Por Alberto Maurício Caló

Há 50 anos atrás dois “gentlemen drivers” italianos vieram a São Paulo com o carro de corridas mais potente e veloz que já havia aparecido nas pistas brasileiras
Alberto Maurício Caló conta a incrível aventura de uma pequena equipe italiana e de sua fabulosa Ferrari em….
A FERRARI de MORETTI
Nossa história começa por um evento que abalou o mundo automobilístico. Após um Ford X Ferrari nos anos 60 tivemos um Porsche X Ferrari nos anos 70. Desta vez um “clássico” entre dois fabricantes de carros de corrida europeus.
A BATALHA DOS TITÃS – 1970/1971
Uma história bem conhecida, mas que vale a pena repetir. Desde os anos cinquenta sempre houve uma certa polêmica sobre o que era a versão esportiva de um carro de turismo, um carro esporte, um carro “grã-turismo” ou GT e um protótipo de corridas.
E como misturá-los em um prova e agrupá-los por categorias, com diferentes critérios, como cilindrada, forma de aspiração do motor, quantidade de passageiros, quantidade de veículos produzidos, etc.?
No meio dos anos sessenta os protótipos da categoria de topo, na prática, já não tinham limitações de cilindrada embora tivessem que observar prosaicas normas de regulamento como a capacidade de levar uma mala de certas dimensões, um estepe, um sistema elétrico completo e um lugar de passageiro, por mais apertado e desconfortável que fosse.
Assustada com a performance dos gigantescos Ford J e Chaparral-Chevrolet com motor de 7 litros que competiram no campeonato de 1967, a FIA anunciou que para 1968 passaria a vigorar o regulamento que previa os protótipos com motores limitados a 3,000cc ou 3 litros (Grupo 6). Para aproveitar carros já construídos e não ter que ficar com grids “esqueléticos” a FIA regulamentou a categoria Esporte ou “Sport” (Grupo 5) com motores de 5 litros no mínimo 50 exemplares construídos para homologação. Em seguida foi feito um aditivo ao regulamento reduzindo a 25 exemplares a quantidade para homologação na categoria “sport”. A idéia inicial era abrigar os Ford GT 40 (com mais de 50 unidades já construídas) e com esse adendo, também os Lola-Chevrolet.
O que a FIA esqueceu foi de dizer que esses blocos de 5 litros deveriam ser derivados de blocos de série, como de fato eram os Ford e Chevrolet. Esse esquecimento abriu a brecha de fazer verdadeiros protótipos de 5 litros com motores especialmente construídos para tais fins.
Isso estimulou a Porsche com bom apoio financeiro de sua parceria com a VW a construir 25 exemplares do Porsche 917, que foi apresentado em maio de 1969, no que foi seguida pela Ferrari no final daquele ano.
Após uma providencial injeção de capital pela FIAT a Ferrari anuncia no restaurante Gatto Verde ao pé dos Apeninos, pairando sobre Maranello, sua decisão de produzir 25 exemplares de um protótipo 5 litros que viria ser o Ferrari 512 S
Se iniciou a “batalha dos titãs”, ou Ferrari x Porsche com os melhores pilotos do mundo nos comandos. Uma época breve (1970/1971) mas inesquecível na história das competições de carros esporte. Um espetáculo que provavelmente jamais assistiremos de novo
Mas, paradoxalmente, isso logo criou um problema inédito para a Ferrari e a Porsche.
Durante os anos sessenta e até então esses protótipos eram feitos em pouquíssimas unidades, utilizadas pelas equipes oficiais e, na temporada seguinte, cuidadosamente distribuídos às “equipes clientes” que já contassem com boa estrutura
Inclusive porque Porsche e Ferrari eram ciosas de sua reputação e não passavam esses carros a amadores que poderiam ter atuações desastrosas, maculando o prestígio das marcas.
Mas agora a situação era diferente. Teriam no mínimo 25 carros, protótipos caríssimos altamente especializados que precisariam ser vendidos logo a terceiros. Carros que em 1970 já tinham potência próxima a 550 HP e ainda mais que isso em 1971.
Contando com as necessidades das equipes oficiais, das equipes clientes, de carros reserva, etc, ainda sobraria um bom número de carros a serem vendidos, inclusive para recuperar uma parte dos investimentos.
HOMOLOGAÇÃO
A primeira dificuldade das fábricas era apresentar os 25 carros construídos para homologação. Inicialmente as fabricas mandavam uma “lista de pedidos” para a FIA confirmando uma “ordem de produção”. Mas normalmente era uma “lista hipotética”.
John Starkey em seu livro “Lola T-70” recordou a homologação dos Lolas T-70 coupés pela FIA para a nova regra do campeonato de 1968.
Eric Broadley, patrão da Lola, estava tranquilo pois já tinha produzido uma quantidade muito maior de T-70 spiders, nas versões MKI e MK II, mas foi surpreendido no início de 1968 pois a FIA queria ver 25 Lolas T 70 MKIII “coupés” dos quais ele só tinha fabricado onze exemplares desde o início de 1967.
Starkey descreve em seu livro ”-…a Lola chamou todos seus clientes ingleses para “devolverem” seus carros à fábrica. Colocou-os alinhados e na sequência alinhou todos os chassis em fase de montagem e em seguida alinhou mais alguns kits de carrocerias disponíveis………e fez os comissários da FIA passarem bem rapidamente por essa “linha de montagem forjada” após muita conversa e um almoço muito bem servido……”
Rico Steinemann, Diretor de Competições da Porsche recordou (aqui citado por nosso amigo Kiko Barros em excelente artigo na Porsche Clubnews de set/nov de 2001)
“Os inspetores da FIA se contentavam com declarações de que os carros seriam construídos e aceitavam como provas listas de pedidos de clientes ou a existência de peças e componentes,…… mas viraram motivo de chacota diante de histórias de carros exibidos em longos salões com espelhos no fundo, documentos forjados, e intermináveis passeios por fábricas onde cinco carros eram exibidos de manhã, depois mais cinco no almoço, mais cinco à tarde e assim por diante, quando ,na verdade, eram sempre os mesmos cinco carros………. Tínhamos componentes e peças para os vinte e cinco carros exigidos, mas havíamos montado apenas seis e a FIA nos exigiu as vinte e cinco unidades prontas……Chamamos qualquer um que soubesse segurar uma chave de fenda para montar os vinte e cinco Porsches 917……….para surpresa dos inspetores da FIA lá estavam vinte e cinco unidades do Porsche 917 enfileiradas………. todos os motores funcionavam, as marchas engatavam e eles se moviam para frente e para trás………..mas com certeza somente três ou quatro completariam com sucesso uma volta pelo quarteirão………..depois das visitas dos inspetores todos os carros foram desmontados e posteriormente remontados por mecânicos “um pouco mais hábeis…”
De fato, a Porsche se excedeu e acabou construindo 59 modelos ao longo dos anos incluindo versões com carroceria coupé da série inicial, versões com carroceria de caudas longas, versões “Can-Am” e, entre eles, 36 chassis do 917 K, o mais famoso, de carroceria de cauda curta (Kurzweck)


Para se ter uma idéia, o Porsche 917 foi lançado em março de 1969 com um preço “de tabela” de 140.000 marcos equivalente em valores de época cerca de 35 a 38 mil dólares americanos) enquanto um 911 novo estaria entre US$ 4,2 a US$ 5 mil. Isso sem contar peças sobressalentes, etc e tudo o que seria o “pacote” para se operar um carro de corridas de forma competitiva.
John Woolfe, o primeiro “particular” a comprar o Posche 917 teria pago o equivalente a 16 mil libras esterlinas
E é justamente neste panorama que se inicia a “busca” a esses novos clientes.

RÁPIDOS COMO UM FÓRMULA 1
Que se deixe bem entendido. Nos anos 50, 60 e início dos 70 era comum pilotos de F 1 ou de “grand prix” participarem ativamente de corridas de F-2 e de protótipos. Não só porque o campeonato de F-1 era composto por poucas provas, como também para que esses pilotos pudessem completar seus ganhos como profissionais.
Então, em um contexto normal os 917s e 512s de fábrica e das equipes “próximas” eram realmente guiados por pilotos que eram, foram ou seriam logo em seguida pilotos de F-1. Pilotos talentosos e experientes, (exemplo: na Porsche, Jo Siffert, Pedro Rodriguez, Brian Redman, Richard Atwood, Helmut Marko) (exemplo na Ferrari, Mario Andretti, Jacky Ickx, Chris Amon, John Surtees, Jo Bonnier, Mike Parkes). Participantes eventuais nesses Porsche, Ferraris, Lolas, Matra Simca ou Alfa Romeos eram gente como Ronnie Peterson, Denny Hulme, Jack Brabham, Henri Pescarolo, Jean Pierre Beltoise, Jackie Stewart, Reine Wissel, Tim Schenken, Carlos Reutemann, Emerson Fittipaldi, etc ou seja, todos na F1 ou com passagem pela F1.
E assim deveriam ser. Mas por quê?
Porque os 917 e 512 tinham relação peso-potência próxima de um F 1 e – acreditem -, na temporada de 1970 chegaram a baixar o tempo dos F-1 em determinadas pistas mais velozes, tirando partido de suas carrocerias mais aerodinâmicas. Por exemplo, nos 1.000 Kms da Austria de 1970, Jacky Ickx baixou o melhor tempo dos F1 no mesmo ano na mesma pista (Zeltweg também conhecida como Osterreichring) No GP da Austria de F-1, Ickx (Ferrari 312 B) fez a melhor volta da prova em 1`40`4 em igualdade de tempo com seu companheiro de equipe Clay Regazzoni e o mesmo Ickx, agora com Ferrari 512 M fez a melhor volta dos 1.000Kms da Austria na mesma pista com 1`40“ 0
Esses protótipos eram tão rápidos que entravam também nas provas Can-Am (então a categoria mais veloz do mundo em circuito misto), contra os Maclaren, Chaparral e Lolas de 7 litros e não ficavam tão para trás, sempre se classificando bem, embora sem poder vencer os Mclaren Chevrolet de quase 800hp.
Enfim 917s e 512s eram dos carros mais velozes do mundo e demandavam pilotos de primeira linha ao volante

Mas isso se tornou um problema. Agora tinham que vender alguns carros a equipes menos gabaritadas com pilotos mais ou menos amadores.
Era um contexto perigoso e isso ficou claro quando a Porsche vendeu o primeiro 917 a uma equipe particular a John Woolfe Racing do empresário e piloto amador britânico John Woolfe.
Ao receber seu carro, o mesmo foi imediatamente inscrito em Le Mans 1969 antes mesmo que a pequena equipe inglesa tivesse tempo de colocá-lo nas suas cores oficiais (azul “royal” com faixas amarelas). O carro foi apresentado no branco oficial da Porsche com faixas azuis e amarelas longitudinais.
É sabido que esses primeiros 917 de 1969 eram carros muito instáveis, difíceis de pilotar, com carrocerias de cauda longa. Os carros de cauda curta, mais “civilizados” só apareceriam na temporada de 1970. Ao dar as primeiras voltas no treino, o co-piloto de Woolfe, Digby Martland, logo desiste da competição alegando que o 917 “não era um carro para amadores”. A Porsche, às pressas, providencia seu experiente piloto de testes, Herbert Linge, para classificar o carro e fazer dupla com Woolfe na prova.
Woolfe era um piloto amador britânico com 37 anos e pela primeira vez estava em um carro muito competitivo largando em nono lugar. Segundo versão de época, Woolfe tinha trazido toda a família da Inglaterra para vê-lo em ação na prova mais tradicional da Europa. Sabendo que nas provas longas o carro poderia quebrar antes mesmo do segundo turno de pilotagem, Woolfe insiste em participar da largada (ainda ao velho estilo com pilotos correndo até os carros do outro lado da pista) e fazer o primeiro turno de pilotagem.
Não se sabe o que efetivamente aconteceu, mas a consequência desse tipo de largada era comum que vários pilotos fizessem esse primeiro turno de pilotagem com os cintos de segurança desamarrados, ou, pior, tentassem fixá-los com o carro em marcha.

