prova de alto gabarito como o GP do Japão.
Foto: Moretti virou um “astro” no Japão.
O glorioso 512 S, no outro lado do mundo, estava decorado com seu nº 2 e adesivos de patrocínio locais, inclusive da fabricante de modelinhos em escala Tamiya.
Lá como aqui, a Ferrari em seu vermelho vivo, suas rodas douradas e seu “rugido” peculiar, fascinou a imprensa, público e adversários japoneses.
Foto: aos pés do Monte Fuji, a pista japonesa era das mais belas do mundo.
Presumimos que nossa Ferrari encontrou campo bem mais fraco de concorrentes sem a presença das equipes oficiais da Nissan e Toyota. Assim Moretti e Manfredini vencem colocando duas voltas de vantagem sobre Moto Kitano (Nissan R 380 Mk II) e 6 voltas sobre Hajime Watanabe (Lotus 47) em terceiro lugar.
Embora Moto Kitano fosse piloto da equipe oficial da Nissan, nessa prova ele teria corrido com um “antigo” (de dois anos ou mais) Nissan R 380 MK II que já poderia ser um carro de equipe particular. Esse modelo contava com motor central de seis cilindros, 2 litros de 220 HP. Quando novo (1966/67) disputava de forma mais competitiva as provas japonesas rivalizando com os Porsches 906 de equipes particulares japonesas.
Foto: Dia de Glória: Circuito de Fuji - 6/9/70 - primeira vitória da Ferrari no Japão.
Foto: Acostumados a cavalgar a Ferrari de 5 litros e 550HP, Manfredini e Moretti – “cheios de graça”- se divertem com cilindradas bem menores após a vitória no Japão.
Manfredini depois recorda: “Aquela vitória no Japão foi o dia mais feliz de nossas vidas. Todos os jornais japoneses estamparam na primeira página nossa vitória. Nós éramos astros”.
Essa vitória viria depois destacada no anuário da Ferrari, como primeira vitória da Ferrari em uma prova internacional no Japão. Moretti recorda, porém, que ao ser recebido, tempos depois, pelo Comendador Ferrari na Itália o mesmo não deu muita importância à vitória preferindo perguntar sobre aspectos turísticos e sobre as gueixas japonesas......
DOVE CORRIAMO DOMENICA?
(onde corremos domingo?)
500kms de Imola – Itália - 13/9/1970
Pilotos: Moretti/Manfredini - número do carro na prova: 5
No fim de semana seguinte a dupla já estava de volta à casa para os 500kms de Imola, prova fora do campeonato mundial, mas bastante prestigiada com os Porsches da equipe Gulf, a Scuderia Ferrari e Autodelta (Alfa Romeo) presentes, além das tradicionais equipes com 512 e 917 “particulares”. A Picchio Rosso com Moretti e Manfredini fica em um discreto 6º lugar, 7 voltas atrás do 917 da Gulf , vencedor com Brian Redman, um Alfa T33/3 oficial com Galli/De Adamich e três Porsches 908/2 (Ahrens/Marko e Larousse/Lins, ambos da Martini Racing, mais o 908/2 de Lauda/Kotulinsky).
Mesmo assim nosso carro é o primeiro dos Ferraris, o que não é de se desprezar no circuito que naquele ano passou a se chamar “Dino Ferrari”.
Foto: rara imagem da Ferrari de Moretti e Manfredini nos 500Kms de Imola em setembro de 1970.
Coppa del Chianti – Itália -20/9/1970
Piloto: Manfredini número do carro na prova: 484
Outra participação tipicamente errada foi a Coppa del Chianti (hoje Coppa del Chianti Classico), um percurso de apenas, 8,2 km em que a Ferrari desta vez conduzida por Manfredini fica em um modesto 3º lugar atrás de dois especialistas na modalidade com protótipos menos potentes e muito mais ágeis.
Preocupantes as imagens da Ferrari 512 S passando por um corredor humano com os espectadores à beira da calçada para ouvir de perto o magnífico rugido do V-12.
Franco Pilone (da equipe oficial da Abarth) com protótipo Abarth 2.000 (2 litros) vence com o tempo de 4`00”5, seguido de Edoardo Lualdi Gabardi (outro famoso habitueè das subidas de montanha) com o mesmo Abarth 2.000 e o tempo de 4’02”7 deixando Manfredini em um distante terceiro com a 512 S e o tempo de 4’15”9 .
Intersérie-Hockenheim 300 Meilen - Hockenheim/Alemanha - 11/10/1970
(300 Meilen Rennen Von Hockenheim)
Piloto: Manfredini - número do carro na prova: 67
Depois de um intervalo relativamente longo para a “agenda semanal” de corridas, vamos encontrar nossa Ferrari no“Hockenheim 300 Meilen” prova de 300 milhas válida para o campeonato Intersérie ou “Challenge Intersérie”, apelidada a “Can-Am Europeia”.
Depois que os 917 e 512 saíram da regulamentação da FIA no final da temporada de 1971, muitos deles seguiram carreira na Intersérie. Mas como o regulamento desta não fazia grandes exigências, muitos carros foram transformados em spiders com carrocerias “minimalistas”. Em 1970, como ainda tinham a chance tanto de participar da Intersérie como do Mundial da FIA, a maior parte dos 917s e 512s usavam suas carrocerias “normais” (padrão FIA -grupo 5).
No Hockenheim antigo, com traçado muito rápido, Manfredini, designado para a prova, larga em sétimo. Com tempo aproximado de 2´09, face a uma pole de 2`03, 6 de Helmut Kelleners com March 707 Can Am e tempos por volta de 2`04 a 2’06 dos 917 mais rápidos não se poderia esperar muita coisa a não ser muita diversão em guiar um carro muito potente em um circuito muito rápido. Mas com uma corrida longa de 81 voltas, talvez houvesse chance..., Mas Manfredini abandona antes do final.
1.000 Kms de Paris – Linas-Montlhéry -França -18/10/1970
Como de hábito, apenas uma semana depois, já estava prevista a aparição de “nosso” Ferrari nos 1.000 Kms de Paris em Montlhéry, outra prova fora do Campeonato Mundial de Marcas, mas normalmente muito prestigiada, pela tradição do circuito próximo a Paris com sua enorme curva inclinada ainda em uso.
A expectativa da prova era a Matra-Simca na frente de seu público local tentando impor seus protótipos 3 litros V-!2 contra os 917 e 512 de equipes particulares, o que realmente conseguiu com a vitória de Cevert/Brabham.
Nosso 512, inscrito, não compareceu, talvez ainda em reparos após a prova alemã.
Foto: 1.000 Kms de Paris, 1970, Circuito de Linas Montlhéry, O lendário Jack Brabham, tricampeão mundial de F-1, em sua última temporada de corridas, fez dupla com o jovem ídolo francês François Cevert (foto) - depois tragicamente desaparecido em um acidente na F-1- e conseguiram uma festejada vitória “em casa” com o magnífico protótipo Matra-Simca MS 660 com motor V-12 de 3 litros, derrotando alguns Porsches 917 e Ferraris 512 presentes.
UMA FERRARI NO BRASIL
É hora de viajar e cruzar o Atlântico fugindo do inverno europeu e o 512 S parte para sua famosa excursão ao Brasil. Vários protótipos europeus iam buscar torneios no exterior, sendo os mais famosos na temporada na África do Sul e Austrália.
Mas a opção de Moretti e Manfredini foi vir ao Brasil para as “Mil Milhas Brasileiras”.
Talvez o contato de Manfredini que já tinha corrido no Brasil no final dos anos 50?
Ou um convite especial com despesas pagas? Eloy Gogliano, Presidente do Centauro Motor Clube - organizador da prova - buscava presenças internacionais para abrilhantar o evento.
Não conhecemos detalhes, mas o certo é que Moretti e Manfredini vieram como os “astros especialmente convidados”.
Mil Milhas Brasileiras, Circuito de Interlagos SP/Brasil - 21-22/11/70
Pilotos: Moretti/Manfredini - número do carro na prova: 17
As “Mil Milhas Brasileiras” tiveram sua primeira edição em 1956 e sempre foram uma prova das mais tradicionais e importantes provas brasileiras em um tempo que o Brasil não aparecia habitualmente nos “calendários internacionais”.