As consequências seriam trágicas. Possivelmente animado por estar no pelotão da frente,(estava em 12º no momento do acidente) perto dos Porsches “de fábrica” ainda na primeira volta Woolfe se excede, derrapa em Maison Blanche, o carro bate e se parte ao meio causando a morte quase instantânea de seu piloto e um incêndio de grandes proporções que atingiu outros concorrentes entre os quais a Ferrari 312P de Chris Amon.
FAZEDORES DE VIÚVAS
A Porsche, além da derrota para o Ford GT 40 em Le Mans 1969, ainda enfrenta as críticas da imprensa mundial por ter vendido um protótipo ainda não devidamente desenvolvido a uma equipe particular, causando a morte de seu piloto.
O carro é chamado de “widowmaker”-fazedor de viúvas.
Nesse contexto dramático, no final de 1969, Porsche e Ferrari vão ter que buscar compradores para seus magníficos (e perigosos) 917s e 512s
O problema dos Porsches 917 e Ferraris 512 em mãos de pequenas equipes particulares seriam os que todos já imaginam, por exemplo:
-Falta de preparo das equipes para dar adequada manutenção e acerto para carros sofisticados;
-falta de estoque adequados de peças por força de “orçamentos apertados”,
-falta de pilotos experientes para acerto em pista dos carros,
– escolha inadequada de eventos “menores” (como eventos em pistas sinuosas, eventos em circuitos de rua, subidas de montanha em rotas “travadas”)
Tudo isso colaborando para que essas pequenas equipes particulares acabassem às vezes dando vexames maiores ou menores e os 917 e 512 particulares acabassem sendo “presas fáceis” de protótipos de baixa cilindrada preparados e guiados por mãos mais profissionais e competentes.
Em compensação outra parte da demanda de carros seriam as equipes oficiais e as clientes tradicionais.
No caso da Porsche os 917 seriam utilizados pela equipe de fábrica, em 1970 representada pela Porsche Salzburg (Louise Piech, nascida Louise Porsche e mãe de Ferdinand Piech diretor de competição da Porsche chefe do projeto do 917, depois presidente da VW), pela Gulf Porsche (John Wyer) e pela Martini Racing (Conde Gregorio Rossi di Montelera da Martini & Rossi), mais os carros reserva e restando vender alguns carros para equipes particulares
No caso da Ferrari a própria Scuderia Ferrari ficaria com alguns carros, os outros iriam para a equipe americana, NART North American Racing Team (Luigi Chinetti), para a suíça Scuderia Filipinetti (Georges Filipinetti), e a belga Ecurie Francorchamps / Ecurie Nationale de Belge – Jacques Swaters), restando vender alguns carros para equipes particulares.
Moretti / Manfredini e a Scuderia Picchio Rosso
Nesse contexto é que aparece Gianpiero Moretti e a ligação com nossa história.
Giampiero Moretti (1940-2012) viria a construir um curriculum respeitado como piloto e empresário.
Membro de tradicional família milanesa do ramo farmacêutico, encontrou seus próprios caminhos e no meio dos anos 60 criou a fábrica de volantes esportivos, pequenos, com aros revestidos de couro, com sua marca “Momo” à qual se juntaria a fabricação de seus macacões de competição sob a marca “Nomex”. Ambas as marcas (Momo e Nomex) viriam a ser eventualmente seus pseudônimos nas pistas.
Mas a verdade é que em fins de 1969 Moretti era um amador, um gentleman driver com um curriculum limitado.
Até 1967/68 Moretti praticamente só participara de provas nacionais italianas, a maioria de subidas de montanha e com carros de baixa cilindrada (Fiats, Fiat Abarths, Simca Abarths e depois um Porsche 911, 2 litros). Algumas participações em Mugello e na Targa Florio sem maiores destaques e com poucas provas europeias de nível internacional.
Só em 1969 é que associado a seu amigo Corrado Manfredini (com um curriculum mais longo, mas de envergadura igualmente limitada) é que reunidos na Scuderia Picchio Rosso (de alguma tradição na F2 e F3 italiana) passam a disputar corridas com um carro mais atualizado, um Porsche 907.
O ano 1969 daria os primeiros resultados um pouco mais significativos a Moretti como um 4º lugar na classificação geral nas 6hs de Vila Real (Portugal) com um 907 em dupla com Manfredini e um 10º lugar na classificação geral da Targa Florio e 1º na categoria com um Porsche 911 2.0 em dupla com Everardo Ostini.
Corrado Manfredini, igualmente um gentleman driver, 9 anos mais velho que Moretti era veterano das “Mille Miglia”, com algumas passagens internacionais inclusive no Brasil em 1957 (Interlagos-SP e Circuito da Quinta da Boa Vista-RJ). Mas sua carreira era igualmente amadora, com anos mais ativos e anos menos ativos inclusive porque conduzia os negócios da família no ramo da construção/incorporação com seu pai Ercoliano Manfredini na importante empresa até hoje existente criada em Rovigo e depois transferida para Milão.
É assim que aproveitando seu bom contato e amizade com o comendador e seu filho Piero Lardi Ferrari é que Moretti é convidado, ou se convida, a adquirir um Ferrari 512 S para a scuderia Picchio Rosso. Dizem que metade do carro foi pago com os volantes Momo que naquela época passaram a substituir nos carros esporte da Ferrari os belos volantes Nardi com aro de madeira. Outros dizem que todo o carro foi pago com um estoque de volantes (quem sabe?). Outros ainda afirmam que carro teria sido comprado em sociedade com Manfredini e Moretti pagou sua parte com os volantes…..
Enfim, o valor de um 512 à época era de 25 milhões de liras italianas, ou seja, de qualquer modo uma pequena “fortuna” (um dos conversores utilizados conduz a um valor de época de US$ 39/40 mil dólares norte-americanos quando um carro de luxo custaria cerca de 7 a 8 mil dólares)
E aí se inicia uma das mais incríveis histórias das peripécias de uma pequena equipe e um carro excepcional
O próprio Moretti recordou que foi recolher o carro na fábrica, deu apenas três voltas na pista da Ferrari para checar os instrumentos e partiu para as 24 hs de Daytona em 30/1/70 com Manfredini e apenas 2 mecânicos sem conhecer absolutamente mais nada do carro e de seu comportamento em pista.
Esse era o chassis 1032
24 HS de DAYTONA – 31/1/1970
Pilotos: Moretti;Manfredini número do carro na prova :30


Em Daytona, naturalmente largam do fundo do pelotão (33º tempo com 2`19“) bem longe dos outros 512 e 917. O 512 na pole position fez 1`51“56. Mesmo assim na longa corrida, após três horas de prova estão em 11º e após seis horas de prova estão em 9º lugar. Após a meia noite envolvem-se em um pequeno acidente com outra 512 S do NART (Gurney/Parsons). Aproximadamente às 3 da madrugada, após 12 hs (ou metade) de prova, quando estavam em 7º lugar abandonam por quebra da suspensão. (quebra eventualmente atribuída ao “toque” com a Ferrari do NART)
RAC “Easter Cup” – Truxton- 30/3/1970
Piloto: Moretti número do carro na prova :2
Voltam à Itália onde a Ferrari é reparada na fábrica e em março resolvem “pegar uma carona” com a equipe Picchio Rosso no caminhão que levava os Fórmula-2 dos irmãos Brambilla (Vittorio e Ernesto) a para uma prova britânica na pista de Truxton etapa inaugural do Campeonato Europeu de Fórmula 2. A Fórmula 2 era muito prestigiada e vários dos ases de F-1 estavam presentes. A Picchio Rosso levava dois monopostos mais antigos sendo um Brabham BT 23 para Vittorio Brambilla e um Ferrari Dino 166 F-2 para seu irmão Ernesto “Tino” Brambilla.
O evento “coadjuvante” da F-2 é a prova que abre o campeonato nacional britânico de carros esporte e protótipos a “RAC Easter Cup” em 30/3/70. É uma prova curta de 25 voltas, por alguns citada também como “Embassy Trophy”. A prova reúne protótipos de várias cilindradas, com a pole position do pequeno Chevron B 16 (1,8 litros) da equipe de fábrica com Brian Redman ao volante, seguido pela Lola T70 de David Piper e Moretti largando em 3º com a Ferrari.
O favorito, Jo Siffert, larga em sexto com o Porsche 917 também da equipe de David Piper.
Moretti surpreendentemente toma a ponta e consegue andar por alguns instantes na frente do Porsche 917 com Jo Siffert ao volante, mas a euforia dura pouco. Pressionado por Siffert, desconhecendo a pista e a categoria dos adversários, Moretti logo se entusiasma e sai da pista na segunda volta danificando o capô traseiro da Ferrari.
O evento seguinte é objeto de dúvidas. Uma versão diz que Moretti foi participar de uma prova de campeonato italiano em Vallelunga, próximo a Roma. De fato, em 4 e 5 de abril de 1970 estava prevista uma etapa de campeonato italiano em Vallelunga (Coppa Automobile Club di Roma) mas não se tem maiores informações se Moretti efetivamente participou do evento. A versão que cogita essa hipótese dá a entender que Moretti também teria sofrido algum acidente nessa prova. Os dados levantados apontam, porém, que essa prova em Vallelunga não era aberta para carros dos Grupos 5 e 6 (sport e protótipos) mas apenas ao grupo 4 (grã- turismo e turismo modificados).
Coppa Automobile Club di Verona – Monza -12/4/70
Piloto: Manfredini número do carro na prova: 2
A versão dominante e comprovada afirma que o evento seguinte foi em 12/4/70 em Monza com Manfredini ao volante conforme amplamente confirmado pela lista de inscritos e notícias da imprensa logo após o evento.
Este evento seria a 1ª Coppa Automobile Club di Verona no autódromo de Monza, um evento nacional para carros Grupo 4 e 5. Era um evento de campeonato italiano, sendo oportuno lembrar que a prova era no mesmo final de semana dos 1.000 kms de Brands Hatch que atraiu as principais equipes do mundial de marcas.
Para prova em Monza, Manfredini se colocava como franco favorito e já tinha o melhor tempo nos treinos, mas segundo as testemunhas, no final do treino a Ferrari pega fogo e Manfredini se demora a perceber e parar o carro. O incêndio, que fora causado por vazamento do fluído de freios, traz danos irremediáveis ao chassis 1032.

Essa prova seria vencida pela Porsche 910 de Noris (pseudônimo de Giacomo Moioli), conhecido especialista em subidas de montanha que teve como principais adversários os protótipos Abarth 2.000 de Carlo Benelli e Antonio Zadra, sendo que a maior parte do campo de concorrentes eram carros de turismo e gran turismo principalmente Alfas GTA e Porsches 911.
A 512 chassis 1032 volta à fábrica salvando-se alguns componentes mecânicos. Parece incontroverso que mais tarde partes remanescentes do chassis 1.032 foram usadas por Manfredini para montar o chassis 1050 que em 1971 iria aparecer em provas do mundial de marcas em Monza, Spa-Francorchamps e Le Mans com a dupla Manfredini / Gagliardi, inscritos sob a bandeira da Scuderia Filipinetti
NOSSO CARRO
Ai vem um novo chassis, o 1022.
Agora começa a verdadeira história da “Ferrari de Moretti”. O carro das Mil Milhas e da Copa Brasil em Interlagos.
Não há dúvida sobre esse carro que é o que veio ao Brasil, mas sua origem é um pouco obscura como vamos ver a seguir.
Em outras palavras, todos parecem certos que esse chassis é o 1022, mas sua origem parece incerta.
UMA VERSÃO
Chassis usado ou chassis novo? Uma primeira versão diz que o chassis 1.022 era um carro original da Scuderia Ferrari que iniciou sua vida competindo nas 24 hs de Daytona com a dupla Vaccarella/Giunti com o nº 26, e que terminou se acidentando por causa de quebra na suspensão na prova.
Segundo essa versão o chassis 1022, sempre na Scuderia Ferrari, foi reparado e encaminhado para a sessão de testes em Le Mans em abril de 1970 usando uma cauda longa, e pilotada por Jacky Ickx ficou com o 2º tempo na classificação geral dos testes.
Então esse carro seria por assim dizer o carro “líder” da Ferrari, pilotado por seu principal piloto de F-1 nos testes com carroceria de cauda longa que era especialmente preparada para a longa reta de Le Mans.
O que abona essa versão de que o 1022 era um carro usado, é o fato que a Scuderia era conhecida por vender seus próprios carros, até muitas vezes vender carros já usados por ela como novos. Outro fato que abona essa versão é que o carro foi entregue em Monza para Moretti e Manfredini competirem nos 1.000Kms de Monza apenas dois fins de semana depois, significando que estava pronto em condições operacionais (levando a crer que fosse realmente um carro existente e usado).
Por fim alguns detalham até que o motor tinha sido forçado em Le Mans e explodiu após os treinos oficiais em Monza onde a Ferrari providenciou um novo para corrida. Como detalhe adicional esses relatos dão conta que o carro ainda estava em Monza com as relações de marcha mais longas usadas para Le Mans.
O que desabona essa versão e eventualmente leva a crer que o 1.022 era um chassis novo é o fato de um piloto da Scuderia Ferrari, Arturo Merzario, ter sido visto em Monza fazendo acertos nesse carro, sendo certo que ele lá estava com a tarefa principal de pilotar um 512 S “oficial” com Chris Amon
Que os comissários de Monza tivessem feito vistas grossas ao carro com Merzario ou que este tenha sido inscrito por duas equipes (Scuderia Ferrari e Picchio Rosso) não surpreende.
Mas o fato do 1.022 ter dado umas voltas com um piloto de fábrica, parece ser (e era tradicionalmente) procedimento de “entrega” de um carro novo.
Manfredini e Moretti já conheciam a 512, então Merzario fora só fazer uma checagem.
O tempo de largada do carro também parece desmentir a versão de que Merzario teria “classificado” o carro.
O 1.022 da Picchio Rosso largou com o 15º tempo. Tempo compatível com as habilidades de Moretti e Manfredini, sempre levando em conta que Monza não era um circuito muito técnico na época (um circuito de “pé na-tábua”, em outras palavras)
OUTRA VERSÃO
Para desmentir a versão de que o chassis 1.022 era um carro usado, outra versão diz que o carro que competiu em Daytona com o nº 26 na verdade era o chassis 1028 e que após o acidente em Daytona seria reconstruído pela Ferrari e passado para Luigi Chinetti (NART)

STEVE MCQUEEN e “As 24 horas de Le Mans”
Supondo-se que o carro fosse o 1028, sua história também tem duas rotas:
- O carro foi diretamente para o NART (North American Racing Team) de Luigi Chinetti com o destino que veremos a seguir OU;
- Antes de ir para os EUA, mas já sob tutela de Chinetti, o chassis 1028 foi cedido para participar das filmagens de “Le Mans” (título no Brasil: ”As 24 horas de Le Mans”) de Steve Mcqueen,
Essa carreira cinematográfica intermediaria do 1.028 não parece fazer sentido:
É sabido que nas filmagens a Ferrari não cedeu nenhum carro da Scuderia. A versão corrente é que o Comendador Ferrari teria se recusado a ceder carros para um filme onde ao final a Ferrari é derrotada pela Porsche.
Os historiadores do filme dão como certo o emprego de quatro Ferraris que teriam sido cedidos pela Scuderia Fillipinetti (dois), Ecurie Francorchamps (um) e NART – North American Racing Team (um). Esses carros já tinham acabado de correr na Le Mans “verdadeira” configurados em versão de cauda longa e para o filme teriam sido simplesmente “decorados” nos detalhes dos carros da Scuderia para efeitos das filmagens. Fotos de época mostram o ator com os quatros carros assim configurados.

Assim, mais provavelmente o carro do NART que participou da filmagem seria um chassis habitual do NART (o chassis 1014 usado em Le Mans por Posey/Bucknun já em configuração cauda longa)
Foto: No filme “Le Mans” o par romântico de Mcqueen foi uma encantadora Elga Andersen
Então, se descartada a participação no filme, temos que o carro que apareceu com Scuderia em Daytona chassis 1028 (e não o 1022), originalmente um coupé com nariz fino e cobertura de capô branco, após seu acidente em Daytona 1970, teria sido restaurado na configuração 512 S spider (nariz um pouco mais robusto e capô traseiro curto mas modificado para a versão final do 512 S cauda curta) indo diretamente para as mãos de Chinetti (sem passar pelo “set de filmagens”) que o revenderia a David Weir, que o pilotaria em Sebring em 1971 (Weir/Parsons).
Coincidência ou não, tanto em Daytona 70 como em Sebring 71 o carro tem atribuído o mesmo número de corrida, 26. Mais tarde depois seria reconfigurado na versão 512 M para Le Mans 1971 (Weir/Craft). As fotos de época atestam essas configurações
Se o chassis de Daytona era o 1.028 (e não o 1.022) e se o 1.028 foi para o NART de Luigi Chinetti (passando ou não pelo filme), resta indagar qual foi o carro usado pela Scuderia nos treinos de Le Mans?
Nessa outra versão, o carro que foi para os testes em Le Mans em abril de 1970 com uma carroceria de “cauda longa” teria sido o chassis 1044 (e não o 1022 nem o 1028).
O 1.044 seria então um chassis novo cuja primeira aparição teria sido com a Scuderia Ferrari no treino de Le Mans com uma cauda longa experimental. Depois o carro, sempre pela Scuderia Ferrari iria aparecer nos 1.000Kms de Spa-Francorchamps com um cauda curta e voltando a aparecer em Le Mans como carro da Scuderia com a cauda longa. Esse chassis 1044 seguiria depois carreira na equipe de Herbert Muller reconfigurado na versão 512 M
ENTÃO…….
Então para uns o chassis 1022 era um chassis “ex –scuderia Ferrari” e para outros um chassis completamente novo
Independente do nascimento, parece certo que o chassis 1022 é a “Ferrari de Moretti” e também parece certo que o 1022 viajava e cruzava fronteiras com os papéis do “defunto” chassis 1032.
Mas era hora de pensar mais alto. Os 1.000 Kms de Monza de aproximavam e a Ferrari queria “força total” da escuderia e equipes particulares para a prova “em casa” em
1.000 Kms de Monza 25/4/1970
Pilotos: Moretti/Manfredini número do carro na prova: 5
Moretti e Manfredini já estavam de “carro novo”, apenas duas semanas depois do incêndio que destruiu o chassis 1032.
Dizem alguns que a Ferrari mandou o então jovem talento Arturo Merzario, para juntar forças com Moretti e Manfredini na Scuderia Picchio Rosso e classificar o Ferrari e ajudá-los a fazer boa figura na prova.
A possível presença de Merzario pode confirmar a tese de se tratar de um chassis completamente novo. A Ferrari teria emprestado um piloto da Scuderia para fazer os acertos iniciais do carro (um “shakedown”) já nos treinos no circuito de Monza.
Porém parece que, pelos tempos obtidos, Merzario não “classificou” o carro nas tomadas de tempo oficiais, como dizem algumas versões.
Como já dissemos, o resultado do treino pode não ter sido brilhante (15º no grid com o tempo de 1’29”08.). Digamos que era um resultado compatível com um 512 “particular” que estaria razoável para Moretti e Manfredini que estavam logo atrás de uma Ferrari de outra equipe privada (Fillipinetti) em 14º com 1’28”61.
Para dar uma idéia do “gabarito” de Merzario basta dizer que ela estava inscrito em um 512 S “oficial” da Scuderia Ferrari em dupla com Chris Amon, com o qual ficaram em segundo lugar no grid com o tempo de 1’25”78.
A versão que diz que o 1022 era o carro de Daytona e do teste em Le Mans afirma que o motor que fora muito forçado no teste em Le Mans estourou no final do treino, mas a Ferrari providenciou logo outro para a corrida. Essa versão diz ainda que o carro em Monza estava com as relações de marchas “longas” de Le Mans e que isso obviamente teria prejudicado o desempenho também
Dificil, porém, imaginar que sendo um carro novo ou usado a Ferrari já não soubesse exatamente as relações de marcha apropriadas para Monza. Por ser uma prova muito importante para a Ferrari e “em casa” seria razoável que ela tivesse empenhada em mandar também os carros das equipes particulares bem preparados (ou pelo menos com as relações de câmbio corretas).
O certo é que após muitos problemas Moretti e Manfredini terminam em 9º na geral e 6º na categoria e a Ferrari também perde a prova para os 917 depois de uma série de quebras e “trapalhadas” nos boxes com os 512 da “Scuderia”.

VIAJANDO PELO MUNDO
O que vem a seguir é uma incrível história de como uma minúscula equipe com poucos meios vai cruzar o mundo fazendo as provas mais inusitadas com seu magnífico Ferrari
Gran Premio Trofeo de Primavera – Jarama 3/5/1970
Piloto: Manfredini número do carro na prova: 72
Apenas uma semana depois, em 3/5/70, a pequena equipe foi para a Espanha para o “Gran Premio Trofeo de Primavera” no circuito de Jarama. O programa previa uma série de provas inclusive para carros de turismo, a prova principal porem seria a prova para carros esporte que envolvia carros do Grupo 6 (protótipos até 3 litros), Grupo 5 (esporte até 5 litros) e Grupo 4 (gran turismo e turismo “modificados”).
O Campeonato espanhol assistia a rivalidade da Escuderia Nacional versus a Escuderia Montjuic, ambas com seus Porsches 908/2.
As duas equipes espanholas estavam prontas para dar voos mais altos e se apresentar nos eventos internacionais em 1970.
Com essa finalidade a Escuderia Montjuic tratou de comprar um Ferrari 512 S e a Escuderia Nacional em revide adquiriu seu Porsche 917.
A Escuderia Nacional recebeu seu 917 em fevereiro e tentou uma inscrição em Le Mans que foi recusada, fazendo com que seu 917 fosse usado prioritariamente no campeonato nacional espanhol fazendo sua única aparição internacional nos 1.000kms de Buenos Aires de 1971 conforme comentaremos mais adiante.
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Já a Escuderia Montjuic, talvez devido à influência da Ferrari, teve aceita sua inscrição em Le Mans e recebeu sua 512S “novinha em folha” que chegou no caminhão da fábrica para os testes em Le Mans em abril de 1970, causando sensação em sua pintura amarela com faixas verdes
No “Trofeo de Primavera”, a Escuderia Nacional se apresentou com seu Porsche 917 para Alex Soler-Roig, mas a Escuderia Montjuic poupou seu Ferrari 512 uma vez que estava preparando o carro para Le Mans. A maior parte da oposição ao 917 da Montjuic e ao 512S da Picchio Rosso viria dos Porsches 908/2 da própria Escuderia Nacional (Príncipe Jorge Bragation da família real da Georgia)) e da Escuderia Montjuic (um carro para José Juncadella e outro para Juan Fernandez) e do Porsche 908/2 de Juan Kuntz.
Manfredini, designado para fazer a prova em Jarama, ficou com o quarto tempo do grid, atrás de Alex Soler Roig na pole position com seu 917 e de dois Porsches 908/2 dos “habituées” locais Príncipe Jorge Bragation e Juan Fernandez.
Mas Manfredini abandonou a prova e, como era de se esperar, a vitória foi para Soler Roig (Porsche 917) com Bragation (Porsche 908/2) em segundo.

AVENTURA ITALIANA
À falta de eventos em pista, a equipe Picchio Rosso -de forma mais inusitada ainda- parte para uma série de competições em subidas de montanha.
Certo é que – até aquele tempo – o Campeonato Europeu de Subida de Montanha era muito prestigiado e objeto de uma feroz competição entre como Porsche, Ferrari, Alfa Romeo, Abarth, sem contar a presença constante de monopostos de F-2 ou F-3, sempre com pilotos de ótimo nível nas equipes oficiais, fora os pilotos “especialistas” nessa modalidade.
Mas, em sã consciência, a Ferrari 512 S era completamente inadequada para uma subida de montanha um percursos curtos, estreitos e sinuosos.
Mesmo nos circuitos sinuosos do Mundial como Nurburgring e Targa Florio a Porsche evitou competir com os 917, apresentando os 908/3, ou seja, um chassis oriundo dos porsches “bergsiper” contruidos para subidas de montanha. Um único 917 foi para uma prova em traçado sinuoso, a Targa Florio em 1970 só para efeito de teste. E não competiu.
A Ferrari, por falta de um protótipo menor em 1970 ainda mandou um 512 S para a Targa de 1970 para não faltar ao evento e desapontar os “tifosi”. Ainda assim porque podia contar com os serviços do grande Nino Vaccarella para a prova (o talentoso piloto siciliano era o maior especialista da prova). Mas nem isso garantiu o sucesso, mas pelo menos houve um honroso 3º lugar atrás dos Porsches 908/3
Mas o DNA de formação de Moretti como um piloto de subida de montanha falou mais alto
As subidas de montanha contra o cronometro eram extremamente populares na Itália e ainda reminiscentes das provas de estrada entre as quais as famosas Mille Miglia (já extinta na época) e Targa Florio sobrevivente até o início dos anos setenta como prova do Mundial de marcas e ainda o famoso circuito de Mugello que tinha trechos da extinta Mille Miglia.
No final dos anos sessenta as subidas de montanha cronometradas (a “corsa in salita” ou “cronoscalata”) eram grandes eventos regionais de um colorido especial e envolviam centenas de participantes. Desde pequenos Fiats 500, Autobianchis, Morris Mini, Fiats Abarth, Fiats Moretti, Fiats Dagrada etc, passando por modelos maiores, sedas de 4 portas (berlinas) Fiat 128, Alfa Romeo Giulia Ti e Ti Super, Lancias, esportivos como Alfas Giulias GT, GTV e GTA, Lancias Zagato, Fulvias, Simca Abarths, Porsches 356 e 911s carros de Grã Turismo como Ferraris, Maseratis e finalmente os candidatos à Vitória “absoluta” que eram geralmente protótipos Alfa Romeo (P33/2), Porsche (906, 907 e 910), Ferrari (Dino), e Abarth 2.000) nas mãos de pilotos especialistas em subidas de montanha e eventualmente, conforme a importância do evento, pilotos e carros de equipes de fábrica dessas marcas. Eventualmente eram convidados monopostos de Fórmula 2, 3 e “Libre” para “apimentar” a disputa com os protótipos de fábrica.
O nível de preparação ia desde os amadores locais que apenas colocavam um número na porta do carro, até caminhões de equipe que desembarcavam protótipos especialmente construídos para esse tipo de prova.
Em 68/69 o Europeu de Montanha atingiu seu auge com Ferrari, Porsche, Alfa Romeo, e Abarth se digladiando, ficando famosos os Porsches “Bergspider” de ases como Rolf Stomellen e Gerd Mitter contra Ferraris Dino e depois o Ferrari 212 E Montagna Sport construídos especialmente para esse tipo de evento.
Saline-Volterra (Coppa Città di Volterra) 17/5 70
Piloto: Moretti número do carro na prova: 392
A Subida de montanha Saline-Volterra (Coppa Città di Volterra) foi idealizada nos anos 50 e teve seu apogeu a partir da metade dos anos 60 (1964-70) sob a organização pelo Automóvel Club de Pisa como prova nacional de certo prestígio (alguns vídeos amadores de época no you tube)

Prova do prestígio é que a Ferrari em 1969 mandou Peter Schetty com o Ferrari 212 E- Montagna Sport (vencedor do campeonato europeu de montanha daquele ano) para participar e vencer, mesmo não sendo uma prova válida para o campeonato europeu
De qualquer modo o 212 era um pequeno protótipo de 2 litros feito para subidas de montanha.
Ninguém levaria um 512 para uma subida de montanha reconhecidamente sinuosa e técnica, mas foi o que Moretti fez na Saline Volterra disputada em 17/5/70.
Moretti com a 512 S com o tempo de 5.05, 8 acaba sendo batido na classificação geral pelo austríaco Johannes Ortner da equipe oficial da Abarth com um protótipo Abarth 2.000cc que fez o tempo de 5’05”4, ou seja, míseros 4 décimos abaixo de Moretti.
Enfim uma típica escolha errada de evento e percurso. Dizem que embora essa subida com percurso total de cerca de 10,4km fosse rápida no estágio inicial era terrivelmente sinuosa na sua fase final e trazia grandes problemas na escolha de uma relação de marchas adequada. O percurso total era de 10,4 Km.
Ortner que já tinha sido o vencedor da Saline-Volterra em 1968, atingiria sua melhor fase em 70/71 sendo campeão europeu de montanha em sua categoria nesses dois anos.
E a Abarth tinha tanto foco nesse tipo de prova que Karl Abarth (Carlo Abarth) chegava a dar a seus pilotos a opção de protótipos de motor traseiro “fuoribordo” ou de motor central conforme a característica do piloto ou da subida para garantir os melhores resultados. A Abarth era um “osso duro” para suas rivais nas subidas de montanha mesmo que elas se chamassem Porsche ou Ferrari.
Se previa que a edição seguinte (1971) a Saline-Volterra pudesse vir a se tornar prova oficial do Campeonato Europeu de subida de montanha, mas a prova acabou não sendo realizada.
Trieste-Opicina 24/5/70
Piloto: Moretti número do carro na prova: 382
No fim de semana seguinte, 24/5/70 outra subida de montanha, a Trieste-Opicina em um percurso de pouco mais de 8 Kms com 250 inscritos, dos quais cerca de 200 largaram.