Sempre realizadas no autódromo de Interlagos em São Paulo. um magnífico circuito de cerca de 8kms com um anel externo muito rápido que podia ser utilizado individualmente ou ligado a um circuito interno sinuoso extremamente técnico com curvas de alta, média e baixa velocidade, em aclive e declive, parte das quais ainda existe no atual circuito de F-1. Como atração adicional, das tribunas na parte mais alta da pista. o público tinha boa visão de cerca de 80% do circuito.
O autódromo de interlagos foi fechado em 1968 para reformas com o objetivo de poder receber provas internacionais de. de F-Ford, F-3, F-2 até a primeira prova extracampeonato de F-1 em 1972.
O regulamento das Mil Milhas permitia competidores com carros de diferentes características e cilindradas gerando uma incrível mistura desde pequenos carros de turismo até os mais exóticos protótipos, passando pelas “carreteras” um tipo de carro muito comum nas provas sul-americanas que normalmente eram chassis de Fords e Chevrolets da década de quarenta com carrocerias completamente depenadas e motores V-8 americanos mais modernos do que a idade do chassis.
Na reabertura, a partir de 1970, o autódromo de Interlagos recebeu temporadas internacionais. nos meses de dezembro e janeiro feitas fora do calendário europeu. Para atrair competidores internacionais, as Mil Milhas de 1970 foram extraordinariamente realizadas no mês de dezembro, embora sua data costumeira fosse o aniversário da Cidade de São Paulo em 25 de janeiro. Foi, porém, mantida a tradicional a largada à meia noite e pelos tempos de volta da época, a previsão era que prova se encerraria cerca de treze horas depois, ou seja, perto da uma da tarde do dia seguinte.
Uma nova geração de pilotos brasileiros começava a se destacar no cenário internacional como Emerson Fittipaldi, seu irmão Wilson Fittipaldi Jr., José Carlos Pace, Luiz Pereira Bueno etc. o que possibilitava a torcida ver a atuação de seus ídolos locais contra os pilotos estrangeiros nessas provas e torneios atraindo ainda mais o interesse.
Nesse contexto se promove a primeira edição das “Mil Milhas Brasileiras” no autódromo de Interlagos reformado.
Para a edição de 1970, tida e havida como uma das mais espetaculares da história, foram convidados concorrentes internacionais entre os quais se destacava a presença da Ferrari 512 S de Moretti e Manfredini anunciada pela imprensa brasileira como “um dos carros de corrida mais rápidos do mundo”, uma inscrição oficial da Autodelta, com um protótipo Alfa Romeo P33/2 para Facetti/ Alberti, um protótipo Fiat-Abarth 2.000- com Pasotto/ Cabella e pilotos locais com bons protótipos estrangeiros como o Lola T-70 Chevrolet MkIII A de Casari/Balder, o Porsche 910 de Olivetti/Moraes.
Protótipos nacionais com mecânicas nacionais e estrangeiras como o Casari A1-Ford, o famoso Protótipo Bino-Corcel da equipe BINO, o Fúria Alfa-Romeo, o protótipo Snob`s Corvair e outros bons carros de turismo e GT nacionais e estrangeiros entre os quais se destacavam os bem provados Alfa Romeos GTA e GTAm, BMW 2.002 ti, Pumas VW e vários protótipos nacionais em um total de 73 inscritos com 50 admitidos à largada.
A imprensa conhecendo bem a longa prova não colocou os protótipos estrangeiros como favoritos prevendo a possibilidade de quebras e a “falta de peças”, embora tivesse dado amplo destaque à presença do Ferrari.
“Nosso” Ferrari não chegou a tempo de participar dos treinos oficiais mas, por deferência da organização, foram convidados para largar na pole-position (sem tempo) ladeados pelo Lola Chevrolet MKIII-A de Norman Casari, (Casari/Balder) com tempo de 3’08”4 seguido do Alfa P33 de Facetti/Alberti com 3’15”3, o protótipo Bino- Corcel 1.4 de Luis Pereira Bueno e Lian Duarte com 3’20, o Porsche 910 de Olivetti/Moraes com 3’20”2, o Protótipo Fúria FNM/Alfa Romeo de Jayme Silva/Ugo Galina com 3’22, e a Alfa GTAm de Abílio e Alcides Diniz com 3’22, a Alfa GTA de Piero Gancia e Tite Catapani com 3´28, a GTA de Emílio Zambello e Marivaldo Fernandes com 3’28’1, o Puma VW 1.9 de Paulo Gomes/Sergio Lousada com 3´28”3, o Casari Ford A-1 de Bob Sharp e Milton Amaral com 3’30”8, a Alfa GTA de Leonardo Campana e Ubaldo Lolli com 3’31”2, e o Abarth 2.000 de Pasotto/Cabella com 3’32”3 que formavam o grupo dos favoritos à vitória.
A Ferrari, também por deferência da organização, fez um pequeno treino extraoficial de reconhecimento no mesmo dia que chegou a São Paulo.
Foto: Nas Mil Milhas Brasileiras Ferrari tinha um segundo numeral perto da roda traseira que ficava iluminado por dentro com efeito “fluorescente”.
Foto: “Depois do Vendaval” - Mil Milhas Brasileiras - Circuito de Interlagos 22/11/70. Era uma prova com largada à meia noite. Após a chuva que castigou os competidores na madrugada, Moretti e Manfredini finalmente puderam “enxergar” a pista e assumiram o comando da prova. Mas a mecânica da bela Ferrari os forçou a uma demorada para de box que liquidou qualquer chance de vitória.
Embora algumas versões digam que a Ferrari liderou desde logo de maneira continua, os relatos das revistas da época esclarecem que não foi bem assim.
À noite com chuva, na famosa neblina de interlagos e 50 carros concorrentes e praticamente sem conhecer a pista, Moretti sabiamente resolveu ser extremamente prudente e não correr riscos de danificar ou bater sua bela Ferrari.
Os carros foram alinhados em “espinha de peixe” e os copilotos atravessavam a pista correndo para retirar um adesivo da lateral do carro liberando a largada do companheiro que aguardava no carro, devidamente instalado e amarrado com seu cinto de segurança.
Moretti embora na pole position, larga por último evitando a confusão da largada estilo “Le Mans”. Alguns atribuem essa largada a um problema elétrico e outros alegam que isso fora feito por prudência mesmo.
Parece claro que a Ferrari sempre se manteve entre os primeiros, mas alternando a liderança com diversos carros pilotados mais arrojadamente pelos pilotos locais, que em diferentes testemunhos lembram de ter passado ou andado à frente da Ferrari na chuva e à noite.
Luis Pereira Bueno um profundo conhecedor da pista com seu protótipo Bino Corcel, tido como favorito, foi o primeiro líder da prova livrando boa vantagem nas primeiras 10 voltas, mas começou a enfrentar problemas mecânicos e por volta de 4hs da madrugada abandonou. Na altura da 25ª volta o líder era o Alfa P33 de Facetti / Alberti com o Puma VW de Paulo Gomes/Sergio Louzada em segundo e a Alfa GTA de Piero Gancia em terceiro.
A Ferrari vinha em quinto, mas segundo a reportagem, “perdia muito terreno durante a madrugada porque seus pilotos não conheciam bem o circuito, freavam em locais desnecessários e tinham problemas com o limpador de para-brisas”. Na 65ª volta Alcides Diniz tomou a ponta com a Alfa GTAm, deixando a Alfa GTA de Emílio Zambello em segundo lugar. Mas quando o dia começou a clarear a Ferrari começou a descontar o terreno instalando-se confortavelmente na liderança e abrindo vantagem a cada volta.
Ou seja, Moretti e Manfredini aproveitando a enorme diferença de desempenho da Ferrari a guiaram cuidadosamente sem perder contato com os líderes, mas não necessariamente liderando e esperaram a chuva dar tréguas e os primeiros raios de luz da madrugada para então tomar a liderança em definitivo e abrir vantagem continuamente até que na altura da volta 148 das 201 previstas o Ferrari para por falha no sistema de injeção de combustível ficando mais de 1h nos boxes e abandonando qualquer esperança de colocação.
A revista Placar, uma respeitada publicação esportiva da época assim reproduziu as palavras de Moretti e Manfredini: “Nós tínhamos certeza de que poderíamos vencer. Desde o começo estávamos apenas esperando o amanhecer para secar a pista e tomarmos a dianteira. Até aí tivemos sorte. Depois começou o azar”.
Por deferência ao público, Moretti ao invés de abandonar em definitivo, volta à prova e pouco antes do final, na 195ª volta, bate o recorde da pista com 2’58”5.
A prova termina com a vitória do Alfa GTAM dos irmãos Diniz (Alcides e Abílio) que pilotando mais agressivamente no início e sem problemas mecânicos no decorrer da prova deixaram o Porsche 910 de Olivetti/Morais em segundo e Alfa Romeo P33/2 de Facetti/Alberti em terceiro. Na sequência ficaram a Alfa GTA de Catapani/Gancia em quarto lugar, o Fúria FNM/Alfa Romeo em quinto, o Puma VW de Gomes/Louzada em sexto e a Alfa GTA de Graziela Fernandes e Carlos Sgarbi em sétimo lugar.
Emerson Fittipaldi então já piloto da equipe Lotus na F-1 e recente vencedor do GP dos EUA, estava assistindo a prova e ao ver o tempo da Ferrari de 2’58”5 comentou aos jornalistas com muita propriedade: “Esses italianos poderiam virar em 2’35 ou 2’40. Se andasse com minha Lotus F-1 em Interlagos eu poderia virar apenas 5 ou 6 segundos melhor que esse tempo”.
Isso mostra que Emerson sabia que a 512 era capaz de igualar o tempo de um F-1 em um circuito rápido e ficar a poucos segundo em um circuito mais técnico como Interlagos. Emerson também percebeu que Moretti / Manfredini ficaram muito longe do potencial de tempo do carro, o que foi muito importante para avaliar suas chances na Copa Brasil na qual seria competidor dos italianos.
(Para mais informações sobre a prova, leia-se a respeito nosso artigo “Mil Milhas Brasileiras 1970 – quando o passado encontrou o futuro” através do link: https://www.alfaromeoclube.com.br/alfanews/mil-milhas-brasileiras---1970/).
COPA BRASIL Interlagos/Brasil- 6, 13 e 20/12 (etapa realizada em 22/12) e 27/12/70
Piloto: Moretti -número do carro na prova: 17
A Copa Brasil, evento seguinte da 512 S, seria uma sequência de quatro provas em Interlagos destinada a atrair um grupo mais seleto de pilotos e carros europeus, de preferência participantes do mundial. Mas sua tabela concorria com outros eventos sendo que muitos carros e equipes do mundial foram disputar as 9 hs de Kyalami na África do Sul no começo de novembro e preferiram voltar à Europa para se preparar para a abertura do mundial em Buenos Aires no início de janeiro de 1971. Outros pilotos tinham compromissos com temporadas na Austrália e Nova Zelândia. Isso reduziu o campo de concorrentes para a “Temporada Brasileira”.
Sempre é bom lembrar que a viagem a continentes do hemisfério sul era vista pelos fabricantes e equipes europeias como uma boa chance de venda de seus carros, tanto modelos novos, mas principalmente aqueles já com uma, duas ou mais temporadas de uso que já eram menos competitivos nas provas do hemisfério norte.
A Lola Cars vislumbrou a possibilidade e mandou um Lola T -210 novo. A Lola fabricava carros para várias categorias e nos protótipos de baixa cilindra desenvolveu um modelo especialmente ágil para combater os protótipos Chevron e Abarth na Europa. Dizem que um acordo entre o titular da Lola, Eric Broadley e seu ex-piloto de F.5.000 e representante no Brasil Antônio Carlos Avallone, permitiu a vinda de uma T-210 nova (chassis SL 210-15) com motor Ford Cosworth 4 cils,1.8 (1.790cc mais exatamente) e cerca de 235/240 HP desde que fosse conduzida pela estrela ascendente da F-1 Emerson Fittipaldi e mais uma T-70 MKIII B com motor Chevrolet V-8 de cerca de 430 hp, já vendida para Avallone, mas que seria conduzida por Wilson Fittipaldi Jr., então conhecido na Inglaterra por sua boa atuação na F-3 inglesa e, assim como Emerson, um profundo conhecedor de Interlagos e grande “ídolo” da torcida brasileira.
Copa Brasil – Interlagos dezembro de 1970: Notem que a Ferrari de Moretti já não está com o segundo painel lateral nº17 que estava “fluorescente” nas Mil Milhas.
Essa Lola Chevrolet T-70 MKIII- B é reconhecidamente o último chassis (SL-153) a ser produzido do “coupé” T-70. Terminado em dezembro de 1969 ele teve uma curta carreira em provas da Intersérie em 1970 nas mãos de Terry Crocker e foi despachado para o Brasil para Antônio Carlos Avallone. Após a estreia no Brasil com Wilsinho, a T-70 se tornaria o carro habitual do próprio Antônio Carlos Avallone nas temporadas seguintes nas cores equipe Avallone-Valvoline.
Já a T-210 seria vendida logo após a Copa Brasil ao piloto brasileiro José Renato (“Tite”) Catapani que a utilizaria com sucesso nas temporadas seguintes tanto nas cores da equipe Bino/Motorádio como posteriormente nas cores da equipe Hollywood.
Outros carros seriam vendidos conforme vamos relatar a seguir e vários pilotos teriam manifestado interesse.
Patrocínios pontuais para que os irmãos Fittipaldi participassem com os Lolas logo surgiram Varig (linhas aéreas), Bardahl (lubrificantes) Banco do Comércio e Industria de SP, depois denominado “Comind” (instituição financeira), Varga (Freios).
A Copa Brasil estava prevista em 4 etapas, 6/12/70, 13/12, 20/12 (realizada em 22/12) e 27/12/70 sempre em 21 voltas pelo circuito completo de Interlagos
Assim, “nossa Ferrari” poderia voltar à sua rotina de “correr todo o fim de semana”.
ROBERTO CARLOS A 300 KMs POR HORA
Para os curiosos, cenas reais da Copa Brasil foram inseridas no filme “Roberto Carlos a 300Km por hora”, mostrando a fascinação da juventude brasileira com as corridas de automóveis dentro do contexto da época.
Foto: Concessionária Chrysler Ibirapuera Veículos – São Paulo SP/1971. O Filme do famoso cantor foi realizado após a Copa Brasil, mas incorporou imagens reais da Copa Brasil misturadas com imagens rodadas especialmente para o filme, permanecendo como um dos raros registros cinematográficos do evento. O carro Avallone Chrysler A11 (que não participou da Copa Brasil verdadeira) era baseado em um chassis Lola Can-Am (T-160/T 163) e no filme ainda tinha a carroceria em configuração original (com acabamento nas rodas traseiras como exigiam as carrocerias do regulamento Can-Am). Roberto ao volante aparece com seu parceiro musical e cinematográfico Erasmo Carlos.
Além da Ferrari de Moretti e das Lolas dos irmãos Fittipaldi, os principais concorrentes para a prova seriam os convidados espanhóis, o Príncipe Jorge Bragation com seu Porsche 908/2 (3 litros 350 hp) com seu colega de equipe Alex Soler Roig com um Porsche 907 (que deveria estar com o tradicional 6 cils de 2,2 litros e 260 a 270 hp) e ainda da Península Ibérica o português Ernesto Neves com um Lotus 47 ou “Lotus Europa” (1,6 litros-173 hp).
A presença mais curiosa e quase inexplicável foi o deslocamento do distante Japão da equipe Nissan com um GT Z432R para ser pilotado por Haruito Yanagida e Massami Kuwashima, o último com uma carreira internacional mais expressiva pela frente. A Nissan participava do campeonato japonês com protótipos de alta cilindrada com base no regulamento Can-Am, mas curiosamente, ao invés de trazer um protótipo mais competitivo, trouxeram um coupé “gran turismo” preparado para corrida (motor 2 litros, 230 hp para um carro com cerca de 890 Kg) e participaram de apenas duas etapas (um piloto em cada etapa).... Propaganda antecipada? ....bem, só décadas mais tarde é que a Nissan viria a se instalar no Brasil.......