O percurso era mais rápido e favorável (chamado pela imprensa italiana da época de “Monza das subidas de montanha”) dando chance de Moretti se impor com larga margem 12,9 segundos sobre o protótipo Abarth 2.000 de “Gi-Bi” (Giambattista Guarnieri) e Piero Bottalla também com Abarth 2.000. Essa perigosa prova que avançava em trechos urbanos das duas cidades acabou tendo sua última edição em 1971, sendo que o tempo de Moretti em 1970, 3’12”55, acabou em definitivo como o “record absoluto” da prova.

13 a 14 /6/1970 – 24 horas de Le Mans
Pilotos: Moretti/Manfredini número do carro na prova: 16 (Scuderia Filipinetti)
Chegamos ao lendário Le Mans 1970, com a Porsche visando sua primeira vitória absoluta e a Ferrari fazendo uma “reentrèe” em grande estilo após 5 anos de sua última vitória.
O mundo parou ver o ápice da “Batalha de Titãs”. Steve Mcqueen veio para filmar seu épico filme “Le Mans” e contar a história dessa competição em versão hollywoodiana. Uma multidão de fãs ainda estava entusiasmada pela sensacional edição anterior da prova. A Le Mans de 1969 fora decidida a poucos da chegada com uma monumental disputa do Ford GT 40 da equipe Gulf contra o Porsche 908 LH “oficial” com a vitória do primeiro. Em 1970 os fãs estavam sedentos por mais emoções.
Na principal prova do ano, altamente competitiva, a Porsche e a Ferrari apresentaram alguns carros em versões especiais de “cauda longa” além das normais sendo sete Porsches 917 contra onze Ferraris 512 mais as equipes oficiais de Matra-Simca e Alfa Romeo com seus protótipos 3 litros e quase todos os pilotos regulares de F-1 daquele ano presentes.

Como equipes pequenas e/ou sem tradição na prova não eram facilmente aceitas, “nosso” 512 aparece inscrito pela Scuderia Filipinetti. Mais uma vez alguma influência política da Ferrari deve ter sido usada nesse arranjo. Os dois carros habituais da Filipinetti vão na configuração cauda longa e a 512 da Picchio Rosso na sua carroceria normal de cauda curta, mas com a decoração de faixas e inscrições da Filipinetti.

Moretti e Manfredini largam em 16º lugar com 3’33 logo atrás do Porsche 917 K que seria o futuro vencedor com Atwood /Hermann (15º no grid com 3`32”6) mas bem atrás dos “cauda longa” da Fillipinetti, 8º e 9º no grid

A Le Mans de 70, longe das emoções de 1969, foi uma prova mais típica de endurance, com menos disputas, muita chuva e premiação da regularidade sem grandes duelos.
Moretti e Manfredini mal passam da terceira hora de corrida abandonando por problemas na transmissão, após uma corrida anônima.
Intersérie 200 milhas de Nuremberg – Norisring- 28/6/70
(200 meilen Rennen Von Nurnberg)
Piloto: Moretti número do carro na prova: 6
Duas semanas depois de Le Mans nosso Ferrari já está na Alemanha para as 200 milhas de Nuremberg no curto e rápido circuito de rua conhecido como Norisring para a primeira etapa do campeonato Intersérie para esporte e protótipos Grupos 7 (Can-Am) 6 (protótipos 3 litros) e 5 (Sport até 5 litros).

A Intersérie não só atraiu pilotos europeus com protótipos “Can-Am” (Marchs, Lolas e Mclarens) como muitos Lolas T 70 coupés (Mk III A e MK III B) com motores maiores que os admitidos no mundial de marcas e eventualmente alguns com motores de 7 para 8 litros de deslocamento.

Os “habitueès” do Mundial se faziam presentes, mas só as equipes privadas e uma série de protótipos um pouco mais antigos entre os quais vários Porsches 908, 907, etc.
No circuito curto os tempos de largada são muito próximos e a pole do Lola- Chevrolet T70 MKIII B da equipe VDS com Teddy Pilette (1’17) não reflete bem os favoritos, Porsches 917 K da equipe Gesipa com seu habitual piloto Jurgen Neuhaus e o da equipe AAW com Gis Van Lennep que seriam os vencedores nesta ordem a despeito da presença de Marchs e Mclarens Can- Am.
Quinto no grid com 1`18´10, Moretti termina a primeira bateria em um honesto 3º lugar e abandona a segunda bateria por pneu furado
Intersérie “Hockenheim Sudwestpokal” – Hockenheim 5/7/70
(200 km Rennen Von Hockenheim)
Piloto: Moretti número do carro na prova: 29
Uma semana depois a Picchio Rosso já está pronta para a segunda rodada do campeonato Intersérie no então muito rápido circuito de Hockenheim para a Intersérie “Hockenheim Sudwestpokal” (também referida como 200 Kms de Hockenheim). Dos 22 inscritos se observou a pole do March 707 “Can-Am” de Helmut Kelleners 2`06´20. O segundo no grid foi Jo Bonnier com seu Lola Chevrolet MKIII- B com motor 7 litros 2`07`5 e vários dos bons 917 K de equipes particulares intermeados por protótipos Can-Am.

A vitória foi para um Mclaren-Chevrolet Can-Am com Vic Elford, mas o segundo lugar ficou com o competente Gijs Van Lennep e seu 917 K da equipe AAW que tinha sido 4º no Grid com 2´08´8.
Largando de um distante 11º lugar do grid o único Ferrari presente, a 512 S de Moretti, termina em um anônimo 8º lugar, uma volta atrás do vencedor
San Giustino – Bocca Trabaria 26/7/70
Piloto: Moretti número do carro na prova: ?
Outra subida de montanha com menos tradição foi a San Giustino-Bocca Trabaria. Mas os elementos estavam lá, paisagens lindas, pista estreita, público na beira do asfalto e segurança quase nenhuma. Essa prova teve sua primeira edição em 1969, mas foi imediatamente prestigiada por equipes e pilotos especialistas, além de mais de uma centena de participantes. As inscrições de 1969 e o vídeo disponível dão a entender que Moretti participou da primeira edição inscrito sob seu pseudônimo de “Nomex” com um Porsche 910. Ao subida original tinha cerca de 15 kms reduzida na edição seguinte
Em 1970 Moretti voltaria para ganhar a prova com a 512 S, com méritos, pois essa subida, embora contando com trechos rápidos, tinha passagens muito sinuosas em um percurso de 11,9 Kms. Inevitavelmente a maior oposição devem ter sido os protótipos Abarth 2.000. No ano seguinte, 1971 venceu Arturo Merzario em um Abarth 2.000 e o tempo de 6’26”8. Presumimos da data da prova a partir da data da edição anterior (27/7/69). Infelizmente não conseguimos imagens da prova de 1970.
Fuji International Golden Race -Fuji/Japão 6/9/70
Pilotos: Moretti/Manfredini número do carro na prova: 2
No meio de 1970, utilizada a cada fim de semana, a 512 S de Moretti tinha uma vida mais agitada que muitos carros de passeio e um passaporte cheio de carimbos internacionais.
Sem dúvida o evento mais pitoresco da vida da Ferrari de Moretti é uma inusitada viagem ao Japão. Para as 200 milhas de Fuji (Fuji International Golden Race) em 6/9/70
Em meados dos anos 60 o Japão, com a enorme influência e presença americana do pós guerra, decide construir aos pés do Monte Fuji um circuito oval ao estilo Indianápolis.
Após a construção da primeira curva inclinada, dizem que o orçamento ficou apertado e o resto seguiu um circuito convencional que mesmo assim é dos mais bonitos do mundo inclusive por estar inserido na paisagem aos pés do Monte Fuji.
Esse circuito já tinha recebido uma visita “teste” de Jim Clark como também uma prova de F-Indy em 1966 (vídeos disponíveis no you tube).
Em 1968 Fuji recebe uma etapa da CAN-AM (Canadian American Challenge Cup) o que estimula as provas de protótipos e o envolvimento das fábricas locais.
Nesses anos o Japão tinha na época um campeonato muito competitivo de esporte-protótipos em que os grandes contendores eram as equipes oficiais de Toyota e Nissan. Eram protótipos de grupo 7, ou seja, no regulamento da CAN-AM e do Challenge Intersérie na Europa, sem limitação de cilindrada
Sempre lembrando que no mesmo período a Honda, mais cosmopolita, já estava na F-1
No campeonato local as equipes “de fábrica” eram a Toyota e Nissan eram protótipos abertos claramente inspirados nos Mclaren Can-Am
No final de 1969 a Toyota tinha o Toyota 7 com um V-8 de 5 litros e a Nissan o R382 com um V-12 de 6,2 litros, ambos capazes de cerca de 600hp
As equipes particulares japonesas apareciam com carros competitivos como Lolas T-160 Can-Am, Lolas T 170 MKIII coupes, Porsches 908 e 910, Mclaren Chevrolet –Can-am M6B, etc
Para verem como não era fácil vejam no You Tube um vídeo interessantíssimo a principal prova do campeonato de 1969, o GP do Japão daquele ano (até então disputado na época na categoria esporte-protótipos). O palco é o circuito de Fuji em uma configuração antiga ainda contando com a longa curva em “relevè” como havia em Monza e Montlhery entre outros.
Vão ver o 917 na antiga configuração coupé de 1969 da equipe particular de David Piper largando da segunda fila com Jo Siffert ao volante e tendo trabalho para passar os protótipos japoneses para logo mais ser ferozmente perseguido e desalojado da liderança por eles. No final Siffert e Piper terminam essa prova em 6º lugar, 4 voltas atrás do Nissan vencedor. Não foi um resultado ruim, contando uma penalização dos comissários e também o fato de que os protótipos japoneses eram mais potentes e mais leves que o 917
Voltando à nossa história, então a intrépida italiana dupla se inscreve nas 200 milhas de Fuji que não eram uma prova de gabarito como o GP do Japão.

O glorioso 512 S, no outro lado do mundo, estava decorado com seu nº 2 e adesivos de patrocínio locais, inclusive da fabricante de modelinhos em escala Tamiya.
Lá como aqui a Ferrari em seu vermelho vivo, suas rodas douradas e seu “rugido” peculiar, fascinou a imprensa, público e adversários japoneses.

Presumimos que nossa Ferrari encontrou campo bem mais fraco de concorrentes sem a presença das equipes oficiais da Nissan e Toyota. Assim Moretti e Manfredini vencem colocando duas voltas de vantagem sobre Moto Kitano (Nissan R 380 Mk II) e 6 voltas sobre Hajime Watanabe (Lotus 47) em terceiro lugar
Embora Moto Kitano fosse piloto da equipe oficial da Nissan, nessa prova ele teria corrido com um “antigo” (de dois anos ou mais) Nissan R 380 MK II que já poderia ser um carro de equipe particular. Esse modelo contava com motor central de seis cilindros, 2 litros de 220 HP. Quando novo (1966/67) disputava de forma mais competitiva as provas japonesas rivalizando com os Porsches 906 de equipes particulares japonesas.