Alguns pilotos brasileiros com protótipos europeus não conseguiram participar de todas as provas como Antônio da Matta com Alfa P-33/2 e Luis Carlos Moraes com o Porsche 910 que só participaram da primeira etapa e Norman Casari (Lola-Chevrolet T-70 MK III A) que só participou da última etapa.
Dos protótipos nacionais destaque para o Fúria de Jayme Silva, o Snob’s Corvair de Eduardo Celidônio, o MC – Porsche de Raul Natividade que revezou com Elvio Divani, o AC Porsche de Anísio Campos, o Amato-Ford de Salvatore Amato mais vários Pumas VW bem-preparados com Luiz Felipe da Gama Cruz, Sergio Louzada, José Pedro Chateaubriand, Olavo Pires e Aldo Pugliesi que também participaram (mas nem todos estiveram em todas as etapas).
Da Argentina vieram Jorge Del Rio e Jorge Ternengo se revezaram nas etapas com um protótipo Avante-Tornado (motor Torino de 6 cilindros e cerca de 320/340 hp).
Completando a lista a famosa “Carretera Chevrolet-Corvette” de Camilo Christófaro.
Outra curiosidade da Copa Brasil é que um contingente de bons protótipos nacionais ou estrangeiros simplesmente não participou. Também não participaram os carros de turismo mais fortes competindo no Brasil (as Alfas GTA e GTAM “oficiais” da equipe Jolly-Gancia, BMWs 2.002 Ti etc.). A única Alfa GTA presente foi a 1.600 de Graziela Fernandes.
Alguns por falta de tempo para adequada preparação após as Mil Milhas Brasileiras e outros por acharem que não teriam qualquer chance contra os protótipos estrangeiros em provas curtas.
Assim o grid da Copa Brasil foi inusitadamente preenchido com um contingente de pilotos locais e seus carros de turismo inclusive sedans VW em diferentes cilindradas e níveis de preparação com pilotos como Silvio Montenegro (com o 4 portas “zé do caixão”), Ricardo Di Loreto, Jean Samuel com seus sedãs VW (Fuscas), Carlos Sgarbi com seu Chevrolet Opala 3.800, etc.
Várias inscrições “prévias” não se confirmaram como Oswaldo Barros (FNM 2.150), Expedito Marazzi (protótipo Marazzi) e Cleide Vieira (sedã VW 1.600), Alfredo Santilli (Carretera Chevrolet Corvette), Freddy O`Hara com Lorena GT, Salvador Cianciaruso (Maserati) etc.
QUEM VENCERÁ A COPA BRASIL?
O jornal “Folha de São Paulo” na data da primeira corrida publicou uma grande reportagem intitulada pela indagação “Quem vencerá a Copa Brasil de Automobilismo?”.
Fizeram um prognóstico dos resultados a partir de entrevistas com os próprios pilotos.
Descreve a reportagem: “...Gianpiero considerava-se o favorito, justificando que poderia tirar grande vantagem sobre os demais, principalmente nas retas. Dizia que Emerson é um bom piloto, mas que seu carro é inferior à Ferrari que tem o recorde da pista...”.
“O Porsche 908 do príncipe Jorge Bragation era apontado pelo próprio Gianpiero como o maior adversário da Ferrari 512 S. A explicação: é um carro que se adapta perfeitamente ao circuito de Interlagos...”.
Também entrevistado, Alex Soler–Roig, apontou o favoritismo do 908 de Bragation com as seguintes palavras “ Quando vi pela primeira vez o circuito de Interlagos, fiquei espantado. Parece que ele foi feito sob medida para o Porsche 908. Particularmente não acredito que a Ferrari consiga sobrepujar esse carro”.
O interessante é que o prognóstico de todos os pilotos acabou sempre indicando o Porsche 908/2 como o grande adversário da Ferrari e que o protótipo alemão era o que mais se adaptava ao circuito brasileiro.
Voltando à Copa Brasil, um banco local da época, o Banco do Comércio e Indústria de SP (depois COMIND) fez vários anúncios conclamando os torcedores a comparecer para torcer por Emerson Fittipaldi.
Mas a Ferrari de Moretti nem aparece para a primeira etapa em 6/12 e logo após sua realização o Jornal “O Globo” divulga em 9/12: “ A máquina apontada como única adversária à altura do Porsche 908 do Príncipe Jorge Bragation teve seu cárter estourado durante as provas de classificação sábado passado, mas depois constatou-se que também houve quebra de uma das bielas, o que inutilizou o motor. Ontem Moretti passou um telegrama para a Itália pedindo confirmação da data de chegada do novo motor que, se vier até quinta feira, poderá ser ajustado e colocado em condições de competir”.
Na primeira etapa de 6/12 com a Ferrari ausente, a pole position é do 908/2 de Bragation, com o Lola T-70 de Wilsinho, o 907 de Soler Roig e a Alfa P33/2 de Toninho da Matta.na sequência. Emerson não conseguiu participar do treino oficial e por cortesia da organização largou no meio do grid à frente dos carros de turismo, deferência dada também ao protótipo Avante Tornado de Jorge del Rio. Bragation larga na frente, mas Emerson não demora a alcançar a vice-liderança e começa a pressionar. Na quarta volta Emerson ultrapassa Bragation na entrada da Ferradura. Mostrando sua grande forma e rápida adaptação dele ao carro e do carro ao circuito, Emerson começa a abrir vantagem, mas já na quinta volta a Lola apresenta falhas na bomba de gasolina e o brasileiro perde mais de 7 minutos no box. Já sem qualquer chance, Emerson mostra que já pode andar alguns segundos mais rápido (2`54 9/10) baixando o recorde da Ferrari de Moretti nas Mil Milhas alguns dias antes. Seria um bom indicativo para Moretti ver que sua vida não seria nada fácil.
Foto: Copa Brasil. A Lola Ford T 210 foi magistralmente apresentada por um Emerson Fittipaldi em grande forma. Trazida nova, em seguida ela seria vendida e teria longa vida nas pistas brasileiras com Jose Renato “Tite” Catapani nas cores da Equipe Bino e depois da equipe Hollywood.
Com a parada de Emerson e com Wilson fora de combate a primeira etapa da Copa Brasil termina com um resultado lógico com Bragation em primeiro no Porsche 908/2, Soler Roig em segundo no Porsche 907 e o brasileiro Antônio (“Toninho”) da Matta (pai do futuro piloto de f-1, Cristiano da Matta) em terceiro com seu Alfa P-33/2. Emerson voltou a tempo de ficar em quarto, precedendo outro brasileiro Luis Carlos Moraes no Porsche 910 visto nas Mil Milhas alguns dias antes. Emerson foi a grande atração e o grande animador da prova.
A segunda etapa prometia mais emoções, com Emerson na pole e Moretti em segundo, mas a Ferrari quebra um semieixo no treino livre de domingo. O episódio foi recordado na revista Auto Esporte de dezembro de 1970: “... O público já estava impaciente aguardando a largada para prova... poucos sabiam que o retardamento era para propiciar a participação da Ferrari 512 S. Esta, no entanto, no domingo cedo, ao dar algumas voltas pela pista, havia quebrado a manga de eixo esquerda, traseira. Iria correr com essa peça soldada? Quando o público a viu descendo a rampa dos boxes, empurrada pelos mecânicos da Jolly, que a estavam assistindo, aplaudiu freneticamente, pensando no duelo sensacional que ela iria proporcionar ao lado das Lolas e da Porsche 908. No entanto, dada a largada, lá ficou ela parada. Foi novamente empurrada pelos mecânicos até a linha de partida e recolhida aos boxes. Para o público mais uma ilusão desfeita. Muitos ficaram até com dó de Moretti , que mais uma vez era perseguido pelo azar. Mas nos bastidores do autódromo comentava-se que a Ferrari alinhou só para “papar” o prêmio de largada de mil dólares. E, para isso, era suficiente que ela cruzasse a linha de largada...” . Veja-se a evidência na foto a seguir.