Manfredini depois recorda: “Aquela vitória no Japão foi o dia mais feliz de nossas vidas. Todos os jornais japoneses estamparam na primeira página nossa vitória. Nós éramos astros”
Essa vitória viria depois destacada no anuário da Ferrari, como primeira vitória da Ferrari em uma prova internacional no Japão. Moretti recorda, porém, que ao ser recebido, tempos depois, pelo Comendador Ferrari na Itália o mesmo não deu muita importância à vitória preferindo perguntar sobre aspectos turísticos e sobre as gueixas japonesas……
DOVE CORRIAMO DOMENICA?
(onde tem corrida domingo?)
500kms de Imola 13/9/70
Pilotos: Moretti/Manfredini número do carro na prova: 5
No fim de semana seguinte a dupla já estava de volta à casa para os 500kms de Imola, prova fora do campeonato mundial, mas bastante prestigiada com os Porsches da equipe Gulf, a Scuderia Ferrari e Autodelta (Alfa Romeo) presentes, além das tradicionais equipes com 512 e 917 “particulares”. A Picchio Rosso com Moretti e Manfredini fica em um discreto 6º lugar, 7 voltas atrás do 917 da Gulf , vencedor com Brian Redman, um Alfa T33/3 oficial com Galli/De Adamich e três Porsches 908/2 (Ahrens/Marko e Larousse/Lins da Martini, mais o 908/2 de Lauda/Kotulinsky).
Mesmo assim nosso carro é o primeiro dos Ferraris, o que não é de se desprezar no autódromo chamado “Dino Ferrari”

Coppa del Chianti 20/9/70
Piloto: Manfredini número do carro na prova: 484
Outra participação tipicamente errada foi a Coppa del Chianti (hoje Coppa del Chianti Classico), um percurso de apenas, 8,2 km em que a Ferrari desta vez conduzida por Manfredini fica em um modesto 3º lugar atrás de dois especialistas na modalidade com protótipos menos potentes e muito mais ágeis

Franco Pilone (da equipe oficial da Abarth) com protótipo Abarth 2.000 (2 litros) vence com o tempo de 4`00”5, seguido de Edoardo Lualdi Gabardi (outro famoso habitueè das subidas de montanha) com o mesmo Abarth 2.000 e o tempo de 4’02”7 deixando Manfredini em um distante terceiro com a 512 S e o tempo de 4’15”9 .

Intersérie-Hockenheim 300 Meilen- Hockenheim 11/10/70
(300 Meilen Rennen von Hockenheim)
Piloto: Manfredini número do carro na prova: 67
Depois de um intervalo relativamente longo para a “agenda semanal” de corridas, vamos encontrar nossa Ferrari no “Hockenheim 300 Meilen” prova de 300 milhas válida para o campeonato Intersérie ou “Challenge Intersérie”, apelidada a “Can-Am européia”.
Depois que os 917 e 512 sairam da regulamentação da FIA em 1971 muitos deles seguiram carreira na Intersérie. Mas como o regulamento desta não fazia grandes exigências, muitos carros foram transformados em spiders com carrocerias “minimalistas”. Em 1970, como tinham a chance tanto de participar da Intersérie como do Mundial da FIA, a maior parte dos 917s e 512s usavam ainda suas carrocerias “normais”

No Hockenheim antigo, com traçado muito rápido, Manfredini, designado para a prova, larga em sétimo. Com tempo aproximado de 2´09, face a uma pole de 2`03, 6 de Helmut Kelleners com March 707 Can Am e tempos por volta de 2`04 a 2’06 dos 917 mais rápidos não se poderia esperar muita coisa a não ser muita diversão em guiar um carro muito potente em um circuito muito rápido. Mas com uma corrida longa de 81 voltas, talvez…. Mas Manfredini abandona antes do final.
1.000 Kms de Paris – Linas-Montlhéry -18/10/70
Como de hábito, apenas uma semana depois, já estava prevista a aparição de “nosso” Ferrari nos 1.000 Kms de Paris em Montlhéry, outra prova fora do Campeonato Mundial de Marcas, mas normalmente muito prestigiada, pela tradição do circuito próximo a Paris com sua enorme curva inclinada ainda em uso.
A expectativa da prova era a Matra-Simca na frente de seu público local tentando impor seus protótipos 3 litros V-!2 contra os 917 e 512 de equipes particulares, o que realmente conseguiu com a vitória de Cevert/Brabham.
Nosso 512, inscrito, não compareceu, talvez ainda em reparos após a prova alemã.

UMA FERRARI NO BRASIL
É hora de viajar e cruzar o Atlântico fugindo do inverno europeu e o 512 S parte para sua famosa excursão ao Brasil. Vários protótipos europeus iam buscar torneios no exterior, sendo os mais famosos na temporada na África do Sul e Austrália.
Mas a opção de Moretti e Manfredini foi vir ao Brasil para as “Mil Milhas Brasileiras”.
Talvez o contato de Manfredini que já tinha corrido no Brasil no final dos anos 50?
Ou um convite especial com despesas pagas? Eloy Gogliano, Presidente do Centauro Motor Clube -organizador da prova- buscava presenças internacionais para abrilhantar o evento.
Não conhecemos detalhes, mas o certo é que Moretti e Manfredini vieram como os “astros especialmente convidados”.
Mil Milhas Brasileiras 21-22/11/70
Pilotos: Moretti/Manfredini número do carro na prova: 17
As “Mil Milhas Brasileiras” tiveram sua primeira edição em 1956 e sempre foram uma prova das mais tradicionais e importantes provas brasileiras em um tempo que o Brasil não aparecia habitualmente nos “calendários internacionais”.
Sempre realizadas no autódromo de Interlagos em São Paulo. um magnífico circuito de cerca de 8kms com um anel externo muito rápido que podia ser utilizado individualmente ou ligado a um circuito interno sinuoso extremamente técnico com curvas de alta, média e baixa velocidade, em aclive e declive, parte das quais ainda existe no atual circuito de F-1. Como atração adicional, das tribunas na parte mais alta da pista. o público tinha boa visão de cerca de 80% do circuito.
O autódromo de interlagos foi fechado em 1968 para reformas com o objetivo de poder receber provas internacionais de. de F-Ford, F-3, F-2 até a primeira prova extra- campeonato de F-1 em 1972
O regulamento das Mil Milhas permitia competidores com carros de diferentes características e cilindradas gerando uma incrível mistura desde pequenos carros de turismo até os mais exóticos protótipos, passando pelas “carreteras” um tipo de carro muito comum nas provas sul americanas que normalmente eram chassis de Fords e Chevrolets da década de quarenta com carrocerias completamente depenadas e motores V-8 americanos mais modernos do que a idade do chassis.
Na reabertura, a partir de 1970, o autódromo de Interlagos recebeu temporadas internacionais. nos meses de dezembro e janeiro feitas fora do calendário europeu. Para atrair competidores internacionais, as Mil Milhas de 1970 foram extraordinariamente realizadas no mês de dezembro, embora sua data costumeira fosse o aniversário da Cidade de São Paulo em 25 de janeiro Foi porém mantida a tradicional a largada à meia noite e pelos tempos de volta da época, a previsão era que prova se encerrava cerca de treze horas depois ou seja, perto da uma da tarde do dia seguinte.
Uma nova geração de pilotos brasileiros começava a se destacar no cenário internacional como Emerson Fittipaldi, seu irmão Wilson Fittipaldi Jr., José Carlos Pace, Luiz Pereira Bueno, etc o que possibilitava a torcida ver a atuação de seus ídolos locais contra os pilotos estrangeiros nessas provas e torneios atraindo ainda mais o interesse.
Nesse contexto se promove a primeira edição das “Mil Milhas Brasileiras” no autódromo de Interlagos reformado.

Para a edição de 1970, tida e havida como uma das mais espetaculares da história, foram convidados concorrentes internacionais no qual se destacava a presença da Ferrari 512 S de Moretti e Manfredini anunciado pela imprensa brasileira como “um dos carros de corrida mais rápidos do mundo”, uma inscrição oficial da Autodelta, com um protótipo Alfa Romeo P33/2 para Facetti/ Alberti, um protótipo Fiat-Abarth 2.000- com Passoto/ Cabella e pilotos locais com bons protótipos estrangeiros como o Lola T-70 Chevrolet MkIII A de Casari/Balder, o Porsche 910 de Olivetti/Moraes.
Protótipos nacionais com mecânicas nacionais e estrangeiras como o Casari A1-Ford, o famoso Protótipo Bino-Corcel da equipe BINO, o Fúria Alfa-Romeo, o protótipo Snob`s Corvair e outros bons carros de turismo e GT nacionais e estrangeiros entre os quais se destacavam os bem provados Alfa Romeos GTA e GTAm, BMW 2.002 ti e Pumas VW e vários protótipos nacionais em um total de 73 inscritos com 50 admitidos à largada.
A imprensa conhecendo bem a longa prova não colocou os protótipos estrangeiros como favoritos prevendo a possibilidade de quebras e a “falta de peças”, embora tivesse dado amplo destaque à presença do Ferrari
“Nosso” Ferrari não chegou a tempo de participar dos treinos oficiais mas, por deferência da organização, foram convidados para largar na pole-position (sem tempo) ladeado pelo Lola Chevrolet MKIII-A de Norman Casari, (Casari/Balder) com tempo de 3’08”4 seguido do Alfa P33 de Facetti/Alberti com 3’15”3, o protótipo Bino- Corcel 1.4 de Luis Pereira Bueno e Lian Duarte com 3’20, o Porsche 910 de Olivetti/Moraes com 3’20”2, o Protótipo Fúria FNM de Jayme Silva/Ugo Galina com 3’22, e a Alfa GTAm de Abílio e Alcides Diniz com 3’22, a Alfa GTA de Piero Gancia e Tite Catapani com 3´28, a GTA de Emílio Zambello e Marivaldo Fernandes com 3’28’1, o Puma VW 1.9 de Paulo Gomes/Sergio Lousada com 3´28”3, o Casari Ford A-1 de Bob Sharp e Milton Amaral com 3’30”8, a Alfa GTA de Leonardo Campana e Ubaldo Lolli com 3’31”2, e o Abarth 2.000 de Pasello/Cabella com 3’32”3 que formavam o grupo dos favoritos à vitória.
A Ferrari, também por deferência da organização, fez um pequeno treino extra-oficial de reconhecimento no mesmo dia que chegou a São Paulo.


Embora algumas versões digam que a Ferrari liderou desde logo de maneira continua, os relatos das revistas da época esclarecem que não foi bem assim.
À noite com chuva, a famosa neblina de interlagos e 50 carros concorrentes e praticamente sem conhecer a pista, Moretti sabiamente resolveu ser extremamente prudente e não correr riscos de danificar ou bater sua bela Ferrari.
Os carros foram alinhados em “espinha de peixe” e os co-pilotos atravessavam a pista correndo para retirar um adesivo da lateral do carro liberando a largada do companheiro que aguardava no carro, devidamente instalado e amarrado com seu cinto de segurança.
Moretti embora na pole position, larga por último evitando a confusão da largada estilo “Le Mans”. Alguns atribuem essa largada a um problema elétrico e outros alegam que isso foi feito por prudência mesmo.
Parece claro que a Ferrari sempre se manteve entre os primeiros mas alternando a liderança com diversos carros pilotados mais arrojadamente pelos pilotos locais, que em diferentes testemunhos lembram de ter passado ou andado à frente da Ferrari na chuva e à noite.
Luis Pereira Bueno um profundo conhecedor da pista com seu protótipo Bino Corcel, tido como favorito, foi o primeiro líder da prova livrando boa vantagem nas primeiras 10 voltas, mas começou a enfrentar problemas mecânicos e por volta de 4hs da madrugada abandonou. Na altura da 25ª volta o líder era o Alfa P33 de Facetti / Alberti com o Puma VW de Paulo Gomer/Sergio Lousada em segundo e a Alfa GTA de Piero Gancia em terceiro.
A Ferrari vinha em quinto, mas segundo a reportagem, “perdia muito terreno durante a madrugada porque seus pilotos não conheciam bem o circuito, freavam em locais desnecessários e tinham problemas com o limpador de parabrisas”. Na 65ª volta Alcides Diniz tomou a ponta com a Alfa GTAm, deixando a Alfa GTA de Emílio Zambello em segundo lugar. Mas quando o dia começou a clarear a Ferrari começou a descontar o terreno instalando-se confortavelmente na liderança e abrindo vantagem a cada volta.
Ou seja, Moretti e Manfredini aproveitando a enorme diferença de desempenho da Ferrari a guiaram cuidadosamente sem perder contato com os líderes, mas não necessariamente liderando e esperaram a chuva dar tréguas e os primeiros raios de luz da madrugada para então tomar a liderança em definitivo e abrir vantagem continuamente até que na altura da volta 148 das 201 previstas o Ferrari para por falha no sistema de injeção de combustível ficando mais de 1h nos boxes e abandonando qualquer esperança de colocação.
A revista Placar, uma respeitada publicação esportiva da época assim reproduziu as palavras de Moretti e Manfredini: “Nós tínhamos certeza de que poderíamos vencer. Desde o começo estávamos apenas esperando o amanhecer para secar a pista e tomarmos a dianteira. Até aí tivemos sorte. Depois começou o azar.”
Por deferência ao público, Moretti ao invés de abandonar em definitivo, volta à prova e pouco antes do final, na 195ª volta, bate o recorde da pista com 2’58”5
A prova termina com a vitória do Alfa GTAM dos irmãos Diniz (Alcides e Abílio) que pilotando mais agressivamente no início e sem problemas mecânicos no decorrer da prova deixaram o Porsche 910 de Olivetti/Morais em segundo e Alfa Romeo P33/2 de Facetti/Alberti em terceiro. Na sequência ficaram a Alfa GTA de Catapani/Gancia em quarto lugar, o Fúria FNM/Alfa Romeo em quinto, o Puma VW de Gomes/Louzada em sexto e a Alfa GTA de Graziela Fernandes e Carlos Sgarbi em sétimo lugar.
Emerson Fittipaldi então já piloto da equipe Lotus na F-1 e recente vencedor do GP dos EUA, estava assistindo a prova e ao ver o tempo da Ferrari de 2’58”5 comentou aos jornalistas com muita propriedade: “Esses italianos poderiam virar em 2’35 ou 2’40. Se andasse com minha Lotus F-1 em Interlagos eu poderia virar apenas 5 ou 6 segundos melhor que esse tempo”.
Isso mostra que Emerson sabia que a 512 era capaz de igualar o tempo de um F-1 em um circuito rápido e ficar a poucos segundo em um circuito mais técnico como Interlagos. Emerson também percebeu que Moretti / Manfredini ficaram muito longe do potencial de tempo do carro, o que foi muito importante para avaliar suas chances na Copa Brasil na qual seria competidor dos italianos.
(Para mais informações sobre a prova, leia-se a respeito nosso artigo “Mil Milhas Brasileiras 1970 – quando o passado encontrou o futuro” no site do Alfa Romeo Clube do Brasil)
COPA BRASIL – 6, 13 e 20/12 (etapa realizada em 22/12) e 27/12/70
Piloto: Moretti número do carro na prova: 17
A Copa Brasil, evento seguinte da 512 S, seria uma sequência de quatro provas em Interlagos destinada a atrair um grupo mais seleto de pilotos e carros europeus, de preferencia participantes do mundial. Mas sua tabela concorria com outros eventos sendo que muitos carros e equipes do mundial foram disputar as 9 hs de Kyalami na África do Sul no começo de novembro e preferiram voltar à Europa para se preparar para a abertura do mundial em Buenos Aires no início de janeiro de 1971. Outros pilotos tinham compromissos com temporadas na Austrália e Nova Zelândia. Isso reduziu o campo de concorrentes para a “Temporada Brasileira”.
Sempre é bom lembrar que a viagem a continentes do hemisfério sul era vista pelos fabricantes e equipes europeias como uma boa chance de venda de seus carros, tanto modelos novos, mas principalmente aqueles já com uma, duas ou mais temporadas de uso que já eram menos competitivos nas provas do hemisfério norte.
A Lola Cars vislumbrou a possibilidade e mandou um Lola T -210 novo A Lola fabricava carros para várias categorias e nos protótipos de baixa cilindra desenvolveu um modelo especialmente ágil para combater os protótipos Chevron e Abarth na Europa. Dizem que um acordo entre o titular da Lola, Eric Broadley e seu ex-piloto de F.5.000 e representante no Brasil Antonio Carlos Avallone, permitiu a vinda de uma T-210 nova (chassis SL 210-15) com motor Ford Cosworth 4 cils1.8 (1.790cc mais exatamente) e cerca de 235/240 HP desde que fosse conduzida pela estrela ascendente da F-1 Emerson Fittipaldi e mais uma T-70 MKIII B com motor Chevrolet V-8 de cerca de 430 hp já vendida para Avallone, mas que seria conduzida por Wilson Fittipaldi Jr já conhecido na Inglaterra por sua boa atuação na F-3 européia e, assim como Emerson, um profundo conhecedor de Interlagos e grande “ídolo” da torcida brasileira.