Copa Brasil-Interlagos-13/12/70: Largada da segunda etapa. Os dois primeiros, Emerson Fittipaldi (Lola T 210) e Jorge Bragation (Porsche 908/2) “já foram embora”..., mas ainda aparecem no enquadramento a Lola T-70 amarela do futuro vencedor Wilson Fittipaldi, seguida pelo Porsche 907 de Soler Roig, o Fúria vermelho de Jaime Silva e o Snob`s Corvair de Eduardo Celidônio. Isolado no centro vêm, na sequência, o Avante Tornado de Jorge Ternengo logo atrás do Fúria e, quase alinhados, a seguir estão à direita o Lotus 47 de Ernesto Neves, ao centro o Amato Ford com Salvatore Amato e à esquerda a Carretera Chevrolet Corvette de Camilo Christófaro. Vejam que a Carretera encobre o VW 4 portas (zé do caixão) de Silvio Montenegro bem à esquerda. Na sequência os Pumas VW de Sergio Louzada e mais ao centro o de Luiz Felipe da Gama Cruz. Pouco atrás, encoberta, a Alfa GTA de Graziela Fernandes que tem ao seu lado direito o Puma VW vermelho de Aldo Pugliesi que tem ao seu lado esquerdo (centralizado) o Puma VW branco de José Pedro Chateaubriand e isolado mais à esquerda o protótipo MC Porsche de Raul Natividade Jr. Por fim os VWs Sedã (fuscas) de Ricardo di Loreto e de Jean Alain Samuel que encobre a Ferrari de Moretti que “não foi a lugar algum” (é protótipo vermelho fechado acima à esquerda atrás do último fusca escuro).
Nessa segunda etapa Bragation partiu na frente com seu Porsche 908/2 mas na altura da Curva do Laranja já tinha sido ultrapassado por Emerson. Wilsinho por sua vez, aproveitando a potência de sua Lola T-70 passa Bragation na reta dos boxes e cola em Emerson no final do retão ainda no início da segunda volta. Na sequência, pressionado por Wilson, Emerson comete um de seus raríssimos erros e atrasa demais a freada da Ferradura quase escapando da pista, do que Wilson logo se aproveita para passá-lo por dentro na Ferradura. Emerson embute na traseira da Lola mais potente de Wilson e ensaia uma ou outra ultrapassagem sem muita agressividade. O público aguarda o “bote” para qualquer momento. Embora tendo se mostrado capaz de andar mais rápido com a Lola menos potente, Emerson não parte para o confronto direto com o irmão e se mantém em segundo e com o passar das voltas alivia um pouco a pressão.
Wilson abre pouco mais de 4 segundos no meio da prova e a diferença só torna a diminuir a quatro voltas do final quando Wilsinho perde tempo para ultrapassar o
Avante Tornado na subida do lago e a diferença cai novamente até 1,3 seg. na bandeirada Uma vitória em família (tanto dos Fittipaldi como das Lolas) deixando mais distantes Bragation (Porsche 908/2) e Soler Roig (Porsche 907). Na ausência do Porsche 910 de Moraes e do Alfa P-33 de Da Matta, o português Ernesto Neves (Lotus Europa) fica em quinto, precedendo o argentino Jorge Ternengo com o protótipo Avante-Tornado e o brasileiro Jayme Silva (protótipo Fúria). Wilsinho recebe o troféu do Governador de SP Laudo Natel que fora prestigiar a prova.
Foto: Copa Brasil - Segunda etapa - Interlagos - 13/12/70: Duelo “fratricida” de Wilson Fittipaldi Lola Chevrolet T 70 MKIIIB e Emerson Fittipaldi Lola Ford T 210 na segunda etapa da Copa Brasil em Interlagos. Na verdade, os irmãos evitaram um confronto direto e Emerson seguiu Wilsinho de perto até o fim.
Tinha então ficado claro pelos tempos obtidos até então que a Lola T-210 com Emerson ao volante virava bem mais rápido que o Ferrari nas mãos de Moretti. Na verdade, Moretti ia disputar no máximo o segundo lugar com a T-70 de Wilson Fittipaldi que também podia batê-lo em tempos de treinos por ser um profundo conhecedor da pista.
E foi exatamente isso que aconteceu na terceira etapa. O único fator que poderia criar expectativa sobre Moretti é que largando da primeira fila ao lado das Lolas dos irmãos Fittipaldi, ele se aproveitava da potência da Ferrari e do fato que os trechos rápidos do Interlagos antigo são logo após a largada (reta dos boxes, as antigas e muito rápidas curvas 1 e 2 e o famoso retão de Interlagos), para liderar inicialmente a prova.
Então Moretti tomava a liderança na largada, dando emoção à prova apenas para Emerson e Wilson irem “buscá-lo” em algumas voltas. Bragation e Soler-Roig recém apresentados à pista de Interlagos não eram ameaça e só podiam prevalecer na ausência ou na quebra dos outros (irmãos Fittipaldi e Moretti).
A terceira etapa finalmente vê o confronto de Moretti com as Lolas dos irmãos Fittipaldi. Aproveitando a potência da Ferrari e do fato que os trechos rápidos do Interlagos antigo são logo após a largada (retas dos boxes, as rápidas curvas 1 e 2 e o famoso retão) Moretti efetivamente toma a liderança, mas não consegue consolidar a vantagem. Em poucas voltas já se vê ameaçado por Emerson que toma a liderança na sétima volta para não mais perdê-la e no caminho bate novo recorde de 2`53” 373.
É preciso comentar que nessa terceira etapa da Copa Brasil Emerson demorou 7 voltas para passar Moretti. Quem conhece as características de Emerson e as descrições que ele fazia das próprias corridas, sabe que ele era capaz de passar algumas voltas atrás de um carro mais lento apenas para estudar o melhor ponto para passá-lo e fazê-lo exatamente onde o adversário tivesse menor chance de reação.
Wilson Fittipaldi com a Lola T-70 ainda parte para o ataque, mas não consegue desalojar Moretti do segundo lugar. Em seguida chegam Bragation e Soler Roig com brasileiro Jayme Silva em sexto no seu Fúria FNM/Alfa Romeo.
Foto: Copa Brasil – Terceira etapa Circuito de Interlagos-22/12/70. Em primeiro plano a Lola Ford T-210 de Emerson Fittipaldi tendo ao lado a Lola T 70 MKIII B Chevrolet de Wilson Fittipaldi e ao fundo a Ferrari 512 S de Moretti. As duas Lolas ainda teriam longa carreira no Brasil.
Copa Brasil: quarta etapa-Interlagos, 27/12/70 da direita para esquerda: Emerson Lola T 210 com Moretti Ferrari 512 S e Wilson Lola T 70. Na segunda fila encoberta a Lola T-70 de Norman Casari o Porsche 908/2 de Jorge Bragation e o bico do Porsche 907 de Soler Roig. A Lola T-70 de Casari estava sendo empurrada para a fila de trás. (vide foto seguinte).
Copa Brasil: quarta etapa-Interlagos 27/12/70 neste enquadramento o primeiro carro a aparecer é a Lola T-70 de Wilson Fittipaldi. Na segunda fila o Porsche 908/2 de Jorge Bragation e o Porsche 907 de Alex Soler Roig. A Lola T-70 de Casari já está em sua posição correta ao lado do Fúria de Jayme Silva e da Carretera de Camilo Christófaro. Imediatamente atrás o curioso Nissan GT Z432R com Massami Kuwashima, o Protótipo Amato com Salvatore Amato. Na fila de trás à direita, o VW 4 portas de Silvio Montenegro, o Chevrolet Opala de Carlos Alberto Sgarbi, o Puma de José Pedro Chateaubriand. Na fila seguinte, encoberto pelo Opala, o AC de Anísio Campos, e mais à esquerda, o Puma de Sergio Louzada. A seguir à esquerda, isolado, o Avante Tornado de Jorge Del Rio e fechando o grid, ao centro, o MC Porsche com Elvio Divani.
Na quarta etapa da Copa Brasil, diante de 30 mil espectadores, Emerson demorou apenas 3 voltas para passar Moretti. Nessa etapa Moretti correu com bandagens protetoras nas mãos que apresentavam bolhas e calos em consequência de violentas cambiadas na Ferrari, o que tornou mais fácil a missão de Emerson
Emerson bateu novamente o recorde de Interlagos em corrida baixando o tempo para 2’53’2 deixando Moretti em segundo e Bragation em terceiro.