Essa Lola Chevrolet T-70 MKIII- B é reconhecidamente o último chassis (SL-153) a ser produzido do “coupé” T-70. Terminado em dezembro de 1969 ele teve uma curta carreira em provas da Intersérie em 1970 nas mãos de Terry Crocker e foi despachado para o Brasil para Antonio Carlos Avallone. Após a estreia no Brasil com Wilsinho, a T-70 se tornaria o carro habitual do próprio Antonio Carlos Avallone nas temporadas seguintes nas cores equipe Avallone-Valvoline.
Já a T-210 seria vendida logo após a Copa Brasil ao piloto brasileiro José Renato (“Tite”) Catapani que a utilizaria com sucesso nas temporadas seguintes tanto nas cores da equipe Bino/Motorádio como posteriormente nas cores da equipe Hollywood.
Outros carros seriam vendidos conforme vamos relatar a seguir e vários pilotos teriam manifestado interesse.
Patrocínios pontuais para que os irmãos Fittipaldi participassem com os Lolas logo surgiram Varig (linhas aéreas), Bardahl (lubrificantes) Banco do Comercio e Industria de SP, depois denominado “Comind” (instituição financeira), Varga (Freios).
A Copa Brasil estava prevista em 4 etapas, 6/12/70, 13/12, 20/12 (realizada em 22/12) e 27/12/70 sempre em 21 voltas pelo circuito completo de Interlagos
Assim, “nossa Ferrari” poderia voltar à sua rotina de “correr todo o fim de semana”.
ROBERTO CARLOS A 300 KMs POR HORA
Para os curiosos, cenas reais da Copa Brasil foram inseridas no filme “Roberto Carlos a 300Km por hora”, mostrando a fascinação da juventude brasileira com as corridas de automóveis dentro do contexto da época.
Foto: Concessionária Chrysler Ibirapuera Veículos – São Paulo SP/1971. O Filme do famoso cantor foi realizado após a Copa Brasil, mas incorporou imagens reais da Copa Brasil misturadas com imagens rodadas especialmente para o filme, permanecendo como um dos raros registros cinematográficos do evento. O carro Avallone Chrysler A11 (que não participou da Copa Brasil verdadeira) era baseado em um chassis Lola Can-Am (T-160/T 163) e no filme ainda tinha a carroceria em configuração original (com acabamento nas rodas traseiras como exigiam as carrocerias do regulamento Can-Am). Roberto ao volante aparece com seu parceiro musical e cinematográfico Erasmo Carlos.
Além da Ferrari de Moretti e das Lolas dos irmãos Fittipaldi, os principais concorrentes para a prova seriam os convidados espanhóis, o Príncipe Jorge Bragation com seu Porsche 908/2 (3 litros 350 hp) com seu colega de equipe Alex Soler Roig com um Porsche 907 (que deveria estar com o tradicional 6 cils de 2,2 litros e 260 a 270 hp) e ainda da península ibérica o português Ernesto Neves com um Lotus 47 ou “Lotus Europa” (1,6 litros-173 hp).
Bragation, nascido em Roma, mas com nacionalidade espanhola, era o aspirante ao trono da Geórgia, país anexado à Russia imperial e depois separado já como república da antiga União Soviética. Mais tarde Bragation foi reconhecido como o chefe da casa imperial e faleceria na capital Tblissi em 2.008.
A presença mais curiosa e quase inexplicável foi o deslocamento do distante Japão da equipe Nissan com um GT Z432R para ser pilotado por Haruito Yanagida e Massami Kuwashima, o último com uma carreira internacional mais expressiva pela frente. A Nissan participava do campeonato japonês com protótipos de alta cilindrada com base no regulamento Can-Am, mas curiosamente, ao invés de trazer um protótipo mais competitivo, trouxeram um coupé “gran turismo” preparado para corrida (motor 2 Litros, 230 hp para um carro com cerca de 890 Kg) e participaram de apenas duas etapas (um piloto em cada etapa)….. Propaganda antecipada? ….bem, só décadas mais tarde é que a Nissan viria a se instalar no Brasil…….
Alguns pilotos brasileiros com protótipos europeus não conseguiram participar de todas as provas como Antonio da Matta com Alfa P-33/2 e Luis Carlos Moraes com o Porsche 910 que só participaram da primeira etapa e Norman Casari (Lola-Chevrolet T-70 MK III A) que só participou da última etapa.
Dos protótipos nacionais destaque para o Fúria de Jayme Silva, o Snob’s Corvair de Eduardo Celidônio, o MC – Porsche de Raul Natividade que revezou com Elvio Divani, o AC Porsche de Anísio Campos, o Amato-Ford de Salvatore Amato mais vários Pumas VW bem preparados com Luiz Felipe da Gama Cruz, Sergio Louzada, José Pedro Chateaubriand, Olavo Pires e Aldo Pugliesi que também participaram (mas nem todos estiveram em todas as etapas)
Da Argentina vieram Jorge Del Rio e Jorge Ternengo se revezaram nas etapas com um protótipo Avante-Tornado (motor Torino de 6 cilindros e cerca de 320/340 hp).
Completando a lista a famosa “Carretera Chevrolet-Corvette” de Camilo Christófaro.
Outra curiosidade da Copa Brasil é que um contingente de bons protótipos nacionais ou estrangeiros simplesmente não participou. Também não participaram os carros de turismo mais fortes competindo no Brasil (as Alfas GTA e GTAM “oficiais” da equipe Jolly-Gancia, BMWs 2.002 Ti, etc). A única Alfa GTA presente foi a 1.600 de Graziela Fernandes
Alguns por falta de tempo para adequada preparação após as Mil milhas Brasileiras e outros por acharem que não teriam qualquer chance contra os protótipos estrangeiros em provas curtas.
Assim o grid da Copa Brasil foi inusitadamente preenchido com um contingente de pilotos locais e seus carros de turismo inclusive sedans VW em diferentes cilindradas e níveis de preparação com pilotos como Silvio Montenegro (com o 4 portas “zé do caixão”), Ricardo Di Loreto, Jean Samuel com seus sedãs (Fuscas), Carlos Sgarbi com seu Chevrolet Opala 3.800, etc
Várias inscrições “prévias” não se confirmaram como Oswaldo Barros (FNM 2.150), Expedito Marazzi (protótipo Marazzi) e Cleide Vieira (sedã VW 1.600), Alfredo Santilli (Carretera Chevrolet Corvette), Freddy O`Hara com Lorena GT, Salvador Cianciaruso (Maserati) etc.
QUEM VENCERÁ A COPA BRASIL?
O jornal “Folha de São Paulo” na data da primeira corrida publicou um grande reportagem intitulada pela indagação “Quem vencerá a Copa Brasil de Automobilismo?”.
Fizeram um prognóstico dos resultados a partir de entrevistas com os próprios pilotos
Descreve a reportagem: …Gianpiero considerava-se o favorito, justificando que poderia tirar grande vantagem sobre os demais, principalmente nas retas. Dizia que Emerson é um bom piloto, mas que seu carro é inferior à Ferrari que tem o recorde da pista…”
“O Porsche 908 do príncipe Jorge Bragation era apontado pelo próprio Gianpiero como o maior adversário da Ferrari 512 S. A explicação: é um carro que se adapta perfeitamente ao circuito de Interlagos…”
Também entrevistado, Alex Soler–Roig, apontou o favoritismo do 908 de Bragation com as seguintes palavras “ Quando vi pela primeira vez o circuito de Interlagos, fiquei espantado. Parece que ele foi feito sob medida para o Porsche 908. Particularmente não acredito que a Ferrari consiga sobrepujar esse carro”.
O interessante é que o prognóstico de todos os pilotos acabou sempre indicando o Porsche 908/2 como o grande adversário da Ferrari e que o protótipo alemão era o que mais se adaptava ao circuito brasileiro.
Voltando à Copa Brasil, um banco local da época, o Banco do Comércio e Indústria de SP (depois COMIND) fez vários anúncios conclamando os torcedores a comparecer para torcer por Emerson Fittipaldi.
Mas a Ferrari de Moretti nem aparece para a primeira etapa em 6/12 e logo após sua realização o Jornal “O Globo” divulga em 9/12: “ A maquina apontada como única adversária à altura do Porsche 908 do Prícipe Jorge Bragation teve seu cárter estourado durante as provas de classificação sábado passado, mas depois constatou-se que também houve quebra de uma das bilas, o que inutilizou o motor. Ontem Moretti passou um telegrama para a Itália pedindo confirmação da data de chegada do novo motor que, se vier até quinta feira, poderá ser ajustado e colocado em condições de competir”
Na primeira etapa de 6/12 com a Ferrari ausente, a pole position é do 908/2 de Bragation, com o Lola T-70 de Wilsinho, o 907 de Soler Roig e a Alfa P33/2 de Toninho da Matta.na sequência. Emerson não conseguiu participar do treino oficial e por cortesia da organização largou no meio do grid à frente dos carros de turismo, deferência dada também ao protótipo Avante Tornado de Jorge del Rio. Bragation larga na frente, mas Emerson não demora a alcançar a vice liderança e começa a pressionar. Na quarta volta Emerson ultrapassa Bragation na entrada da Ferradura. Mostrando sua grande forma e rápida adaptação dele ao carro e do carro ao circuito, Emerson começa a abrir vantagem, mas já na quinta volta a Lola apresenta falhas na bomba de gasolina e o brasileiro perde mais de 7 minutos no box. Já sem qualquer chance, Emerson mostra que já pode andar alguns segundos mais rápido (2`54 9/10) baixando o recorde da Ferrari de Moretti nas Mil Milhas alguns dias antes. Seria um bom indicativo para Moretti ver que sua vida não seria nada fácil.

Com a parada de Emerson e com Wilson fora de combate a primeira etapa da Copa Brasil termina com um resultado lógico com Bragation em primeiro no Porsche 908/2, Soler Roig em segundo no Porsche 907 e o brasileiro Antonio (“Toninho”) da Matta (pai do futuro piloto de f-1, Cristiano da Matta) em terceiro com seu Alfa P-33/2. Emerson voltou a tempo de ficar em quarto precedendo outro brasileiro Luis Carlos Moraes no Porsche 910 visto nas Mil Milhas alguns dias antes. Emerson foi a grande atração e o grande animador da prova
A segunda etapa prometia mais emoções, com Emerson na pole e Moretti em segundo, mas a Ferrari quebra um semi-eixo no treino livre de domingo. O episódio foi recordado na revista Auto Esporte de dezembro de 1970: “… O público já estava impaciente aguardando a largada para prova… poucos sabiam que o retardamento era para propiciar a participação da Ferrari 512 S. Esta, no entanto, no domingo cedo, ao dar algumas voltas pela pista, havia quebrado a manga de eixo esquerda, traseira. Iria correr com essa peça soldada? Quando o público a viu descendo a rampa dos boxes, empurrada pelos mecânicos da Jolly, que a estavam assistindo, aplaudiu freneticamente, pensando no duelo sensacional que ela iria proporcionar ao lado das Lolas e da Porsche 908. No entanto, dada a largada, lá ficou ela parada. Foi novamente empurrada pelos mecânicos até a linha de partida e recolhida aos boxes. Para o público mais uma ilusão desfeita. Muitos ficaram até com dó de Moretti , que mais uma vez era perseguido pelo azar. Mas nos bastidores do autódromo comentava-se que a Ferrari alinhou só para “papar” o prêmio de largada de mil dólares. E, para isso, era suficiente que ela cruzasse a linha de largada…” . Veja-se a evidência na foto a seguir.

Nessa segunda etapa Bragation partiu na frente com seu Porsche 908/a mas na altura da Curva do Laranja já tinha sido ultrapassado por Emerson. Wilsinho por sua vez, aproveitando a potência de sua Lola T-70 passa Bragation na reta dos boxes e cola em Emerson no final do retão ainda no início da segunda volta. Na sequência, pressionado por Wilson, Emerson comete um de seus raríssimos erros e atrasa demais a freada da Ferradura quase escapando da pista, do que Wilson logo se aproveita para passá-lo por dentro na Ferradura. Emerson embute na traseira da Lola mais potente de Wilson e ensaia uma ou outra ultrapassagem sem muita agressividade. O público aguarda o “bote” para qualquer momento. Embora tendo se mostrado capaz de andar mais rápido com a Lola menos potente, Emerson não parte para o confronto direto com o irmão e se mantém em segundo e com o passar das voltas alivia um pouco a pressão.
Wilson abre pouco mais de 4 segundos no meio da prova e a diferença só torna a diminuir a quatro voltas do final quando Wilsinho perde tempo para ultrapassar o Avante Tornado na subida do lago e a diferença cai novamente até 1,3 seg na bandeirada Uma vitória em família (tanto dos Fittipaldi como das Lolas) deixando mais distantes Bragation (Porsche 908/2) e Soler Roig (Porsche 907). Na ausência do Porsche 910 de Moraes e do Alfa P-33 de Da Matta, o português Ernesto Neves (Lotus Europa) fica em quinto, precedendo o argentino Jorge Ternengo com o protótipo Avante-Tornado e o brasileiro Jayme Silva (protótipo Fúria). Wilsinho recebe o troféu do Governador de SP Laudo Natel que fora prestigiar a prova

Tinha então ficado claro pelos tempos obtidos até então que a Lola T-210 com Emerson ao volante virava bem mais rápido que o Ferrari nas mãos de Moretti. Na verdade, Moretti ia disputar no máximo o segundo lugar com a T-70 de Wilson Fittipaldi que também podia batê-lo em tempos de treinos por ser um profundo conhecedor da pista.
E foi exatamente isso que aconteceu na terceira etapa.O único fator que poderia criar expectativa sobre Moretti é que largando da primeira fila ao lado das Lolas dos irmãos Fittipaldi, ele se aproveitava da potência da Ferrari e do fato que os trechos rápidos do Interlagos antigo são logo após a largada (reta dos boxes, as antigas e muito rápidas curvas 1 e 2 e o famoso retão de Interlagos), para liderar inicialmente a prova.
Então Moretti tomava a liderança na largada, dando emoção à prova apenas para Emerson e Wilson irem “buscá-lo” em algumas voltas. Bragation e Soler-Roig recém apresentados à pista de Interlagos não eram ameaça e só podiam prevalecer na ausência ou na quebra dos outros (irmãos Fittipaldi e Moretti)
A terceira etapa finalmente vê o confronto de Moretti com as Lolas dos irmãos Fittipaldi. Aproveitando a potência da Ferrari e do fato que os trechos rápidos do Interlagos antigo são logo após a largada (retas dos boxes, as rápidas curvas 1 e 2 e o famoso retão) Moretti efetivamente toma a liderança mas não consegue consolidar a vantagem. Em poucas voltas já se vê ameaçado por Emerson que toma a liderança na sétima volta para não mais perdê-la e no caminho bate novo recorde de 2`53” 373.
É preciso comentar que nessa terceira etapa da Copa Brasil Emerson demorou 7 voltas para passar Moretti. Quem conhece as características de Emerson e as descrições que ele fazia das próprias corridas, sabe que ele era capaz de passar algumas voltas atrás de um carro mais lento apenas para estudar o melhor ponto para passá-lo e fazê-lo exatamente onde o adversário tivesse menor chance de reação.

Wilson Fittipaldi com a Lola T-70 ainda parte para o ataque mas não consegue desalojar Moretti do segundo lugar. Em seguida chegam Bragation e Soler Roig com brasileiro Jayme Silva em sexto no seu Fúria FNM/Alfa Romeo.


Na quarta etapa da Copa Brasil, diante de 30 mil espectadores, Emerson demorou apenas 3 voltas para passar Moretti. Nessa etapa Moretti correu com bandagens protetoras nas mãos que apresentavam bolhas e calos em consequência de violentas cambiadas na Ferrari, o que tornou mais fácil a missão de Emerson
Emerson bateu novamente o recorde de Interlagos em corrida baixando o tempo para 2’53’2 deixando Moretti em segundo e Bragation em terceiro.
Algumas fontes declaram que no treino da última corrida Emerson teria chegado a 2`50´5.
Não é necessário dizer que em sua longa carreira no Brasil com Tite Catapani a Lolinha nunca mais repetiu em Interlagos os tempos conseguidos por Emerson.
Para efeitos de comparação, de como eram bons esses tempos com a “Lolinha”, em janeiro de 1971, foi realizado o torneio de F-3 em que José Carlos Pace ( Lotus F-3) conseguiria 3`01`08. Nessa mesma ocasião – do torneio de F-3- , Emerson fez algumas voltas de exibição com um Lotus 49-C de F-1. Provavelmente um teste para checar as aspirações de Inlerlagos a receber uma prova de F-1. Embora fosse um monoposto mais antigo (usado até meados de 1970 e substituído pelo Lotus 72) sem acerto para Interlagos e sem um motor Cosworth “de ponta”, em poucas voltas Emerson veio a 2`47`8
Na pontuação final do torneio, Emerson é o campeão, Bragation é o vice e Moretti fica em quinto lugar. Haveria ainda uma etapa-extra da Copa-Brasil em Tarumã que Emerson venceria com facilidade (vide foto abaixo)
CONCLUSÕES
A Copa Brasil foi um prelúdio de eventos internacionais que viriam na sequência, mas ficou bem longe de atrair a nata dos competidores de primeiro nível.
Moretti embora derrotado por Emerson, mostrou uma certa evolução. Sua melhor volta nas Mil Milhas foi na casa de 2`58. Portanto, ele já tinha baixado cinco segundos no treino da última etapa da Copa Brasil (na casa de 2`53)
O entusiasmo com a performance de Emerson, fez passar despercebido o fato que na terceira etapa não só Moretti conseguiu segurar o primeiro lugar por um terço da corrida (7 das 21 voltas) como também de forma significativa conseguiu segurar Wilsinho e manter o segundo lugar. A Lola T 70 de Wilsinho e a Ferrari de Moretti tinham aproximadamente o mesmo peso e não eram carros ágeis, embora ambos fossem considerados carros bem equilibrados pelo seu tamanho, segundo testemunho dos pilotos da época. A Ferrari contava com cerca de 100 a 120 HP a mais que a Lola e Moretti dirigiu o suficiente para tirar partido dessa vantagem em potência sem se deixar ultrapassar no miolo do circuito por Wilsinho que era um grande conhecedor de Interlagos.
Emerson estava consciente que a oposição era mais fraca e comentou para o autor em certa ocasião (mais ou menos nestas palavras) “…minha sorte é que Moretti estava naquela Ferrari… se fosse um Mário Andretti ele teria ido embora e nunca mais eu o teria visto….”
A Copa Brasil foi um dos episódios mais brilhantes da carreira de Emerson e à exceção da segunda etapa onde imprensa e público ficaram com a impressão que ele não quis atacar mais incisivamente o irmão na liderança, Emerson mostrou as qualidades do campeão que ele iria se tornar logo mais ao arrebatar o mundial de F-1 em 1972.
Verdade é, porém, que os adversários não eram de grande nível. Quando Emerson foi em seguida participar dos 1.000 KMs de Buenos Aires, após um acidente com a Alfa T33/3 que seria seu carro na prova, ele foi convidado por Soler-Roig a assumir o volante do potente Porsche 917 da Escuderia Nacional. Diante de pilotos e carros de primeiro nível Emerson teve que se conformar em andar atrás de protótipos 3 litros (Matra e Alfa Romeo) e de outros 512 e 917 presentes.
Bragation era um amador “mais aplicado” que Moretti àquela altura. Ele logo trouxe seu Porsche 908/2 para a casa de 2`57 e 2`56 e foi baixando mais seu tempo ao longo das etapas embora reclamando que não tivesse as relações de marcha ideais para interlagos. Acostumado ao campeonato espanhol com muitos circuitos “travados” e de rua, Bragation que já tinha passagem pela F-2, logo mostrou seu estilo agressivo com derrapagens controladas o que fez a imprensa lembrar do grande Bird Clemente. Na segunda etapa, embora derrotado, Bragation mostrou sua categoria. Após ser ultrapassado por Emerson e Wilsinho, na hora em que este último assumiu o comando e Emerson se conformou em seguí-lo, Bragation por muitas voltas os “manteve na alça de mira” a 3 para 4 segundos de distância. Depois preferiu segurar uma tranquila terceira posição e no resto do campeonato tentou manter uma postura conservadora aguardando quebras de Emerson, Wilson e Moretti, o que lhe assegurou um “vice-campeonato” na geral.
Soler Roig, que teria breves passagens pela F-1 e venceria provas locais espanholas em seu 917 e depois se manteria como um bom piloto de campeonato de turismo europeu, foi apenas correto e discreto em suas apresentações. Conforme planejado veio com a intenção de demonstrar e vender seu Porsche 907 o que fez em seguida e o carro seria visto muitas vezes ainda nas provas brasileiras nas mãos de Angi Munhoz.
Bragation também tinha intenções de vender seu 908 mas não o fez. Inspirada na boa apresentação de Bragation a Equipe Z compraria logo a seguir um outro modelo similar e logo dominaria as provas de protótipos brasileiras. Na sequência, esse 908/2 incorporado à equipe Hollywood se tornaria quase imbatível nas mãos do impecável Luiz Pereira Bueno. No final de 1971 com seu 908/2 bem acertado, Luisinho chegaria ao excelente tempo de 2`50`8 em Interlagos. Nas provas do Torneio Sul Americano “SUDAM” para esporte-protótipos, Luizinho mediria forças com o Protótipo Berta de maior cilindrada do lendário piloto argentino Luis di Palma e na vitória ou na derrota para Di Palma os jornalistas argentinos fazendo trocadilho com seu nome (bom é “bueno” em espanhol) para elogiá-lo anunciaram na manchete “Luiz, mas Bueno que Pereira” De qualquer modo Bragation, não se arrependeria de manter o Porsche 908/2 com o qual ainda “daria trabalho” e famosamente venceria em 1971 a principal prova portuguesa, o célebre 18º Circuito de Vila Real