Algumas fontes declaram que no treino da última corrida Emerson teria chegado a 2`50´5.
Não é necessário dizer que em sua longa carreira no Brasil com Tite Catapani a Lolinha nunca mais repetiu em Interlagos os tempos conseguidos por Emerson.
Para efeitos de comparação, de como eram bons esses tempos com a “Lolinha”, em janeiro de 1971, foi realizado o torneio de F-3 em que José Carlos Pace (Lotus F-3) marcaria o melhor tempo com 3`01`08. Nessa mesma ocasião - do torneio de F-3- , Emerson fez algumas voltas de exibição com um Lotus 49-C de F-1. Provavelmente um teste para checar as aspirações de Interlagos a receber uma prova de F-1. Embora fosse um monoposto mais antigo (usado até meados de 1970 e substituído pelo Lotus 72) sem acerto para Interlagos e sem um motor Cosworth “de ponta”, em poucas voltas Emerson veio a 2`47`8.
Na pontuação final do torneio, Emerson é o campeão, Bragation é o vice e Moretti fica em quinto lugar. Haveria ainda uma etapa-extra da Copa-Brasil em Tarumã que Emerson venceria com facilidade (vide foto abaixo).
CONCLUSÕES
A Copa Brasil foi um prelúdio de eventos internacionais que viriam na sequência, mas ficou bem longe de atrair a nata dos competidores de primeiro nível.
Moretti embora derrotado por Emerson, mostrou uma certa evolução. Sua melhor volta nas Mil Milhas foi na casa de 2`58. Portanto, ele já tinha baixado cinco segundos no treino da última etapa da Copa Brasil (na casa de 2`53).
O entusiasmo com a performance de Emerson, fez passar despercebido o fato que na terceira etapa não só Moretti conseguiu segurar o primeiro lugar por um terço da corrida (7 das 21 voltas) como também de forma significativa conseguiu segurar Wilsinho e manter o segundo lugar. A Lola T 70 de Wilsinho e a Ferrari de Moretti tinham aproximadamente o mesmo peso e não eram carros ágeis, embora ambos fossem considerados carros bem equilibrados pelo seu tamanho, segundo testemunho dos pilotos da época. A Ferrari contava com cerca de 100 a 120 HP a mais que a Lola e Moretti dirigiu o suficiente para tirar partido dessa vantagem em potência sem se deixar ultrapassar no miolo do circuito por Wilsinho que era um grande conhecedor de Interlagos.
Emerson estava consciente que a oposição era mais fraca e comentou para o autor em certa ocasião (mais ou menos nestas palavras) “...minha sorte é que Moretti estava naquela Ferrari... se fosse um Mário Andretti ele teria ido embora e nunca mais eu o teria visto....”.
A Copa Brasil foi um dos episódios mais brilhantes da carreira de Emerson e à exceção da segunda etapa onde imprensa e público ficaram com a impressão de que ele não quis atacar mais incisivamente o irmão na liderança, Emerson mostrou as qualidades do campeão que ele iria se tornar logo mais ao arrebatar o mundial de F-1 em 1972.
Verdade é, porém, que os adversários não eram de grande nível. Quando Emerson foi em seguida participar dos 1.000 KMs de Buenos Aires, após um acidente com a Alfa T33/3 que seria seu carro na prova, ele foi convidado por Soler-Roig a assumir o volante do potente Porsche 917 da Escuderia Nacional. Diante de pilotos e carros de primeiro nível Emerson teve que se conformar em andar atrás de protótipos 3 litros (Matra e Alfa Romeo) e de outros 512 e 917 presentes.
Bragation era um amador “mais aplicado” que Moretti àquela altura. Ele logo trouxe seu Porsche 908/2 para a casa de 2`57 e 2`56 e foi baixando mais seu tempo ao longo das etapas embora reclamando que não tivesse as relações de marcha ideais para interlagos. Acostumado ao campeonato espanhol com muitos circuitos “travados” e de rua, Bragation que já tinha passagem pela F-2, logo mostrou seu estilo agressivo com derrapagens controladas o que fez a imprensa lembrar do grande Bird Clemente. Na segunda etapa, embora derrotado, Bragation mostrou sua categoria. Após ser ultrapassado por Emerson e Wilsinho, na hora em que este último assumiu o comando e Emerson se conformou em segui-lo, Bragation por muitas voltas os “manteve na alça de mira” a 3 para 4 segundos de distância. Depois preferiu segurar uma tranquila terceira posição e no resto do campeonato tentou manter uma postura conservadora aguardando quebras de Emerson, Wilson e Moretti, o que lhe assegurou um “vice-campeonato” na geral.
Soler Roig, que teria breves passagens pela F-1 e venceria provas locais espanholas em seu 917 e depois se manteria como um bom piloto de campeonato de turismo europeu, foi apenas correto e discreto em suas apresentações. Conforme planejado veio com a intenção de demonstrar e vender seu Porsche 907 o que fez em seguida e o carro seria visto muitas vezes ainda nas provas brasileiras nas mãos de Angi Munhoz.
Bragation também tinha intenções de vender seu 908, mas não o fez. Inspirada na boa apresentação de Bragation a Equipe Z compraria logo a seguir um outro modelo similar e logo dominaria as provas de protótipos brasileiras. Na sequência, esse 908/2 incorporado à equipe Hollywood se tornaria quase imbatível nas mãos do impecável Luiz Pereira Bueno. No final de 1971 com seu 908/2 bem acertado, Luisinho chegaria ao excelente tempo de 2`50`8 em Interlagos. Nas provas do Torneio Sul Americano “SUDAM” para esporte-protótipos, Luizinho mediria forças com o Protótipo Berta de maior cilindrada do lendário piloto argentino Luis di Palma e na vitória ou na derrota para Di Palma os jornalistas argentinos fazendo trocadilho com seu nome (bom é “bueno” em espanhol) para elogiá-lo anunciaram na manchete “Luiz, mas Bueno que Pereira” De qualquer modo Bragation, não se arrependeria de manter o Porsche 908/2 com o qual ainda “daria trabalho” e famosamente venceria em 1971 a principal prova portuguesa, o célebre 18º Circuito de Vila Real.
Foto: Circuito de Vila Real/Portugal - 04/07/71. Bragation persegue o Porsche 917 verde de Mario Araújo (“Nicha”) Cabral. Na sequência Cabral iria parar para verificar uma suposta queda de pressão do óleo deixando a vitória para o 908/2.
Foto: Vila Real 1971. A prova foi liderada inicialmente pelo suíço René Herzog (Ferrari 512 M da equipe de Herbert Muller chassis 1.008- o trágico carro em que Pedro Rodriguez perderia a vida semanas depois). Herzog aqui precede o Porsche 917 de Mario Cabral (encoberto), um Porsche 906 na sombra (Carlos Santos ou Américo Nunes?), aparecendo ao fundo o futuro vencedor o Porsche 908/2 branco e amarelo do Príncipe Jorge Bragation.
Foto: etapa “extra” da Copa Brasil em Tarumã em 03/01/1971. A prova contou com apenas nove participantes e o vencedor Emerson Fittipaldi (na foto) precedeu o 908/2 de Jorge Bragation e o Porsche 907 que fora de Soler Roig, já nas mãos de Angi Munhoz. Emerson nos treinos “pulverizou” o recorde de Tarumã com 1´07`4.
Desconhecemos porque Moretti e Manfredini não teriam aproveitado para fazer os 1.000 kms de Buenos Aires prova do mundial em 10/1/71, mas os registros atestam que nosso 512 volta imediatamente para a Itália para receber a configuração 512 M. Dos participantes da Copa Brasil, nenhum carro foi para os 1.000Kms Buenos Aires e dos pilotos apenas Emerson Fittipaldi pela equipe oficial da Autodelta (Alfa Romeo) e Alex Soler Roig inscrito com seu Porsche 917 da Escuderia Nacional, já citado anteriormente. Como falamos Soler Roig participara da Copa Brasil, mas com um Porsche 907, que não sairia do Brasil, sendo imediatamente vendido ao piloto brasileiro Angi Munhoz. O curioso e que a história de ambos se cruzou nessa prova, pois Emerson se acidentou com o Alfa nos treinos e ficou sem carro para a prova. Soler Roig lhe cedeu então a vaga para pilotar o 917 “espanhol” da Escuderia Nacional ao lado do ídolo local argentino, Carlos Reutemann.
Disque “M” para.... “modificato”
No final de 1970, não desejando investir na construção de novos chassis do 512 além da série original, a Ferrari prepara a versão 512 M. A potência passa de 550 HP para 610/620 HP em regime máximo passando de 8 mil a 9 mil rpm. Mudança nas camisas de cilindros agora em liga leve, na circulação de óleo no motor, na taxa de compressão auxiliam o aumento de potência. Na parte estética, o estepe obrigatório pelo regulamento FIA passa para trás, e em consequência o bico do carro é rebaixado.
Teria sido a 512 M um fracasso? Não exatamente. Nascida ainda em 1970, a versão M se mostra muito competitiva. Aparece inicialmente nos 500 Kms de Ímola, (prova
descrita acima) em 13/9/70 ainda vestida com a carroceria da série S (a Scuderia Ferrai usou o chassis 1010). Após marcar a “pole position”, Merzario acaba abandonando. Sua primeira aparição nas provas do Mundial de Marcas é nos 1.000kms da Áustria (11/10/70) para onde a Scuderia manda um chassis na versão M com a nova carroceria.
Com Ickx e Giunti partindo da segunda posição do grid, a Ferrari toma a ponta e domina a prova com autoridade sobre os Porsches 917. Ickx se dá ao luxo de bater o tempo dos F-1 na mesma pista. O sucesso só não se consolida por uma banal pane de alternador.
Em seguida, essa primeira versão “512 M” da Scuderia (sempre o chassis 1010) com Ickx/Giunti, arrebata as 9hs de Kyalami, prova extracampeonato, mas bastante competitiva, batendo os Porsches 917 presentes, entre os quais o 917 K da Martini com Siffert/Ahrens em segundo lugar, uma volta atrás.
Curiosamente esse mesmo chassis (1010) é a única aparição da 512 versão M pela Scuderia em 1971, na primeira etapa do Challenge Intersérie em Imola (2/5/71) onde Merzario vence com autoridade, com um motor especialmente preparado (640/650 hp) marcando a primeira vitória da Scuderia Ferrari no circuito de Ímola então batizado de “Circuito Dino Ferrari”.
Mas, ciente da futura mudança do regulamento para 1972, a Ferrari, com exceção do evento acima, abandona a 512 na temporada de 1971 e se concentra na criação e desenvolvimento da Ferrari 312 PB (PB para protótipo boxer).
Às escuderias privadas restaram duas alternativas: desenvolver o 512 M com seus próprios recursos ou apenas seguir a receita de fábrica cuidando de uma boa preparação de pista.
UMA FERRARI AZUL
Por uma incrível obra do destino, abandonada pela fábrica e com seu desenvolvimento nas mãos de escuderias privadas, talvez a melhor compreensão do potencial da 512 M tenha vindo de um concessionário Ferrari na Philadelphia.
Kirk F. White comprou o spider 512S (chassis 1040) originalmente adquirido por Chris Cord e Steve Earle e usado pela equipe Hollywood Sports Car em algumas provas da CAN-AM em 1970 com Jim Adams ao volante, e o mandou diretamente para ser preparado e operado pela equipe SUNOCO-PENSKE, de Roger Penske. A equipe contava também com seu lendário piloto-engenheiro Mark Donohue e excelentes mecânicos liderados pelo engenheiro Don Cox.
Penske reconstruiu o carro e o colocou na configuração “M”. Os motores foram revistos pelos célebres preparadores californianos da TRACO (Jim Travers e Frank Coon) utilizados pela Penske para qualquer preparação de todo e qualquer tipo de motor seja um V-8 Chevrolet ou um V-12 Ferrari.
O carro era sempre apresentado impecável em sua carroceria azul com os adesivos da Sun Oil Company ou simplesmente “SUNOCO” em amarelo. Já naquela época, a Penske uniformizava os membros da equipe e mecânicos nas mesmas cores.
Em 1971 o 512 M foi pole position em Daytona, Sebring e Watkins Glen por cortesia e competência da equipe Sunoco/Penske, superando os Ferrari 312 PB de fábrica e os Porsches 917. Além dessas três provas, participaram de Le Mans onde ficaram em quarto no grid superados apenas pelos Porsches Long Tail. De qualquer modo nem a 512 M da Penske nem qualquer outra equipe conseguiu o lugar mais alto do podium nas provas do Mundial da FIA em 1971.Mas também não fizeram feio. A Ferrari da Penske liderou todas as provas americanas de que participou.
A célebre Ferrari 512M, chassis 1040, da equipe Sunoco/Penske foi pilotada pelo lendário piloto-engenheiro Mark Donohue sempre bem escoltado pelo competente David Hobbs.
Se em Le Mans a Scuderia fez “forfait”, as equipes particulares deram trabalho à Porsche. A 512 M da Penske fez as honras da Ferrari largando em 4º no grid e se mantendo em 2º lugar no início da prova, até quebrar o motor. A 512 F da Filipinetti largou de um bom 8º lugar e se manteve entre os 10 primeiros no início de prova até a quebra. A 512 M da Escuderia Montjuic com Juncadella/Vacarella chegou a liderar antes do abandono e, por fim, a 512 M do NART com Posey/Adamowicz chegou em 3º na geral atrás dos Porsches 917 vencedores.
AS VELHAS DANDO TRABALHO
Mesmo as “velhas” 512 S de 1970 dariam um “ar da graça” na temporada de 1971. Algumas 512 S jamais foram convertidas para a versão “M”. A 512 S do NART, um “spider” não convertido em “M”, com Bucknum/Adamowicz liderou as 24hs de Daytona e acabou em um respeitável segundo lugar. Curiosamente o carro enfrentava um problema de válvulas que fazia com a gasolina não queimada fizesse o carro lançar labaredas de fogo pelo escapamento, proporcionando imagens sensacionais que fizeram a alegria dos fotógrafos de plantão. Mesmo assim a Ferrari 512S foi até o fim da prova.
Foto (acima e abaixo): 24 hs de Daytona (31/1/1971): a 512 S, chassis 1006, do North American Racing Team - NART com Ronnie Bucknun e Tony Adamowicz apresenta um problema de molas de válvulas lançando chamas pelo escapamento para fascínio do público e sensação dos fotógrafos de plantão. Isso não a impediria de terminar em um ótimo segundo lugar.
Do mesmo modo nosso chassis 1022 jamais chega a ser uma 512 M. Ele permanece como 512 S. É devolvido à fábrica para “conversão” à versão M, mas devido a greves e atrasos, Manfredini acaba preferindo ficar com um novo chassis já convertido à versão M (1050) e remontado com componentes do velho 1032, carro com o qual Manfredini vai reaparecer em provas de 1971 já em dupla com Giancarlo Gagliardi (chassis conhecido como o 1032/1050).
Concluindo-se que talvez Manfredini fosse o único dono do carro ou talvez tivesse “comprado” a metade de Moretti no chassis 1022.
Moretti iria aparecer em 1971 em dupla com Teodoro Zecolli em outro 512 M (chassis 1008) da equipe de Herbert Muller.
Mas o que aconteceu com a “nossa” 512 S?
De fato e contra todas as expectativas, a 512 S a se destacar em 1971 foi a nossa 1.022.
A SCUDERIA FILLIPINETTI
A Scuderia Filipinetti, criada pelo célebre empresário Georges Filipinetti para ser a bandeira suíça nas pistas teve uma atuação muito marcante no cenário automobilístico europeu nos anos sessenta. Sob suas cores (vermelho e branco cores nacionais suíças) correram monopostos, protótipos e carros esporte em várias categorias. Sua vitória mais importante foi com um Porsche na Targa Florio de 1966.
Devido às relações de Filipinetti com o comendador Ferrari (Filipinetti, entre outras atividades, era concessionário Ferrari na Suíça) a Scuderia Filipinetti se tornou uma das da principais clientes e “equipe-satélite” da Ferrari. De suas instalações no “Chateau de Grandson” figuras lendárias como engenheiro Franco Sbarro e depois o chefe de equipe Claude Sage mantinham um alto nível de preparação dos carros da equipe.