Desconhecemos porque Moretti e Manfredini não teriam aproveitado para fazer os 1.000 kms de Buenos Aires prova do mundial em 10/1/71, mas os registros atestam que nosso 512 volta imediatamente para a Itália para receber a configuração 512 M. Dos participantes da Copa Brasil, nenhum carro foi para os 1.000Kms Buenos Aires e dos pilotos apenas Emerson Fittipaldi pela equipe oficial da Autodelta (Alfa Romeo) e Alex Soler Roig inscrito com seu Porsche 917 da Escuderia Nacional, já citado anteriormente. Como falamos Soler Roig participara da Copa Brasil, mas com um Porsche 907, que não sairia do Brasil, sendo imediatamente vendido ao piloto brasileiro Angi Munhoz. O curioso e que a história de ambos se cruzou nessa prova, pois Emerson se acidentou com o Alfa nos treinos e ficou sem carro para a prova. Soler Roig lhe cedeu então a vaga para pilotar o 917 “espanhol” da Escuderia Nacional ao lado do ídolo local argentino, Carlos Reutemann.
Disque “M” para…. “modificato”
No final de 1970, não desejando investir na construção de novos chassis do 512 além da série original, a Ferrari prepara a versão 512 M. A potência passa de 550 HP para 610/620 HP em regime máximo passando de 8 mil a 9 mil rpm. Mudança nas camisas de cilindros agora em liga leve, na circulação de óleo no motor, na taxa de compressão auxiliam o aumento de potência. Na parte estética, o estepe obrigatório pelo regulamento FIA passa para trás, e em consequência o bico do carro é rebaixado
Teria sido a 512 M um fracasso? Não exatamente. Nascida ainda em 1970, a versão M se mostra muito competitiva. Aparece inicialmente nos 500 Kms de Ímola, (prova descrita acima) em 13/9/70 ainda vestida com a carroceria da série S (a Scuderia Ferrai usou o chassis 1010). Após marcar a “pole position”, Merzario acaba abandonando. Sua primeira aparição nas provas do Mundial de Marcas é nos 1.000kms da Austria (11/10/70) para onde a Scuderia manda um chassis na versão M com a nova carroceria.
Com Ickx e Giunti partindo da segunda posição do grid, a Ferrari toma a ponta e domina a prova com autoridade sobre os Porsches 917.. Ickx se dá ao luxo de bater o tempo dos F-1 na mesma pista. O sucesso só não se consolida por uma banal pane de alternador.
Em seguida, essa primeira versão “512 M” da Scuderia (sempre o chassis 1010) com Ickx/Giunti, arrebata as 9hs de Kyalami, prova extra-campeonato, mas bastante competitiva, batendo os Porsches 917 presentes, entre os quais o 917 K da Martini com Siffert/Ahrens em segundo lugar, uma volta atrás.
Curiosamente esse mesmo chassis (1010) é a única aparição da 512 versão M pela Scuderia em 1971, na primeira etapa do Challenge Intersérie em Imola (2/5/71) onde Merzario vence com autoridade, com um motor especialmente preparado (640/650 hp) marcando a primeira vitória da Scuderia Ferrari no circuito de Ímola então batizado de “Circuito Dino Ferrari”.
Mas, ciente da futura mudança do regulamento para 1972, a Ferrari, com exceção do evento acima, abandona a 512 na temporada de 1971 e se concentra na criação e desenvolvimento da Ferrari 312 PB (PB para protótipo boxer)
Às escuderias privadas restaram duas alternativas: desenvolver o 512 M com seus próprios recursos ou apenas seguir a receita de fábrica cuidando de uma boa preparação de pista.
UMA FERRARI AZUL
Por uma incrível obra do destino, abandonada pela fábrica e com seu desenvolvimento nas mãos de escuderias privadas, talvez a melhor compreensão do potencial da 512 M tenha vindo de um concessionário Ferrari na Philadelphia.
Kirk F. White comprou o spider 512S (chassis 1040) originalmente adquirido por Chris Cord e Steve Earle e usado pela equipe Hollywood Sports Car em algumas provas da CAN-AM em 1970 com Jim Adams ao volante, e o mandou diretamente para ser preparado e operado pela equipe SUNOCO-PENSKE, de Roger Penske. A equipe contava também com seu lendário piloto-engenheiro Mark Donohue e excelentes mecânicos liderados pelo engenheiro Don Cox.
Penske reconstruiu o carro e o colocou na configuração “M”. Os motores foram revistos pelos célebres preparadores californianos da TRACO (Jim Travers e Frank Coon) utilizados pela Penske para qualquer preparação de todo e qualquer tipo de motor seja um V-8 Chevrolet ou um V-12 Ferrari.
O carro era sempre apresentado impecável em sua carroceria azul com os adesivos da Sun Oil Company ou simplesmente “SUNOCO” em amarelo. Já naquela época, a Penske uniformizava os membros da equipe e mecânicos nas mesmas cores.
Em 1971 o 512 M foi pole position em Daytona, Sebring, Watkins Glen por cortesia e competência da equipe Sunoco/Penske, superando os Ferrari 312 PB de fábrica e os Porsches 917. Além dessas três provas, participaram de Le Mans onde ficaram em quarto no grid superados apenas pelos Porsches Long Tail. De qualquer modo nem a 512 M da Penske nem qualquer outra equipe conseguiu o lugar mais alto do podium nas provas do Mundial da FIA em 1971.Mas também não fizeram feio. A Ferrari da Penske liderou todas as provas americanas de que participou.

Se em Le Mans a Scuderia fez “forfait”, as equipes particulares deram trabalho à Porsche. A 512 M da Penske fez as honras da Ferrari largando em 4º no grid e se mantendo em 2º lugar no início da prova, até quebrar o motor.. A 512 F da Fillipinetti largou de um bom 8º lugar e se manteve entre os 10 primeiros no início de prova. A 512 M da Escuderia Montjuic com Juncadella/Vacarella chegou a liderar antes do abandono e, por fim, a 512 M do NART com Posey/Adamowicz chegou em 3º na geral atrás dos Porsches 917 vencedores.
AS VELHAS DANDO TRABALHO
Mesmo as “velhas” 512 S de 1970 dariam um “ar da graça” na temporada de 1971. Algumas 512 S jamais foram convertidas para a versão “M”. A 512 S do NART, um “spider” não convertido em “M”, com Bucknum/Adamowicz liderou as 24hs de Daytona e acabou em um respeitável segundo lugar. Curiosamente o carro enfrentava um problema de válvulas que fazia com a gasolina não queimada fizesse o carro lançar labaredas de fogo pelo escapamento, proporcionando imagens sensacionais que fizeram a alegria dos fotógrafos de plantão. Mesmo assim a Ferrari 512S foi até o fim da prova.


Do mesmo modo nosso chassis 1022 jamais chega a ser uma 512 M . Ele permanece como 512 S,
É devolvido à fábrica para “conversão” à versão M, mas devido a greves e atrasos, Manfredini acaba preferindo ficar com um novo chassis já convertido à versão M (1050) e remontado com componentes do velho 1032, carro com o qual Manfredini vai reaparecer em provas de 1971 já em dupla com Giancarlo Gagliardi (chassis conhecido como o 1032/1050).
Concluindo-se que talvez Manfredini fosse o único dono do carro ou talvez tivesse “comprado” a metade de Moretti no chassis 1022.
Moretti vai aparecer em 1971 em dupla com Teodoro Zecolli em outro 512 M (chassis 1008) da equipe de Herbert Muller.
Mas o que aconteceu com a “nossa” 512 S ?
De fato e contra todas as expectativas, a 512 S a se destacar em 1971 foi a nossa 1022
A SCUDERIA FILLIPINETTI
A Scuderia Fillipinetti, criada pelo célebre empresário Georges Filipinetti para ser a bandeira suíça nas pistas teve uma atuação muito marcante no cenário automobilístico europeu nos anos sessenta. Sob suas cores (vermelho e branco cores nacionais suíças) correram monopostos, protótipos e carros esporte em várias categorias. Sua vitória mais importante foi com um Porsche na Targa Florio de 1966.
Devido às relações de Fillipinetti com o comendador Ferrari (Fillipinetti, entre outras atividades, era concessionário Ferrari na Suiça) a Scuderia Filipinetti se tornou uma das da principais clientes e “equipe-satélite” da Ferrari. De suas instalações no “Château de Grandson” figuras lendárias como engenheiro Franco Sbarro e depois o chefe de equipe Claude Sage mantinham um alto nível de preparação dos carros da equipe.
Pouco mais tarde, o início dos anos setenta iria encontrar a Fillipinetti em seu auge. Assim, a Filipinetti foi uma das principais “operadoras” dos Ferrari 512 tendo utilizado com mais frequência os chassis 1016, o 1008 e o 1048 e preparando e inscrevendo o 1032/1050 para Manfredini/Gagliardi.
Infelizmente a história da Fillipínetti teve um final trágico, mas enquanto competia era uma adversária de respeito até para as equipes de fábrica. Assim como a Penske, a Filippinetti foi a outra equipe que optou por desenvolver seus aperfeiçoamentos no 512 M, aproveitando que podia se valer do famoso piloto-engenheiro Mike Parkes que durante boa parte da década de 60 fizera esse mesmo papel na Scuderia Ferrari guiando desde os carros de Grã-Turismo até os F-1 da Scuderia.
Parkes desenvolveu a versão carinhosamente apelidada de 512 F (“F” para Filipinetti) com cockpit mais estreito e baixo, para-brisa mais afilado, ao estilo dos Porsches 917, maiores radiadores laterais, um aerofólio traseiro ao estilo Penske, tanque de gasolina do lado direito e toda aparelhagem elétrica à esquerda do piloto. Esse carro seria a “arma” da Fillipinetti em Le Mans.
O chassis escolhido foi o 1048. O carro apareceu em Buenos Aires como uma versão “M” de fábrica e sofreu um acidente nos treinos com Ronnie Peterson. Reparado às pressas com ajuda de um artesão local com habilidosos remendos em alumínio ele fica pronto para a prova, onde é um dos protagonistas do infeliz acidente que vitimou Ignazio Giunti.
Giunti com 312 PB ao tentar ultrapassar a 512 M da Fillipinetti colide com o Matra-Simca empurrado de volta aos boxes por Jean Pierre Beltoise. (veja-se nosso artigo “O Verão Perigoso” no site do Alfa Romeo Clube do Brasil).
Embora inscrita em Daytona, esse chassis 1048 obviamente em reparos não comparece e volta à Europa onde vai ser convertida para a versão “F”. Pronta a nova versão “F”, Mike Parkes logo vence uma prova de campeonato italiano em Vallelunga em 2/6/71.
A ÚLTIMA PROVA
1.000 Kms de Monza 25/4/1971
Pilotos: Parkes/Bonnier número do carro na prova: 8
Antes que essa versão “F” da Filipinetti ficasse pronta, as Ferraris teriam uma importante prova em casa, na qual Fillipinetti teria que se apresentar para os 1000Kms de Monza em 25/4/71. A idéia seria levar um carro próprio e preparar o chassis 1032/1050 para Manfredini/Gagliardi
Com as novas 512 “F” ainda em preparação, a Ferrari oferece o “nosso” chassis 1022 para a Filipinetti ainda na versão S. A Fillipinetti teria então preparado o carro para Monza usando os componentes mecânicos que já tinha disponíveis da versão M (possivelmente da 1048) para preparar o 1022.
Inscrito para a dupla de ponta da Fillipinetti (Mike Parkes/ Jo Bonnier) “nosso” 512 surpreende a todos, com um 4º lugar no grid, superado apenas pela Porsche 917 da Martini (Elford/Larousse) em 1º, da 312 PB da Scuderia Ferrari (Ickx/Regazzoni) em 2º e da Alfa Romeo T33/3 da Autodelta com Stommelen/Hezemans em 3º.
É interessante notar que a ‘velha” 512 S 1022 superou nos treinos todas as 512 M presentes sendo uma da Scuderia Fillipinetti (Manfredini/Gagliardi) a da Montjuic (Juncadella/Merzario) e as duas da Herbert Muller (Muller/Herzog e Moretti/ Zeccoli).
Notem que nas 512 M acima estavam os ex-proprietários do chassis 1022 (Moretti e Manfredini)

Assim nosso carro é a primeira Ferrari 512 no grid, deixando para trás as 512 M presentes e largando logo à frente do futuro vencedor, o Porsche 917 K da Gulf com Rodriguez/Oliver. É corrente que a nossa 512 S estava com componentes mecânicos da 512 M, inclusive com o motor mais potente. A Scuderia Ferrari estava usando os 312 PB que tinham motor diferente. Será que a Ferrari emprestou um de seus V-12 “canhão” de 640/650 HP para o chassis da Filipinetti?
Mas a surpresa não termina por aí. Particularmente inspirado, o veterano piloto inglês Mike Parkes faz a melhor largada (vídeos disponíveis na internet) despejando sem acanhamento potência do V-12 Ferrari e “despacha” os adversários.
A torcida italiana vai ao delírio.
O autódromo lotado, os espectadores nas tribunas, em cima de árvores ou pendurados nas placas publicitárias, se esgueirando para ver quem passa liderando a primeira volta da corrida.

E nossa gloriosa 512 S vermelha, (sim a 1022 ex-Moretti) com seu intrépido “inglese” ao volante passa rugindo em primeiro lugar liderando os Porsches 917 da Martini e da Gulf, a Ferrari 312 PB da Scuderia e os Alfas T33/3 “oficiais” da Autodelta/Alfa Romeo.
Parkes sustenta o combate e lidera até o fim da primeira volta, depois se mantém bem colocado no grupo ponteiro, mas a logo começam os problemas mecânicos que forçam a retirada, oficialmente atribuída à quebra da bomba de gasolina
A Ferrari mais viajada do mundo, a que tinha participado das provas mais pitorescas, termina sua carreira liderando uma prova do mundial diante de sua torcida em casa, em um Monza lotado de “tifosi”
Impossível ver um mais belo fim de carreira para uma Ferrari
A idéia da Fillipinetti seria colocar pelo todos os carros da equipe na versão “F” para Le Mans, mas vários problemas intervêm e apenas a 512 F chassis 1048 se apresenta para a prova inclusive com um honroso 8º no grid, se mantendo entre os 10 primeiros no início de prova, que depois abandonaria.
O chassis 1022 é também convertido para a versão “F” pela Carrozzeria Silingardi em Modena e é inscrito pela equipe com o número 5, mas não chega a ser apresentado em Le Mans, encerrando sua carreira.
O saudoso Moretti, falecido em 2012, ainda teria muitos anos de corrida pela frente e sua ligação com a Ferrari e amizade com Piero Lardi Ferrari levariam à construção do último-até esta data- protótipo esporte Ferrari (o 333SP). Com ele Moretti teve a glória de ser o primeiro piloto do mundo a vencer as três principais provas de endurance americanas no mesmo ano (24 hs de Daytona, 12hs de Sebring e 6hs de Watkins Glen)
O chassis 1022 magnificamente restaurado na versão 512 F está na data deste artigo em muito boas mãos, de um grande engenheiro automobilístico da F-1 e grande apaixonado dos carros e corridas, Adrian Newey.


A “Ferrari de Moretti” foi uma história fascinante de dois pilotos e uma Ferrari que cruzaram o mundo com uma “mochila nas costas” e mostraram que a vontade de correr e o espírito esportivo superam qualquer limitação.
3 horas ininterruptas de puro prazer ao ler seu artigo!!!!!
Obrigado!!!