Pouco mais tarde, o início dos anos setenta iria encontrar a Filipinetti em seu auge. Assim, a Filipinetti foi uma das principais “operadoras” dos Ferrari 512 tendo utilizado com mais frequência os chassis 1016, o 1008 e o 1048 e preparando e inscrevendo o 1032/1050 para Manfredini/Gagliardi.
Infelizmente a história da Filipinetti teve um final trágico, mas enquanto competia era uma adversária de respeito até para as equipes de fábrica. Assim como a Penske, a Filipinetti foi a outra equipe que optou por desenvolver seus aperfeiçoamentos no 512 M, aproveitando que podia se valer do famoso piloto-engenheiro Mike Parkes que durante boa parte da década de 60 fizera esse mesmo papel na Scuderia Ferrari guiando desde os carros de Grã-Turismo até os F-1 da Scuderia.
Parkes desenvolveu a versão carinhosamente apelidada de 512 F (“F” para Filipinetti) com cockpit mais estreito e baixo, para-brisa mais afilado, ao estilo dos Porsches 917, maiores radiadores laterais, um aerofólio traseiro ao estilo Penske, tanque de gasolina do lado direito e toda aparelhagem elétrica à esquerda do piloto. Esse carro seria a “arma” da Filipinetti em Le Mans.
O chassis escolhido foi o 1048. O carro apareceu em Buenos Aires como uma versão “M” de fábrica e sofreu um acidente nos treinos com Ronnie Peterson. Reparado às pressas com ajuda de um artesão local com habilidosos remendos em alumínio ele fica pronto para a prova, onde é um dos protagonistas do infeliz acidente que vitimou Ignazio Giunti.
Giunti com 312 PB ao tentar ultrapassar a 512 M da Filipinetti colide com o Matra-Simca empurrado de volta aos boxes por Jean Pierre Beltoise. (veja-se nosso artigo “O Verão Perigoso” no site do Alfa Romeo Clube do Brasil).
Embora inscrita em Daytona, esse chassis 1048 obviamente em reparos não comparece e volta à Europa onde vai ser convertida para a versão “F”. Pronta a nova versão “F”, Mike Parkes logo vence uma prova de campeonato italiano em Vallelunga em 2/6/71.
A ÚLTIMA PROVA
1.000 Kms de Monza/Itália 25/4/1971
Pilotos: Parkes/Bonnier número do carro na prova: 8
Antes que essa versão “F” da Filipinetti ficasse pronta, as Ferraris teriam uma importante prova em casa, na qual Filipinetti teria que se apresentar para os 1000Kms de Monza em 25/4/71. A ideia seria levar um carro próprio e preparar o chassis 1032/1050 para Manfredini/Gagliardi.
Com as novas 512 “F” ainda em preparação, a Ferrari oferece o “nosso” chassis 1022 para a Filipinetti ainda na versão S. A Filipinetti teria então preparado o carro para Monza usando os componentes mecânicos que já tinha disponíveis da versão M (possivelmente da 1048) para preparar o 1022.
Inscrito para a dupla de ponta da Filipinetti (Mike Parkes/ Jo Bonnier) “nosso” 512 surpreende a todos, com um 4º lugar no grid, superado apenas pela Porsche 917 da Martini (Elford/Larousse) em 1º, da 312 PB da Scuderia Ferrari (Ickx/Regazzoni) em 2º e da Alfa Romeo T33/3 da Autodelta com Stommelen/Hezemans em 3º.
É interessante notar que a ‘velha” 512 S 1022 superou nos treinos todas as 512 M presentes sendo uma da Scuderia Filipinetti (Manfredini/Gagliardi) a da Montjuic (Juncadella/Merzario) e as duas da Herbert Muller (Muller/Herzog e Moretti/ Zeccoli).
Notem que nas 512 M acima estavam os ex-proprietários do chassis 1022 (Moretti e Manfredini).
Foto: Monza 25/4/1971 Poucos metros após a largada a Ferrari 512 S nº 8 da Scuderia Filipinetti com Mike Parkes já está em segundo lugar e prestes a tomar a liderança da Ferrari 312 PB nº 15 “oficial” com Jacky Ickx.
Assim nosso carro é a primeira Ferrari 512 no grid, deixando para trás as 512 M presentes e largando logo à frente do futuro vencedor, o Porsche 917 K da Gulf com Rodriguez/Oliver. É corrente que a nossa 512 S estava com componentes mecânicos da 512 M, inclusive com o motor mais potente. A Scuderia Ferrari estava usando os 312 PB que tinham motor diferente. Será que a Ferrari emprestou um de seus V-12 “canhão” de 640/650 HP para o chassis da Filipinetti?
Mas a surpresa não termina por aí. Particularmente inspirado, o veterano piloto inglês Mike Parkes faz a melhor largada (vídeos disponíveis na internet) despejando sem acanhamento potência do V-12 Ferrari e “despacha” os adversários.
A torcida italiana vai ao delírio.
O autódromo lotado, os espectadores nas tribunas, em cima de árvores ou pendurados nas placas publicitárias, se esgueirando para ver quem passa liderando a primeira volta da corrida.
Foto: “O último hurrah” - 1.000Kms de Monza (25/4/1971) final da primeira volta antes da curva parabólica, Mike Parkes surge com “nossa” Ferrari liderando o Porsche 917 da Martini Racing com Vic Elford, os Porsches 917 da Gulf com Pedro Rodriguez -futuro vencedor - e Jo Siffert, a Ferrari 312 PB de Jacky Ickx (Scuderia Ferrari) e as duas Alfas T33/3 oficiais da Autodelta com Stommelen e De Adamich... Segundo os jornalistas italianos “la folla era in delirio” (“a multidão estava delirando”).
E nossa gloriosa 512 S vermelha, (sim a 1022 ex-Moretti) com seu intrépido “inglese” ao volante passa rugindo em primeiro lugar liderando os Porsches 917 da Martini e da Gulf, a Ferrari 312 PB da Scuderia e os Alfas T33/3 “oficiais” da Autodelta/Alfa Romeo.
Parkes sustenta o combate e lidera até o fim da primeira volta, depois se mantém bem colocado no grupo ponteiro, mas a logo começam os problemas mecânicos que forçam a retirada, oficialmente atribuída à quebra da bomba de gasolina.
A Ferrari mais viajada do mundo, a que tinha participado das provas mais pitorescas, termina sua carreira liderando uma prova do mundial diante de sua torcida em casa, em um Monza lotado de “tifosi”.
Impossível ver um mais belo fim de carreira para uma Ferrari.
A ideia da Filipinetti seria colocar pelo todos os carros da equipe na versão “F” para as 24 hs Le Mans (13 e 14/6 de 1971), mas vários problemas intervêm e apenas a 512 F chassis 1048 se apresenta para a prova inclusive com um honroso 8º no grid, se mantendo entre os 10 primeiros no início de prova, que depois abandonaria.
O chassis 1022 é também convertido para a versão “F” pela Carrozzeria Silingardi em Modena e é inscrito pela equipe para as 24 hs de Le Mans com o número 5 para a dupla Ronnie Peterson/Jean Pierre Jabouille, mas não chega a ser apresentado, encerrando sua carreira.
O saudoso Moretti, falecido em 2012, ainda teria muitos anos de corrida pela frente e sua ligação com a Ferrari e amizade com Piero Lardi Ferrari levariam à construção do último-até esta data- protótipo esporte Ferrari (o 333SP). Com ele Moretti teve a glória de ser o primeiro piloto do mundo a vencer as três principais provas de endurance americanas no mesmo ano (24 hs de Daytona, 12hs de Sebring e 6hs de Watkins Glen).
O chassis 1022, hoje magnificamente restaurado na versão 512 F, sobrevive e está em muito boas mãos.
Fotos acima e abaixo: tal como aparece na última vez que foi anunciado o chassis 1022 está na configuração e nas cores da 512 versão “F”, com seu para brisa mais baixo e afilado e outras características especiais dessa versão exclusiva da Scuderia Filipinetti.
A “Ferrari de Moretti” foi uma história fascinante de dois “gentleman drivers” e uma Ferrari que cruzaram o mundo e mostraram que a vontade de correr e o espírito esportivo superam qualquer limitação.
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